Roberto Alvim caiu, Regina Duarte pode assumir e o projeto de desmonte da cultura continua

Após plagiar a frase de Joseph Goebbels em seu discurso no vídeo publicado pela Secretaria Especial de Cultura do Governo, Roberto Alvim foi exonerado de seu cargo de secretário. No vídeo, Alvim fala abertamente sobre seu projeto de cultura conservadora para o país, emitindo um recado de ataque à liberdade artística.

Um dos trechos do texto pronunciado pelo ex-secretário é praticamente a cópia de um dos trechos do discurso de Joseph Goebbels, o ministro de propaganda nazista do governo hitlerista. Como se isso não bastasse, Alvim também utilizou como música de fundo do vídeo a composição que faz parte da abertura da obra Lohengrin, de Richard Wagner, uma das peças favoritas de Hitler.

A semelhança do vídeo com o nazismo foi amplamente divulgada na internet e foi duramente criticada até pela direita apoiadora do governo. Olavo de Carvalho chegou a comentar que Alvim parecia um “maluco” no vídeo, e que talvez não esteja “muito bem da cabeça”. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em redes sociais, chegou a dizer que era preciso afastar Alvim do cargo “urgentemente”.

Goebbels foi um dos maiores responsáveis por divulgar às massas alemãs propagandas antisemitas e antibolcheviques, além de perseguir e dizimar a vida de trabalhadores, artistas, intelectuais, sindicalistas e militantes de esquerda. Também foi responsável por planejar e organizar a queima de livros (Bücherverbrennung) na Alemanha, que tinha como objetivo acabar com obras de autores como Bertolt Brecht, Walter Benjamin, Thomas Mann, Sigmund Freud, Albert Einstein, Ernst Toller, Karl Marx, alguns dos mesmos nomes que são abertamente atacados pelo atual governo brasileiro e seus apoiadores.

Não se trata de uma coincidência, mas de um vídeo feito para fazer referências abertamente nazistas. Nele, Alvim faz a defesa de uma arte “nacional” e “heroica”, assim como no discurso de Goebbles. A linha do discurso é o cerceamento da liberdade artística, dando o recado de que apenas as produções feitas para propagandear valores conservadores, alinhados com o discurso do governo de defesa da “Pátria”, da “Família” e de “Deus”, seriam dignas de receber financiamento público.

No entanto, em menos de um dia após a divulgação das notícias que comentavam o caráter nazista do vídeo, Alvim foi rapidamente exonerado de seu cargo. A agilidade da ação demonstra a fragilidade do governo Bolsonaro, que sofreu pressões da Confederação Israelita do Brasil (Conib) e de líderes políticos burgueses. Bolsonaro certamente está de acordo com as ideias contidas no vídeo – o ataque geral à cultura e à ciência que realiza repetidamente demonstra isso -, mas o secretário Alvim foi longe demais com suas referências explícitas ao nazismo, ameaçando os planos de Bolsonaro de aproximação com o governo sionista de Israel, do primeiro ministro Benjamin Netanyahu, além de ser um fator extra para o estremecimento da relação do governo com a burguesia. Por isso o Secretário teve que ser sacrificado.

Ainda que as referências do vídeo sejam próprias do nazismo, a forma de financiamento apresentada por Alvim tem diferenças em relação ao financiamento da cultura do governo hitlerista, já que ao invés do Estado contratar diretamente os artistas, o projeto do governo Bolsonaro anunciado por Alvim seria feito através de editais em que artistas e grupos concorreriam ao prêmio anunciado. Além disso, enquanto o Estado nazista realizou um grande investimento para fazer a propaganda de seu regime, no caso brasileiro seriam 20 milhões para todo o Brasil por meio de um edital (em que os artistas concorrem entre si), que não chega nem a metade do valor destinado ao fomento direto para editais do Programa de Ação Cultural, que atingem apenas o Estado de São Paulo – só para ficar em um exemplo! Além disso, pretende dividir essa migalha para todas as áreas: ópera, teatro, histórias em quadrinho etc, como se esse fosse um projeto grandioso para a cultura nacional, que tanto procura defender em seu vídeo.

Apesar de Alvim não ocupar mais o cargo da secretaria, o projeto divulgado por ele não está descartado e prevê que o crivo das obras selecionadas para o recebimento do prêmio seja feito pelas comissões do próprio governo, seguindo, obviamente, duvidosos critérios. Além disso, há também um edital previsto para fevereiro e março desse ano, destinado ao cinema, que iria contemplar, segundo as próprias palavras de Alvim, obras “alinhadas ao conservadorismo da arte”, e que ressalte “figuras heroicas brasileiras”.

Isso significará a utilização do dinheiro público para o financiamento exclusivo de obras que correspondam à ideologia reacionária, obscurantista e conservadora do governo. Todo o projeto de cultura apresentado por Alvim é um ataque à cultura e tudo de mais revolucionário que foi produzido pela humanidade até o atual momento. Não só o projeto, mas o próprio governo de Bolsonaro é um ataque direto aos artistas, à arte e ao conjunto dos trabalhadores, incentivando a ignorância e o embrutecimento generalizado,

A exoneração de Roberto Alvim foi resultado da pressão de setores da burguesia e de parcela de seus representantes. Isso não significa que a cultura estará salva nas mãos de liberais mais sensatos e polidos, que escondem seus posicionamentos reacionários. O que o capitalismo impõe hoje é a necessidade de destruição inclusive das ideias liberais originárias de um pensamento racionalista, incluindo não só pensadores e filósofos considerados de esquerda, mas da própria burguesia – que, por sinal, liam livros com um monte de coisa escrita.

Nada realmente mudou depois que Alvim foi despedido. Depois dele, José Paulo Martins, que já havia conduzido A Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura entre 2016 e 2018, assumiu interinamente a pasta do Ministério da Cultura. O discurso de alusão nazista ainda continua presente na atual secretaria.

Em uma reportagem do site The Intercept, do dia 17 de janeiro, é possível ter acesso a informações no e-mail vazado em nome do atual secretário para diretores como os da Fundação Nacional das Artes (Funarte) e da Agência Nacional do Cinema (Ancine), dias antes da postagem do vídeo absurdo de Alvim. Nele, José Paulo Martins repete o discurso nacionalista, exaltando a família, deus e ainda acrescenta a pérola de seu trabalho envolver a luta “contra o que degenera”, em referência direta à denominada “arte degenerada”, ou seja, a arte que não se encaixava na cartilha nazista.

Este tipo de discurso do governo Bolsonaro e seus funcionários é que incentiva atos como o ataque de um grupo integralista à produtora de vídeos Portas dos Fundos, e a absurda decisão da justiça de que o vídeo de Especial de Natal fosse tirado do ar pela Netflix.

É preciso reafirmar, ao mesmo tempo, que o governo Bolsonaro não pode ser considerado um governo fascista ou nazista. Por mais que Bolsonaro, particularmente, e alguns de seus ministros simpatizem com o fascismo, o caso é que a instável situação política e econômica, a força que conserva o proletariado, a inexistência de forças paramilitares fascistas expressivas, faz com que se inviabilize a eliminação física da vanguarda da classe operária e suas organizações, bloqueando assim o caminho para a instauração de um regime fascista no país.

Agora, mais recentemente, Regina Duarte, apoiadora do governo Bolsonaro, confirmou o interesse em assumir a Secretaria Especial da Cultura. A atriz tem um histórico de apoio à direita. Pra além do apoio a Bolsonaro nas eleições de 2018, ficou marcada por aparecer na propaganda eleitoral de José Serra, em 2002, com o discurso “eu tenho medo” de um governo do PT.

Enquanto isso, a produtora cultural Paula Lavigne, organizadora do movimento 342 Artes, chegou a apoiar a nomeação de Regina Duarte, afirmando que a atriz poderá ajudar os artistas. Um completo absurdo para quem se diz apoiadora de um movimento que luta contra a censura!

O vacilo de posição das direções sindicais, em especial dos sindicatos que representam os artistas e técnicos, e de lideranças políticas de esquerda, apenas tem prolongado o sofrimento de jovens e trabalhadores, que precisam suportar os ataques deste governo, com a promessa de que tudo se resolverá em 2022, nas eleições. É preciso lutar agora pelo “Fora Bolsonaro” e contra todo o sistema capitalista, por um verdadeiro governo dos trabalhadores. Somente essa luta pode oferecer uma saída à classe trabalhadora e salvar a cultura e a arte de todo retrocesso e barbárie.

 

Link da reportagem do Intercept> https://theintercept.com/2020/01/17/cultura-ideias-do-nazismo-roberto-alvim/