Boris Kagarlitsky, um dos mais proeminentes sociólogos de esquerda na Rússia, foi preso em 25 de julho e levado para Syktyvkar (República de Komi, Rússia) em 26 de julho. No mesmo dia, o tribunal local o colocou sob custódia por dois meses sob a acusação de “justificar o terrorismo”. Se o tribunal o considerar culpado, Kagarlitsky pode cumprir sete anos de prisão.
Quem é Kagarlitsky?
O Dr. Kagarlitsky, nascido em 1958, é sociólogo, cientista político e escritor político. Em 1982, ele foi preso junto com outros membros de um grupo de “jovens socialistas”, que havia criticado a liderança burocrática da ex-União Soviética. Kagarlitsky esteve envolvido na política antes e durante a era da Perestroika. Nos mesmos anos, começou a escrever artigos e livros sobre questões sociais e políticas e, nos 35 anos seguintes, publicou várias dezenas de livros e ensaios.
Em 1988, seu livro Thinking Reed ganhou o Prêmio Isaac Deutscher. Nos anos seguintes, seus livros Dialectics of Change e A Farewell To Perestroika foram publicados em Londres (em inglês, este último também foi traduzido para japonês e turco); e Square Wheels – crônicas do democrático Conselho de Moscou, publicadas em alemão em Berlim. Em 1995, Kagarlitsky defendeu com sucesso sua tese de doutorado sobre os sindicatos russos na década de 1990. Por muitos anos, ele foi professor na Escola de Ciências Sociais e Econômicas de Moscou.
Nos últimos anos, Kagarlitsky foi preso e penalizado várias vezes por seu ativismo, como em 2020, quando organizou uma manifestação contra a mudança na Constituição russa, que permitiu a reeleição de Putin para seu quinto mandato presidencial; ou em 2021, quando Kagarlitsky usou sua mídia social para convocar protestos contra a fraude eleitoral. Em maio de 2022, Boris foi rotulado de “agente estrangeiro” – um status legal que leva a complicações ao fazer declarações públicas – por seu posicionamento consistente internacionalista sobre o conflito russo-ucraniano. No entanto, apesar de tudo, Kagarlitsky não fugiu do país e não abandonou a esfera pública.
Gerações de jovens comunistas e de esquerda russos cresceram lendo seus livros. Com suas obras, Kagarlitsky se opôs ao legado do “marxismo oficial” soviético tardio stalinista. Além disso, ele estava sempre disposto a oferecer “ajuda intelectual” aos ativistas de esquerda. Ele quase nunca recusou uma chance de participar de conferências de esquerda e estava sempre aberto a discussões durante os intervalos.
Desde 2008, Boris também é o fundador e um dos editores do Rabkor, um jornal online. Nos últimos 15 anos, este jornal – e seu canal afiliado no YouTube – tornou-se uma importante fonte de discussão de esquerda. Os ensaios e colunas de Kagarlitsky atraíram a atenção de dezenas de milhares de leitores, e sua análise cuidadosa dos eventos atuais era muito popular na esquerda russa.
A Máquina Repressora
Em 24 de junho, uma tentativa de golpe do Grupo Wagner, liderado por Eugeny Prigozhin, chocou o regime e revelou divisões na classe dominante russa. No final, ambos os lados do conflito rapidamente chegaram a um acordo, e Prigozhin não só teve permissão para escapar sem qualquer processo, mas teve todos os seus bens devolvidos. Em questão de horas, o governo e a mídia estatal reabilitaram um terrorista, mais uma vez.
No entanto, a burocracia e a oligarquia russas, que sentem a insegurança de sua posição, estão ansiosas para apagar qualquer lembrança de um desafio contra eles. Eles procuram provar às massas que ainda são capazes de aplicar punições severas. No entanto, é claro, o aparato repressivo só pode punir efetivamente alguns bodes expiatórios selecionados, que são incapazes de revidar – como foi o caso do grupo de Wagner.
O regime do Kremlin escolheu suas vítimas entre as figuras mais proeminentes da oposição de direita e de esquerda ao governo. O primeiro foi Igor Strelkov, ex-ministro da Defesa da República Popular de Donetsk e fundador do “Angry Patriots’ Club” (APC), uma organização nacionalista russa. Os membros do APC apoiaram a invasão da Ucrânia, enquanto criticavam as políticas militares do governo russo. Strelkov foi preso em 21 de julho por “encorajar publicamente a participação em atividades extremistas”. Na mesma noite, o tribunal o prendeu por dois meses; se for considerado culpado, pode cumprir 5 anos de prisão. Apesar das audiências judiciais que estão ocorrendo em Moscou, os admiradores de Strelkov ainda não demonstraram apoio em massa a seu líder.
Alguns dias depois, a próxima vítima da máquina repressiva foi escolhida no extremo oposto do espectro político. Kagarlitsky foi preso em 25 de julho. A polícia, antecipando protestos em defesa do escritor de esquerda, que é bem conhecido na Rússia e internacionalmente, o transportou para Syktyvkar, uma cidade isolada, mil quilômetros ao norte de Moscou. A audiência foi realizada em privado no dia seguinte, e até mesmo o advogado de Kagarlitsky não pôde comparecer devido à falta de passagens aéreas. Vale a pena notar que as acusações contra Boris repousam apenas em uma de suas postagens no Telegram, na qual ele analisa o ataque ucraniano à ponte da Criméia em 8 de outubro de 2022. Não é demasiado dizer que não há nada que se assemelhe a “justificar o terrorismo” na referida postagem. Mais uma vez, a aplicação da lei burguesa mostra que não precisa de nenhuma razão sólida para apresentar queixa.
Vários grupos principalmente de esquerda reagiram à prisão de Kagarlitsky com uma campanha pública em sua defesa. Inúmeras publicações, folhetos e reuniões estão sendo planejadas, e esses eventos têm o potencial de unir os grupos descoordenados com uma causa comum. Felizmente, a esquerda russa conseguiu pelo menos uma campanha de solidariedade bem-sucedida em sua história: em fevereiro de 2023, meses de trabalho árduo resultaram na libertação do proeminente líder sindical Kirill Ukraintsev.
A Organização dos Comunistas Internacionalistas (a seção russa da CMI) pede apoio nacional e internacional para Kagarlitsky. Estamos lançando uma campanha pública e pedimos aos leitores que participem dela. Pedimos à esquerda internacional, que chame a atenção para esta injustiça, divulgando a campanha, organizando eventos locais em apoio a Boris. Por favor, envie mensagens de solidariedade através deste link.
Liberdade para Boris Kagarlitsky!
#бориснетеррорист
#BorisIsNotATerrorist
TRADUÇÃO DE FERNANDO LEAL.