No próximo sábado (14/11), às 15 horas, faremos uma reunião online do Movimento Negro Socialista. O objetivo é organizarmos a campanha “Ser negro não é crime”, sobretudo contra os ataques racistas do judiciário e da polícia. Convidamos todos para estar conosco nesse dia. Segue o link do evento para divulgação: https://fb.me/e/3fOXIUW1b
Abaixo um artigo explicando como as instituições burguesas estão servindo para perpetuar o racismo há anos no Brasil.
O surgimento do racismo
O advento do racismo se dá junto ao surgimento do capitalismo, uma vez que as burguesias emergentes necessitavam de uma força de trabalho escrava em grande escala, para realizar seus projetos de expansão dos mercados. Com isso, após as grandes navegações, as classes dominantes europeias percebem na África um grande potencial de força de trabalho a ser explorada para a nova empreitada de produzir mercadorias em uma escala jamais vista.
Assim, em um covarde projeto de guerras, massacres e em acordos com as castas dominantes da África, se inicia uma nova modalidade do processo de escravização. Se antes esse processo se dava em virtude de disputas locais entre povoados e tribos que, ao serem derrotados, aceitavam a condição de escravidão e servilismo, agora, a escravidão se torna o projeto de uma classe em nova escala, visto que a produção agora não visa apenas suprir a necessidade de pequenas localidades, mas as grandes expansões territoriais.
A produção agora se daria no modelo Plantation, sob o modo de exporão capitalista, a mais avançada forma de produção de mercadoria e, consequentemente, de exploração da força de trabalho. Agora os seres humanos não podem mais ser tratados como seres humanos, e muito menos como irmãos. Nesse novo modelo de produção, os escravos são tidos como inferiores até aos animais de carga. Recebem farrapos para vestir, moram amontoados em lugares insalubres, trabalham mais que 14 horas por dia, acorrentados e, se decidem fugir, são torturados e punidos em praças públicas. A exploração agora precisa andar ao lado da humilhação e da desumanização.
Assim, os negros se tornam as principais vítimas desse modelo de exploração desumano. São arrancados de suas terras e culturas, separados de suas famílias e “disciplinados” para não reagirem jamais a essa condição. Tudo isso garantido pelas leis burguesas de compra e venda, no caso, de seres humanos. Assim as leis burguesas levavam até as últimas consequências o direito mais básico do capitalismo: o direito à propriedade privada. A lógica era: se eu comprei esse escravo, eu faço o que bem entender com ele. Dessa forma, humilhações, torturas e estupros eram legitimados pela própria lei.
Sendo assim, a classe dominante precisava de uma ideologia que servisse de base para justificar essas ações. Então ideologias como o nacionalismo (e a xenofobia) e imposições religiosas (as Cruzadas, por exemplo) foram ferramentas usadas para este fim. Contudo, com o passar do tempo, essas ideologias não foram mais dando conta de justificar a exploração de uma parcela da sociedade em regime escravocrata, enquanto que na Europa os moldes capitalistas tendiam para o trabalhado assalariado.
Um conflito então surge: de um lado, os ideais filosóficos europeus defendiam a ideia de igualdade, liberdade e fraternidade. Ao mesmo tempo, esses países (França, Inglaterra etc.) mantinham seres humanos sendo escravizados em suas colônias.
Assim procura-se justificar teoricamente a escravidão, por meio da ideia anticientífica de que existem raças humanas, e que algumas são superiores a outras. Embora essa teoria não tenha conseguido espaço entre as ciências, ela foi suficiente para disseminar a ideologia do racismo, para dividir a classe trabalhadora e fundamentar a desigualdade existente entre os seres humanos, gerada pela sociedade de classes e a divisão social do trabalho.
O racismo durante o império
Com a independência brasileira, D. Pedro assinou com a Inglaterra um tratado antitráfico em 23 de novembro de 1826, estabelecendo que, a partir de março de 1830, seria ilegal para os súditos do imperador brasileiro dedicar-se ao comércio de negros africanos, sendo tal atividade passível de ser julgada como pirataria. Com isso, a Inglaterra começou a ter mais poder sobre essa questão. Obviamente que o tráfico continuou, mas o cenário já mudava.
Vale ressaltar que a Inglaterra não tinha motivações humanitárias contra o tráfico. Em verdade, a questão era simplesmente econômica, visto que era ruim para os negócios britânicos que o Brasil tivesse força de trabalho escrava. Contudo, para as elites latifundiárias brasileiras, não fazia sentido garantir salários e dignidade de vida para os negros, se eles pudessem manter o método escravocrata. Com isso, as tensões aumentam, não só externamente, mas também internamente.
Mas se o tráfico havia se tornado ilegal, eles começaram a investir em outros métodos para produção de novos escravos, como definir escravos de “procriação”, ou seja, a escravidão continuava, mas as insurreições populares e revoltas cresciam cada dia mais, e as contradições se tornavam cada vez mais latentes e difíceis de controlar.
As próprias elites internas começaram a ter divergências sobre o método escravocrata por dois motivos centrais. Primeiro, porque trabalhadores assalariados seriam consumidores, e isso era bom para uma parte das elites que investia em produtos que poderiam ser consumidos por estes, que eram escravos. Segundo, porque as insurreições e revoltas cresciam e uma chama insurrecional tomava as senzalas, sobretudo porque, em 1791, teve início a Revolução Haitiana, e esses “ventos” percorreram a américa.
Para frear essas insurreições e acalmar os ânimos, leis foram criadas para parecer que havia uma preocupação em extinguir a escravidão no Brasil. Umas delas foi a Lei do Ventre Livre (1871), que dizia que os filhos de escravas estariam livres. E outra, foi a Lei dos Sexagenários (1885), que garantia a “liberdade” de escravos com mais de 60 anos (após mais 3 anos de serviço, como multa). Ou seja, na prática essas leis não tinham efetividade em um mundo racista, no qual os filhos de escravos não tinham para onde ir, a não ser trabalhar para os mesmos senhores que escravizavam seus pais, e os escravos idosos, quando chegavam a essa idade, não teriam como sobreviver sem serviços públicos e qualquer direito civil. Essas leis só comprovam que o racismo era totalmente institucionalizado.
A Lei Áurea e a nova fase do racismo
Em 13 de maio de 1888 foi proclamada a Lei Nº 3.353, a chamada Lei Áurea, que abolia a escravidão no Brasil.
Nós, marxistas, entendemos que essa lei foi uma grande conquista do movimento negro no Brasil, expressando a forma como a organização abolicionista e antirracista havia se desenvolvido no país.
Contudo, essa lei, em nenhum momento prometeu a liberdade para os negros. Na prática, as relações de opressão e exploração continuariam, afinal a sociedade de classes ainda permanecia intacta. Se agora não era mais permitido legalmente vender e comprar seres humanos, o método de exploração se daria pela compra e venda da força de trabalho, através de horas de trabalho diário.
Muitos militantes do movimento negro não comemoram a data porque afirmam ser uma farsa, alegando que a princesa Isabel não deu as condições e “oportunidades” para os negros. Para nós seria impossível esperar isso da princesa ou de qualquer membro da burguesia. As elites fundiárias ou industriais nunca ofereceriam serviços públicos como educação, saúde, moradia, saneamento básico e empregos para os negros recém libertos do regime escravocrata. A única forma de conquistar isso seria através de uma revolução de massas que derrubasse o sistema capitalista e a sociedade de classes. Caso contrário, o destino dos negros seria exatamente o que ocorreu: viver nas piores condições de vida e seguir sendo a força de trabalho mais explorada da sociedade.
Assim, o racismo ganha uma nova cara na nascente república. Se antes a escravidão era legalizada, agora a exploração se manteria em moldes muito parecidos, mas com um salário de fome que daria a nós, negros, a ilusão de que tínhamos a sonhada liberdade. Na prática, essa parcela da população ganhou a “liberdade” de escolher por quem seria super-explorado. Os proprietários continuam com suas propriedades intocadas, e nós vendendo nossa força de trabalho por qualquer trocado ou pedaço de comida. Saímos das senzalas, para viver amontoados nos morros.
Mas, as leis continuam cumprindo seu papel racista e classista, punindo os mais pobres, em especial os negros. Um desses exemplos é o decreto Nº 847, de 11 de outubro de 1890, que pune ébrios, mendigos, vadios e capoeiras. No artigo 402, por exemplo, podemos ler a punição para os praticantes de capoeira:
Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza corporal conhecidos pela denominação capoeiragem; andar em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir uma lesão corporal, provocando tumultos ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal:
Pena – de prisão cellular por dous a seis mezes.
Paragrapho unico. E’ considerado circumstancia aggravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta.
Assim, os negros e os mais pobres, em geral, continuavam sendo tratados de forma desumanizada. Cresce a repressão policial e o encarceramento. As medidas “corretivas” seguiam sendo racistas e violentas e quase sempre o negro ocupava condições de vida que faziam com que a condição de vida fosse análoga à escravidão. Assim, mesmo não havendo leis de segregação racial como havia nos EUA, que proibiam negros e brancos de se casarem, de acessarem as mesmas escolas, de terem os mesmos direitos, no Brasil a segregação se dava de forma maquiada, fazendo parecer que a falta de direitos seria fruto de uma “natureza” dos negros que os empurrava para a vida da criminalidade ou da “vadiagem”.
Assim, as ações racistas do judiciário e das polícias atuavam em parceria. De um lado, uma lei que legislava sempre contra os pobres e negros, e em defesa dos patrões e da defesa da propriedade privada, e de outro, uma polícia racista, que tinha alma de capitão do mato, e via os negros ainda como os escravos do passado, como seres de espécie inferior.
O racismo hoje
Hoje o capitalismo vive uma de suas crises mais profundas. E como é típico a esses momentos, as classes dominantes precisam explorar ainda mais a classe trabalhadora. Com isso, é inerente que as opressões também aumentem, bem como a repressão. É por isso que estamos vendo o aumento do machismo, do racismo, da homofobia e todo lixo moral e ideológico voltando cada vez mais à luz do dia.
Além do caso em que o judiciário fica do lado do estuprador, é também comum que fique sempre contra os negros, tratando-os como criminosos mesmo antes do direito à ampla defesa. Se você é negro, você já é tomado como bandido. Há casos até em que os juízes se baseiam na teoria anticientífica das “raças”. O princípio da inocência é substituído pelo princípio da culpa, e as prisões seguem abarrotadas de gente, em suamaioria, negros.
A polícia atua como braço armado do Estado; ameaça, humilha, tortura, prende e mata. Tudo isso em vias públicas, à luz do dia, seja nos EUA ou no Brasil. Enquanto o negro já chega no júri como culpado, os policiais sempre são inocentados de seus crimes. Basta alegar auto de resistência que qualquer crime é perdoado pelo Estado.
Assim, na crise do capitalismo, judiciário e polícia atuam de mãos dadas. A repressão ganha um novo patamar, porque as classes dominantes sabem que precisam deixar a classe trabalhadora e a juventude amedrontada, ou uma grande insurreição pode ocorrer.
Nesse cenário, convidamos todos a se unirem a essa luta do Movimento Negro Socialista. Participem de nossa reunião e criem comitês de luta em sua cidade.
Lutar contra o racismo hoje exige lutar pelo fim da PM, pela anulação das ações racistas do judiciário e pelo fora Bolsonaro, o comandante maior dessa perseguição aos negros, à juventude e à classe trabalhadora.