Ricardo Salles está fora do Ministério do Meio Ambiente. O ex-ministro de Bolsonaro cedeu após se tornar alvo de duas investigações criminais, autorizadas pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia e Alexandre de Morais, por suposta atuação ilegal em favor de madeireiros. Ao renunciar, Salles busca sair dos holofotes da imprensa, se proteger e, ao mesmo tempo, aliviar as críticas ao governo Bolsonaro em relação à questão ambiental.
O que muda com a saída de Salles e com a nomeação de Joaquim Álvaro Pereira Leite para a pasta? Para responder à pergunta, devemos compreender por que acusam Salles, o impacto da política ambiental do governo Bolsonaro e os interesses da burguesia norte-americana e europeia.
Acusações
Duas operações da Polícia Federal (PF) resultaram no pedido de investigação ao STF por parte da Procuradoria-Geral da República (PGR). A primeira investigação, Operação Akuanduba, aberta em maio deste ano, já tinha como alvo o então ministro junto com empresários do ramo madeireiro e servidores públicos, entre eles o presidente do Ibama, Eduardo Bim. De acordo com a BBC Brasil (23/06/2021), “A PF apura suspeitas de exportação ilegal de madeira. A investigação apura desde janeiro deste ano suspeitas de crimes como corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando.”
A denúncia contou com apoio dos EUA, por meio do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos (FWS), órgão equivalente ao Ibama no país, que forneceu documentos e amostras de madeira contrabandeada por meio da embaixada norte-americana.
A outra investigação, autorizada em junho, surgiu a partir das informações obtidas pela Operação Handroanthus “que levou à apreensão de 226 mil metros cúbicos de madeira extraídos ilegalmente por organizações criminosas. (…) Essa madeira apreendida na divisa do Pará com o Amazonas no fim de 2020 foi avaliada em R$ 129 milhões” (BBC Brasil, 23/06).
Interesses imperialistas
É importante notar a participação do imperialismo norte-americano no processo. Desde o final do ano passado, durante a disputa eleitoral entre Donald Trump e Joe Biden, o desmatamento da Amazônia e a política ambiental brasileira se tornaram alvo das críticas de Biden. Não porque há um interesse real na proteção da floresta amazônica etc., mas sim no tipo de negócio que a burguesia quer fazer no momento, e não apenas nos EUA. Governos europeus estão juntos com Biden e pedem que o Brasil se adeque a uma forma mais “sustentável” de exploração de seus recursos, que aumente a fiscalização, entre outras medidas.
Trata-se de um modelo que empresas estão adotando para apresentarem uma face mais palatável diante dos protestos massivos, principalmente da juventude, em relação às questões climáticas e em defesa do meio ambiente. Além, é claro, de garantir isenção de impostos e outras recompensas bastante lucrativas para as empresas que se adequam a esse modelo.
Termos como o conceito ESG, sigla para Environmental, Social and Governance (Ambiental, Social e Governança), que nada mais é que uma reformulação da ideia de “desenvolvimento sustentável”, são criados com um objetivo claro: tentar salvar o regime social da propriedade privada dos meios de produção, que nada mais tem a oferecer para o futuro da humanidade, criando um rosto, uma nova pele, a partir de “cláusulas ecológicas compensatórias”.
E mesmo com todo esse discurso verde, na prática, a burguesia é incapaz de pôr fim à exploração tanto da Amazônia quanto dos demais recursos naturais dos países coloniais ou semicoloniais, já que eles fazem parte da cadeia de produção capitalista.
Há também setores da burguesia que, com interesses econômicos, por exemplo, na mudança para os carros elétricos em todo o mundo em substituição à gasolina, diesel etc., o discurso em defesa do meio ambiente é muito útil para seus negócios.
Mas, por que Biden está tão interessado na Amazônia e na madeira brasileira? Um artigo do Estadão, de 19 de maio, nos dá uma ideia:
“A importação da madeira que sai das florestas do Brasil está concentrada em 20 países, mas os americanos são os maiores compradores de madeira do Brasil. Dados compilados pela área técnica do Ibama obtidos pelo Estadão mostram que, entre 2007 e 2019, os Estados Unidos lideram o consumo da madeira nacional, tendo adquirido 944 mil metros cúbicos (m³) de produtos do Brasil.”
E o artigo continua:
“Esses dados do Ibama referem-se às exportações oficiais, ou seja, trata-se de madeiras que deixaram o Brasil de forma legalizada. Isso não significa, porém, que a origem de toda essa madeira é legal. (…) Os dados do Ibama mostram que, de toda a produção nacional de madeira registrada entre 2012 e 2017, cerca de 90,81% foi consumida no Brasil após beneficiamento. Apenas 9,19% dos produtos beneficiados tiveram como destino o comércio exterior. Os dez maiores compradores internacionais de madeira do Brasil consumiram 73,47% de todos os produtos madeireiros exportados pelo País no período de 2012 a 2017.”
É preciso acrescentar que o papel histórico dos EUA na exploração da madeira e demais recursos brasileiros não é o de alguém que está por fora apenas adquirindo o que oferecemos. Sempre foi o contrário, com a intervenção direta das multinacionais que se envolviam na exploração legal e ilegal dos recursos.
Para dar um exemplo emblemático, em 1967 o empresário norte-americano Daniel Keith Ludwig deu início ao Projeto Jari, complexo empresarial localizado na confluência dos rios Jari e Amazonas, abrangendo terras do estado do Pará e do então território do Amapá (legalmente, o território abrangia 1,6 milhão de hectares, mas Ludwig reivindicava o direito de propriedade sobre uma área de 3 milhões de hectares). Essa foi a “maior companhia florestal do planeta e mais extensa propriedade agrícola do mundo pertencente a uma só pessoa” (CPDOC, FGV).
Quando o presidente da principal potência imperialista do mundo ataca Bolsonaro e a forma como ele está devastando a Amazônia, a preocupação com o meio ambiente passa ao largo. O que o imperialismo realmente quer é justificar que o Brasil não tem condições de cuidar desse “patrimônio da humanidade” e, portanto, é necessário avançar em medidas de ingerência para aprofundar diretamente a exploração dos recursos da Amazônia.
Na época do debate eleitoral norte-americano, Bolsonaro até chegou a rebater Biden afirmando demagogicamente que “Nossa soberania é inegociável“. No entanto, ainda em 2020, durante o Fórum Econômico Mundial, o presidente brasileiro falou ao ex-vice-presidente norte-americano Al Gore da sua vontade de “explorar os recursos da Amazônia com os EUA“. No fim, não é uma questão de soberania, mas como e com quem ele fará os seus negócios.
A destruição ambiental no governo Bolsonaro
“Então pra isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid e ir passando a boiada” (Ricardo Salles, 22/04/2020).
Um estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgado pelo jornal El País em maio, aponta o nível da destruição da Amazônia causada pela política do governo Bolsonaro:
“A Amazônia perdeu em abril 581 quilômetros quadrados de sua cobertura vegetal (43% acima dos valores desmatados em 2020), o maior índice de desmatamento no mês de abril desde 2016, quando foram destruídos 440 quilômetros quadrados, de acordo com medições do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A área devastada nesse mês equivale a, aproximadamente, 69 estádios de futebol. Trata-se do segundo mês consecutivo de recordes históricos mensais, já que em março foram desmatados 368 quilômetros quadrados de floresta (12% a mais que em 2020).” (EL País, 07/05/2021)
Só no primeiro ano de governo Bolsonaro (2019), foram devastados 9.165,6 km2 da Amazônia, um aumento de 85% em relação ao ano de 2018, e em 2020, foram derrubados 9.205 km² de floresta amazônica.
Mas não é só o desmatamento que bate recordes no governo Bolsonaro. Em 2020, o número de queimadas foi o maior desde 2010, de acordo com o Inpe. Foram 222.798 focos de incêndio registrados, 12% a mais que os registrados em 2019. No Pantanal, o aumento de focos de incêndios comparados a 2019 foi de 120% (e representa o maior número de focos desde 1998, quando as medições começaram a ser feitas). Garimpos ilegais também cresceram no último período, em paralelo com o constante desmonte da fiscalização e corte de verbas.
O Ministério do Meio Ambiente também sofreu com os cortes de orçamento. Não estando contente em cortar R$ 1,2 bilhão da Educação e R$ 2,2 bilhões da Saúde, Bolsonaro cortou R$ 240 milhões do meio ambiente dias depois de afirmar que investiria R$ 115 milhões.
Para além de Bolsonaro
É um fato o retrocesso que representa a política do governo Bolsonaro, mas a questão ambiental no Brasil é maior que esse governo e está diretamente conectada com a dominação imperialista norte-americana. O primeiro passo que precisamos dar para realmente lutar em defesa do meio ambiente é pôr abaixo o governo Bolsonaro agora. Mas a luta por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais é fundamental. A burguesia não pode salvar o meio ambiente, ela é a causa da destruição.
Não podemos esquecer a tragédia de Mariana e das consequências que se estendem até hoje. Nem dos crimes da Vale do Rio Doce, responsável pela morte de 270 pessoas em Brumadinho, mas que destruiu a vida de mais de 3 mil.
O exemplo de Brumadinho nos ajuda a compreender as dimensões de uma tragédia causada pelo capitalismo: o Rio Paraopeba, entre Brumadinho e Pompéu, está impróprio para consumo e agricultura até hoje e a contaminação do rio afeta mais quatro cidades ao redor. Menos de 40% dos atingidos pelo estouro da barragem (acidente que poderia ter sido evitado) têm água potável regular e 62,5% dos atingidos nessas cidades não têm atividade remunerada. Os moradores de Brumadinho, São Joaquim de Bicas, Betim, Mário Campos e Juatuba sofrem até hoje com problemas intestinais e de pele.
As tragédias ambientais também são tragédias humanas, não vivemos à parte da natureza e se não sofremos agora com as consequências dos desmatamentos recordes, queimadas, garimpos etc., chegará o momento em que a conta será cobrada.
Salles caiu, mas ele é apenas uma peça menor de uma partida de xadrez que foi sacrificada para salvar outras mais valiosas, ou o rei de um xeque-mate. Nossa tarefa é seguir o combate ao governo Bolsonaro, ao imperialismo dos EUA e ao regime da propriedade privada dos grandes meios de produção. No dia 10 de julho, vamos dar um passo nessa direção no “Encontro Nacional de luta: Abaixo o governo Bolsonaro! Por um Governo dos Trabalhadores, sem patrões nem generais!”. Inscreva-se e junte-se a nós!