Foto: Latuff

Sérgio Moro institucionaliza matança de pobres e negros

O Ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro apresentou nesta segunda feira (4/2) um pacote que, segundo ele, vai fortalecer o combate à corrupção, aos crimes violentos e ao crime organizado. A proposta estabelece alterações em 14 leis, reduz o direito de ampla defesa, institucionaliza a licença para policias e agentes de segurança matarem, e cria a figura do acordo entre Ministério Público e investigado que, mediante confissão, permite fixar uma pena sem necessidade de abertura de uma ação penal no Judiciário.

O Brasil tem hoje a terceira maior população carcerária do mundo, mantendo 725 mil pessoas presas, ficando atrás apenas da China (1,6 milhão) e dos EUA (2,1 milhão).  A taxa de ocupação das prisões no Brasil é de 200%, ou seja, os presídios estão superlotados, a maioria em condições precárias, onde os presos são mantidos em condições desumanas e degradantes.

Outro dado chocante é o numero de mulheres presas: 42 mil mulheres, o que coloca o país na quarta colocação dos países que mais encarceram mulheres.

Outro absurdo é que destes 725 mil presos em torno de 385 mil são presos provisórios, que foram acusados de um crime e são mantidos presos até o julgamento. A eles não vem sendo aplicado o princípio constitucional (artigo 5º, LVII) da presunção de inocência. Todas as pessoas ainda não julgadas são consideradas inocentes.

O “plea bargain” [delação premiada] de Moro que institui o acordo entre Ministério Público e investigado estabelece que, se este confessar o crime pelo qual esta sendo investigado, o juiz pode fixar uma pena sem necessidade de abertura de uma ação penal no Judiciário, ou seja, não haverá julgamento.

Entre os anos 2000 e 2015, enquanto os EUA aumentaram em 14% sua população carcerária, no Brasil houve uma alta de aproximadamente 170%. Essa explosão está intimamente ligada à aplicação da Lei Antidrogas, cujos dados revelam que é aplicada com muita dureza contra os pobres, negros, a juventude e as mulheres. Se pertencem a estes estratos sociais e são pegos com droga, são traficantes. Se forem brancos de classe média e ricos, são usuários. O racismo institucional funciona com uma perfeição brutal.

Essa medida com certeza aumentará em muito o número de encarceramentos. Os mais atingidos serão os pobres, negros e jovens negros. E por que isso? A resposta é muito simples. A tortura ainda é o método mais eficiente para se obter confissões, assim como a prática de forjar flagrantes tanto por parte da PM , como da Policia Civil. Para se livrar da tortura, muitos presos aceitarão esses acordos sem serem acompanhados por um advogado.

Ela cumprirá vários objetos: será um critério de meritocracia tanto para as polícias civis e militares, Ministério Público e Judiciário, que passarão a impressão que estão combatendo o crime, encarcerando pobres, negros e jovens. O outro objetivo é garantir matéria prima para as prisões que serão privatizadas e que receberão por “cabeça”. Quanto mais presos, os empresários e instituições do setor receberão muito mais dinheiro. Isso é o capitalismo, onde o Estado e suas instituições se tornam instrumentos para ampliar a acumulação de riqueza dos capitalistas.

Licença para matar

O projeto de lei de Sérgio Moro legaliza no ordenamento jurídico do país uma “licença para os policiais matarem”, o que já fazem atualmente sem serem penalizados pelos seus atos. Essa proposta viola vários princípios da Constituição Federal e com certeza atingirá em cheio jovens das periferias, em sua maioria pobres e negros. O policial ser tornará a lei e o executor, o que fará aumentar em muito o número de homicídios no Brasil, que entre 20016 e 2018 chegou a 62,5 mil pessoas mortas de maneira violenta. O Brasil superou a taxa de 30 homicídios a cada 100 mil habitantes. Os dados são do Ministério da Saúde e fazem parte do Atlas da Violência 2018.

Chamam a atenção os dados quanto à mortalidade juvenil e à participação do homicídio como causa de mortalidade masculina. Dos jovens mortos, 94,6% são do sexo masculino. Entre jovens de 15 a 29 anos, 50,3% do total de óbitos foi causado por violência. Se reduzirmos a faixa e considerarmos apenas os homens entre 15 e 19 anos, esse indicador chega a 56,5%. Os dados ainda mostram que 71,5% das pessoas que foram assassinadas no país em 2016 eram pretas ou pardas.

Com a licença para matar que o projeto de lei de Moro concede às polícias, esse número tende a explodir, pois se sentirão imunes. A “legítima defesa” para os policiais apresentada agora foi uma proposta de campanha do próprio Bolsonaro. Os policiais poderão matar quando há conflito ou risco iminente de conflito, como prevenção de uma agressão. No mundo real, qualquer pessoa considerada suspeita pode ser morta, independentemente de estar cometendo crime ou não, simplesmente porque o policial julgou que a pessoa é suspeita.

O Projeto de Lei altera o Código de Processo Penal e permite que os policiais e agentes de segurança respondam em liberdade aos inquéritos e processos. O resultado deste enredo é previsível. Ocorrerá o aumento da violência e da letalidade das polícias, por conta da impunidade e do corporativismo. Quem investigará os policiais e seus atos serão os próprios colegas e, como estarão em liberdade, poderão ameaçar e eliminar testemunhas.

Esse projeto de lei, para entrar em vigor, precisará ser aprovado pela Câmara dos Deputados. Com certeza o governo, a classe média e setores da classe dominante desenvolverão uma ampla campanha para construir na “opinião pública” uma posição favorável à aprovação desta sandice sanguinária orquestrada por Bolsonaro, se utilizando de todos os meios para manipular a população, inclusive de fake news.

Esta será mais uma dura batalha que a classe trabalhadora, a juventude e a população negra terão que travar neste teatro onde se desenvolve esta guerra de classes. Este governo, o Estado e todas as suas instituições são inimigos declarados da classe trabalhadora, da população negra e da juventude.

Agem se utilizando do parlamento onde estão seus deputados e senadores, do Poder Judiciário, das Forças Armadas, das policias, das igrejas, dos veículos de comunicação, dos grandes grupos empresariais e suas entidades, para aprofundar a exploração com seus planos de ajustes estruturais, sendo que legalizar a violência do Estado é uma dessas medidas.

Precisamos dizer as coisas como são. Não podemos colocar o destino de nossas vidas dentro do parlamento. Ficou demonstrado nas eleições para a presidência da Câmara e do Senado que a maioria dos deputados e senadores não tem nenhum compromisso com a classe trabalhadora e a preservação de suas conquistas. Os poucos parlamentares com vínculo com a classe trabalhadora necessitarão de um forte movimento de base organizada, para que possam travar o combate para que este PL seja rejeitado.

Os negros e negras devem se mobilizar procurando romper com todas as posições que nos empurram para a integração no Estado burguês e que nos separam da classe trabalhadora, como se fosse possível conquistarmos coletivamente qualquer grau de emancipação dentro do sistema capitalista. Se somos a maioria da classe trabalhadora no país, temos que nos organizar plenamente para combater o racismo e todas as formas de exploração que servem aos interesses do capitalismo e da burguesia decadente.

Não há mais espaço para conciliação e integração pacifica como defenderam e defendem muitas organizações e ativistas negros. A teoria de ocupação de espaço por dentro do sistema serve hoje aos que abdicaram da luta revolucionária contra o racismo. Eles se contentam em viver dentro desta ordem podre e racista, desde que alguns poucos possam escapar do círculo vicioso da pobreza, enquanto milhões continuarão a agonizar e a morrer diariamente para alimentar este sistema parasitário, que é o capitalismo em sua fase de decomposição.

Roque Ferreira

Membro da Coordenação Nacional do Movimento Negro Socialista. E-mail: roque800@gmail.com