“Sempre que havia uma reivindicação dos trabalhadores, lá estavam os marxistas” – Entrevista com Adilson Mariano sobre o Movimento das Fábricas Ocupadas

Entrevistamos o camarada Adilson Mariano, militante da Esquerda Marxista, professor de História e ex-vereador pelo Partido dos Trabalhadores (PT) com um mandato revolucionário em Joinville. O camarada foi um dirigente importante dos acontecimentos no movimento de ocupações de fábricas no norte catarinense, entre 2002 e 2007, oferecendo seu mandato de 15 anos, eleito em 4 legislaturas na Câmara de Vereadores, aos interesses e lutas dos trabalhadores e do socialismo.

As ocupações fabris em Joinville (SC) foram experiências extraordinárias que nos transmitem um legado inesgotável para a luta de classes. O debruçar em suas memórias e ensinamentos é um passo crucial para toda a classe trabalhadora e, principalmente, para a juventude. Esse processo oferece a esperança e o orgulho necessários sobre a capacidade de controlarmos a produção e reprodução da vida e de transformar a realidade do povo trabalhador.

Nesta entrevista, conversamos sobre a militância que gerou a greve e, posteriormente, a ocupação fabril e também sobre a importância de uma direção marxista para a ação operária, a atuação da Esquerda Marxista, as vitórias dos trabalhadores com a ocupação e as perspectivas para um processo desse caráter em nosso tempo. Boa leitura!

Camarada Mariano, você representou a política dos comunistas por 16 anos na Câmara de Vereadores de Joinville, mas no início desse mandato não estava ainda militando com os camaradas que fundaram a Esquerda Marxista. O processo de ocupação fabril em Cipla e Interfibra foi crucial para sua aproximação ao marxismo. Você poderia relembrar e nos contar como foram esses acontecimentos em seu início? Como você soube da revolta dos operários? Seu mandato teve intervenção direta na greve? Olá, camarada Chico. Agradeço ao jornal Tempo de Revolução1 pelo convite a essa entrevista para compartilhar um pouco das memórias da ocupação das fábricas em Joinville. Bom, eu tinha conhecimento do que se passava na Cipla há algum tempo. Inclusive, realizamos denúncias ao Ministério Público do trabalho e à Delegacia Regional do Trabalho antes da greve. Mas o que elevou o nível desse combate foi a vinda de um trabalhador demitido ao gabinete de nosso mandato, diante da falta de ação do sindicato da categoria e dos órgão do Estado burguês. Foi então que nosso mandato, orientado por militantes da organização revolucionária que se tornaria a Esquerda Marxista, passou a realizar um trabalho cotidiano de ida à fábrica para refletir com os trabalhadores a situação e a necessidade de organização para dar um basta na situação de exploração e não pagamento dos direitos dos trabalhadores. Produzimos panfletos, nos dirigimos à fábrica com a assessoria e militantes da organização, com carro de som e dialogamos com os trabalhadores sobre a necessidade de lutar contra o que acontecia na Cipla e Interfibra. Depois de algumas semanas desse trabalho de base, os trabalhadores passaram a dialogar conosco e participar de reuniões para organizar a luta. Eram reuniões nos bairros e comunidades, até que nos dirigimos ao sindicato para exigir a realização de assembleia geral dos trabalhadores da Cipla para avaliar a situação e votar o início da greve. A direção do sindicato agendou a assembleia, mas não mobilizou os trabalhadores e na assembleia foi contra a proposta de deflagração de greve. Os trabalhadores passaram por cima da direção traidora e deliberaram pela greve. Paralelo ao trabalho de mobilização na fábrica, o mandato encaminhou no âmbito da Câmara, para dar força e legitimidade ao movimento, moções de apoio à luta dos trabalhadores e uma comissão especial de estudo sobre a situação dos trabalhadores da Cipla.

Que interessante! Então teve uma ação militante e de base bem anterior à própria greve. Isso nos sugere uma fundamental direção dos marxistas no processo, que, junto com você, foram responsáveis por organizar o que veio a ser a Esquerda Marxista. Como se deu essa relação? Como ocorreu a necessidade de fundar a nova organização política? A relação de nosso mandato com os marxistas se deu na luta de classes. Nosso mandato tinha como princípio ser um ponto de apoio de todas as lutas da classe trabalhadora. E sempre que havia uma reivindicação e luta dos trabalhadores lá estava nosso mandato para apoiar, e lá estavam também os marxistas. Era inevitável nossa aproximação. Primeiro, vários companheiros que apoiavam nosso mandato desde a campanha e inclusive faziam parte da assessoria e do conselho do mandato, passaram a conhecer os militantes marxistas e a se relacionar politicamente com a organização, inclusive entrando nela. Nosso mandato tinha um conselho chamado Construindo Junto, reunindo todos que intervinham nos combates assumidos pelo mandato nas várias frentes. Nas lutas populares nos bairros, nas escolas, nas fábricas, na luta por serviços públicos, gratuitos e para todos. A ocupação da Cipla foi um combate fundamental para a aproximação com os revolucionários que militavam, naquele momento, na corrente O Trabalho (PT). Essa intervenção fez a organização crescer, com vários operários passando a militar na organização. Esse crescimento com operários na organização levou uma parte dela a não aceitar essa situação, que os fez perder a maioria e, consequentemente, perderem o congresso interno. Então houve a cisão da organização e os derrotados acabaram por expulsar a maioria da organização. Diante da situação, a maioria expulsa pela minoria, com apoio do secretariado internacional, decidiu manter o combate para a fundação da Esquerda Marxista.

E com essa entrada e envolvimento massivo de operários na organização revolucionária, qual era a pauta dos trabalhadores? Ela já veio carregada da proposta de estatização? Como o mandato ajudou a direcioná-las? Como era o processo de debate e votação dessas propostas? A pauta dos trabalhadores em greve era a exigência do pagamento dos salários e direitos atrasados, e manutenção dos empregos. Os patrões não pagavam os direitos dos trabalhadores, alegando não ter condições. Então os trabalhadores exigiam que o controle da fábrica fosse passado para eles. A reivindicação da Estatização entrou em pauta quando os operários venceram a batalha após os 8 dias de greve e ocuparam a fábrica. O mandato defendia e impulsionava as reivindicações construídas pelos operários e a organização revolucionária nas assembleias de fábrica. Todos os problemas, as reivindicações e ações necessárias para organizar a luta eram discutidos coletivamente pelos trabalhadores em assembleia, onde as propostas aprovadas pela maioria dos trabalhadores eram aplicadas.

Uma verdadeira democracia operária! A ocupação da Cipla vai de 2002 a 2007, encerrada após a intervenção da Polícia Federal, sob o primeiro governo Lula. Como você avalia os anos de ocupação? Quais foram os maiores êxitos? Quais os aprendizados com possíveis erros? Durante a ocupação, os trabalhadores demonstraram grande capacidade de luta. Transformaram as condições da fábrica reduzindo acidentes, resolvendo passivos ambientais deixados pelos patrões, arrumaram máquinas, elevaram a produtividade mesmo com uma infraestrutura sucateada. Retomaram a produção de setores desativados, ampliaram o faturamento, iniciaram o pagamento dos salários e direitos não pagos pelos antigos patrões. Apoiavam as lutas dos trabalhadores de outras áreas. Organizavam a produção e a luta política a partir dos interesses gerais dos trabalhadores. A verdade é que a burguesia e os reformistas do PT e da CUT quiseram de todo jeito acabar com essa experiência e hoje tentam apagar sua memória e legado. A todo momento levantaram calúnias, buscando difamar a luta das fábricas ocupadas. O ápice desses ataques combinados da burguesia e dos reformistas foi a violenta intervenção jurídica e da Polícia Federal em 2007 sob o governo Lula. Essa experiência deixou evidente a capacidade de luta que a classe trabalhadora tem de resolver seus problemas, mas que a vitória só é possível quando essa luta tem uma direção revolucionária capaz de ajudar a classe trabalhadora a combater e generalizar essa luta em cada país e de maneira internacional.

Visto esse histórico e a atual conjuntura, seria possível realizarmos uma ação dessa magnitude? Com certeza é possível. A conjuntura atual é de crise profunda do capitalismo e de extremos ataques aos direitos dos trabalhadores. Para realizar esse combate se faz necessário uma organização de quadros formados na teoria revolucionária. Pois, mais cedo ou mais tarde, os trabalhadores que não suportam mais a exploração capitalista vão se levantar e precisarão de uma organização e militantes revolucionários que ajudem a desenvolver esse combate pela tomada do poder nas fábricas e em toda a sociedade.

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Muito obrigado, camarada! Nossa tarefa cotidiana é reforçar a memória operária e revolucionária contra o esquecimento burguês. Temos muito a aprender com as ocupações fabris em Joinville e a atuação de militantes como você.

Leia mais sobre as fábricas ocupadas.

1 Artigo publicado originalmente no jornal Tempo de Revolução 29, de junho de 2023.