O reordenamento do proletariado sobre um novo eixo
Do controle absoluto dos Partidos Comunistas e Partidos Socialistas sobre o movimento operário ou de massas em geral não sobrou muito hoje em dia. Os dirigentes destes partidos se passaram com armas e bagagens para o capital, abandonando a pretensão de alcançar o socialismo. Isso não quer dizer que eventualmente as massas ainda não tentem utilizá-los para enfrentar a burguesia. Mas, é só a compreensão desse desenvolvimento nas últimas décadas que permite entender o surgimento de novas organizações e sua trajetória, ou seja, a tentativa do proletariado em nível internacional de se reorganizar sobre um novo eixo, um eixo de independência de classe.
Esse esforço – que aparece de forma desigual, mas combinada em diferentes países – é acompanhado por um esforço inverso feito pelo capitalismo e pelos partidos degenerados para impedir a constituição de verdadeiros partidos operários independentes que possam se desenvolver como partidos revolucionários. Valem todos os métodos, seja pressão, corrupção, envolvimento e colaboração de classes, tripartismo ou repressão aberta ou criminalização dos militantes e dirigentes dos movimentos sociais.
Como consequência da onda revolucionária dos anos 70 e 80, a crise das direções dos partidos comunistas e socialistas permitiu em alguns países o surgimento de organizações que buscavam combater e se desenvolver junto à classe trabalhadora. De forma confusa e convulsiva este é o processo que vemos desde a fundação do PT até o surgimento do PSUV, na Venezuela.
Em países onde esse problema já havia sido resolvido pela história – como na Itália, que teve o mais poderoso Partido Comunista de massas do Ocidente, o PCI – esta questão (a necessidade da existência de um partido operário independente) volta a se colocar, hoje, de outra forma frente às metamorfoses vividas pelos restos de tais partidos – como o ex-PCI, por exemplo.
As organizações independentes que se constituíram no calor da luta de classes do início dos anos 80 – fossem as organizações democráticas revolucionárias pequeno-burguesas empurradas pela luta de classes a ir mais longe do que pretendiam, como a FSLN (Nicarágua), ou organizações operárias de Frente Única, como o Solidariedade (Polônia), ou partidos operários independentes, como o PT no Brasil – todas essas organizações conheceram o peso dos ataques, das pressões, das classes dominantes e dos seus agentes, os aparelhos.
No Brasil é possível um balanço mais detido, pois em nenhum país do mundo nas últimas décadas, a experiência de constituição de um Partido Operário Independente foi tão longe. O PT é o partido que dotou o proletariado brasileiro de consciência de classe e o organizou nacionalmente. Foi o PT diretamente em luta contra as instituições do Estado burguês, a ditadura militar e a política traidora do PCB de então, que constituiu pela primeira vez uma verdadeira central sindical de massas, a CUT.
Foi por isso que os marxistas, após hesitação e confusão frente a um fenômeno novo, finalmente se lançaram na construção do Partido dos Trabalhadores “sem patrões nem generais!”.
Qual a posição dos comunistas
Em uma carta a um socialista norte-americano, em 28 de dezembro de 1886, Engels descrevia qual devia ser o comportamento dos marxistas frente à luta pela organização do proletariado de “classe em si” para “classe para si”. Essa carta tem o valor de um programa. Ele explicava:
“… É muito mais importante que o movimento se estenda, progrida regularmente, ganhe raízes e abranja o mais amplamente possível o proletariado americano em seu todo, do que vê-lo partir e progredir desde o início sobre um traçado teoricamente perfeito. Não existe melhor caminho para se chegar a uma clareza teórica de compreensão que se instruindo pelos próprios erros (durch Schadem KIug werden). E para uma classe em seu conjunto, não há outro caminho, principalmente numa nação que tanto desdenha a teoria como a dos americanos.
O Importante é levar a classe operária a pôr-se em movimento enquanto classe; uma vez alcançado isso, as pessoas encontrarão rapidamente a direção correta, e aqueles que resistirem – Henry George ou Powderly – serão tranquilamente postos de lado com suas pequenas seitas.
É por isso que também vejo nos Knights of Labour um fator muito importante para o movimento, que não deveria ser vilipendiado de fora, mas revolucionado por dentro, e considero que muitos alemães cometeram um grave equívoco quando tentaram fazer – diante de um poderoso e glorioso movimento que eles não tinham inventado – de sua teoria importada, e nem sempre compreendida, uma espécie do dogma, fora do qual não existia salvação, e cometeram grave equívoco também mantendo-se à distância de qualquer movimento que não aceitasse tal dogma.
Nossa teoria não é um dogma, mas a exposição de um processo de evolução, que compreende fases sucessivas. Esperar que os americanos comecem plenamente conscientes da teoria formada nos países industriais mais antigos é esperar o impossível. O que os alemães deveriam ter feito era agir segundo sua própria teoria – se é que eles a compreendem como nós fazíamos em 1845-1848 –, deveriam participar de todo o movimento real do conjunto da classe operária, aceitar o ponto de partida como um fato concreto (faktische) e conduzi-lo gradualmente ao nível teórico, ressaltando que cada falta cometida, cada derrota sofrida, consistia numa consequência necessária de erros teóricos do programa original.
Eles deveriam, como diz o Manifesto Comunista, “representar no presente do movimento, o futuro do movimento”, e, antes de tudo, dar ao movimento tempo para se consolidar, não fazer da inevitável confusão inicial uma confusão pior, fazendo as pessoas engolirem coisas que elas não podem realmente digerir atualmente, mas que elas aprenderão logo mais.
No próximo mês de novembro, um ou dois milhões de vozes operárias por um partido de operários de boa fé, atualmente, têm muito mais valor que cem mil vozes em favor de uma plataforma doutrinariamente perfeita. A primeira tentativa séria a ser feita proximamente se o movimento progredir – para estabelecer solidamente as massas mobilizadas sobre uma base nacional – é colocá-los todos face a face, georgistas, K. of L., sindicalistas etc., e se nossos amigos alemães tiverem até lá aprendido a língua do país para arriscar uma discussão, será então o momento para criticarem os pontos de vista dos outros, e, assim, ressaltando a inconsistência dos diversos pontos de vista, conduzi-los gradualmente a entender a posição atual que eles ocupam, a posição que lhes é atribuída pelas relações existentes entre capital e trabalho assalariado.
Mas consideraria um grande erro tudo aquilo que pudesse atrasar ou impedir essa consolidação nacional do partido dos operários – qualquer que seja a plataforma – e consequentemente não acredito que tenha chegado o momento de se explicar total e profundamente, seja em relação a Henry George ou aos K. of L.” (F. Engels).
O sentido geral dessa carta é o que orientou a luta dos marxistas para a construção do PT.
O surgimento do PT
Em 1979, surge o Movimento Pró-PT a partir de um chamado feito por dirigentes sindicais metalúrgicos de diversas regiões liderados por Lula. Em 1980 se constitui o Partido dos Trabalhadores. Seu filiado número 1 é Mario Pedrosa, militante que estivera no congresso de fundação da 4ª Internacional em 1938 e que escrevera durante as grandes greves do ABC uma carta a Lula propondo a criação de um partido de classe e de massas. Lula é o filiado número 2.
A Greve Geral francesa, em maio de 1968, se combinou com a Primavera de Praga, na Tchecoslováquia, demonstrando ao mundo a unidade mundial da luta de classes e a crise conjunta que atingia o imperialismo e a burocracia stalinista.
Em 1974 a revolução portuguesa sacudia a Europa e vai se combinar com a derrota histórica do imperialismo no Vietnã, com a derrubada do Xá Reza Palevi no Irã e a revolução nicaraguense.
A ordem mundial de Ialta e Potsdam, estabelecida no pós-guerra pelo imperialismo norte-americano e pela burocracia soviética começa a desmoronar gradativamente. A explosão do regime do Xá Reza Palevi, peça chave do imperialismo no Oriente Médio, e o aniquilamento do regime de Somoza na Nicarágua, desestabilizam completamente essas regiões e têm repercussões internacionais.
A Revolução Nicaraguense tem um enorme impacto no Brasil impulsionando a disposição das massas em se mobilizar por suas reivindicações e pelo fim da ditadura militar que se instalara desde o golpe de 1964.
Num ascenso proletário massivo se vê explodir greves de massas em todo o país e colocar em questão o controle da ditadura sobre o conjunto.
O início do processo de greves políticas de massa no Brasil parte da greve dos 180 mil metalúrgicos de São Bernardo do Campo, Santo André e São Caetano (o ABC paulista, onde estão localizadas as grandes montadoras de veículos), chamada de “greve dos braços cruzados”, de maio de 1978. E que vai ser seguida pela greve dos 300 mil professores, em agosto, e pelos 400 mil metalúrgicos da capital São Paulo, em outubro. No ano anterior o país havia sido marcado pelas massivas e am¬plas manifestações nacionais estudan¬tis, em especial com a luta pela Anistia aos perseguidos políticos da ditadura.
A partir daí entram em movimento cate¬gorias inteiras (construção civil, bancários, químicos, ferroviários, e muitos outros) que se mobilizam envolvendo setores cada vez mais amplos e pro¬fundos do proletariado que buscam arrancar suas reivindicações e passam à luta contra a repressão, colocando-se a questão de acabar com o regime odioso, unificados no grito de: ABAIXO A DITADURA!
Durante a segunda greve geral dos metalúrgicos do ABC, em 1979, uma gigantesca passeata de 120 mil pessoas no 1º de Maio, em São Bernardo, abre um novo momento na situação política do país. Na greve do ABC os trabalhadores começaram por eleger delegados à Comissão de Salários e através dela se deram de fato uma organização independente para poder agir. O ponto mais elevado da luta de classes foi constituído pela Comissão de Salários com delega¬dos livremente eleitos pelos grevistas.
A situação econômica do Brasil era mostrada pela sangria da Dívida Externa de 52 bilhões de dólares e pela inflação que já passara dos 100%, em 1980. A isso se somava uma política salarial de congelamento dos salários que tornava a vida impossível para a classe trabalhadora. Ia longe o tempo do PIB crescendo a 11% ao ano durante o “Milagre Econômico” da ditadura militar.
Uma das principais consequências da greve do ABC foi o aprofun¬damento da desagregação do sindicalismo corporativo controlado pelo Estado. Desde 1937, Getúlio Vargas destruíra os sindicatos independentes e constituíra sindicatos de colaboração de classes atrelados e controlados diretamente pelo Ministério do Trabalho. A legislação sindical de Vargas era uma cópia da Carta del Lavoro de Mussolini e proibia a constituição de central sindical nacional. É contra isso que o novo movimento operário vai se insurgir. Assim como a juventude que reconstrói a UNE, União Nacional dos Estudantes, proibida pela ditadura desde 1969, e que com isso dá um poderoso golpe no regime.
Nem é preciso dizer que o PCB se recusava a mobilizar contra a ditadura e com sua política de sustentação da burguesia atacava qualquer mobilização ou manifestação de massas acusando os seus organizadores de agentes provocadores. Os defensores da constituição de um partido de trabalhadores eram seus inimigos preferenciais acusados de “romper a frente democrática contra a ditadura”.
É nesse contexto que os principais dirigentes metalúrgicos do ABC, dirigidos por Lula, apoiados nas maiores manifestações de massa que o Brasil já tinha conhecido, convocam a constituição de um Partido dos Trabalhadores.
A Resolução Política do 4º. Congresso da OSI (organização constituída em 1976 que reuniu três grupos trotskistas e da qual o autor participava desde 1980) afirmava:
“Desde que existe como classe, o prole¬tariado brasileiro vem lutando pela sua independência como classe frente aos seus exploradores e opressores. Enfren¬tando primeiro os anarquistas que se recusaram (no começo do século) a completar no plano político-partidário a independência sindical incipiente, e depois o PCB stalinizado que traiu a vontade de independência política que esteve na sua origem, preparando a derrota de 1935, que levou à destruição dos sindicatos independentes existentes, o proletariado brasileiro viu-se lançado por décadas à condição de classe prati¬camente desprovida de organização própria. O ferrolho stalinista foi, neste período (1946/1964), o principal sustentáculo dos sindicatos oficiais, além de todas as formas de colaboração de classe que impediram a expressão polí¬tica independente dos operários e das massas em geral.
(…)
Mais recentemente, no interior de uma situação pré-revolucionária que marcha para a abertura da situação revolucionária, onde as greves políticas de massa contra a ditadura se sucedem, uma série de dirigentes sindicais tomou a iniciativa de construir um Partido dos Trabalhadores. Como afirma a resolu¬ção da 1ª Conferência Nacional da OSI: ‘O PT é uma resposta ao movimento do operariado no sentido de sua organi-zação independente. É uma resposta que atende os interesses de autopreservação da pelegada ‘autêntica’, bem entendido. Porém, para os trabalhado¬res o importante não é conhecer as intenções ocultas dos pelegos; o impor¬tante é que o PMDB [partido burguês e único partido de oposição legalizado pela ditadura, nota SG] é inaceitável como partido, como também é inaceitável a limitação de suas lutas ao plano sindi¬cal. Isso porque na situação de hoje, todas as questões referentes à organização do proletariado assumem impor¬tância fundamental, pois colocam em jogo a centralização das lutas das mas¬sas exploradas, a possibilidade de pôr abaixo a ditadura.’
O processo de constituição deste par¬tido se arrastou com idas e vindas por mais de um ano, desde que as primeiras proclamações vieram a público. Foi a recente greve do ABC que precipitou os acontecimentos, definindo relações da¬quilo que ainda era uma ‘articulação’ com as massas em luta, obrigando a realização do Encontro Nacional — passo qualitativo de constituição do PT como partido. Mas um passo não deixa de evidenciar todas as contradições e indefinições que o PT traz no seu inte¬rior. Assim, o programa aprovado não define o PT sem patrões; se diz ‘basea¬do nos trabalhadores da cidade e do campo’, mas também ‘instrumento de avanço democrático da sociedade (!)’, o que é a derrota dos oportunistas que gostariam de defini-lo como partido de toda a sociedade, apagando quaisquer fronteiras de classe. Por outro lado, o programa não define uma luta pela derrubada da ditadura, mas também não envereda pela democratização da ditadura, apoio à abertura, etc., fican¬do no ‘direcionamento contra o atual regime’.
Não obstante, o PT que emerge deste Encontro Nacional se constrói como partido operário, ocupando o lugar de um partido operário, pelas relações que tem com as massas” (Resolução Política do 4º Congresso da OSI, 1980).
Um artigo escrito em 1980 por Edson Rodrigues, dirigente trotskista, explica o surgimento do PT:
“Desde o início das grandes greves operárias, em 1978, os combates que envolvem camadas cada vez mais am¬plas e profundas do proletariado têm como característica central a procura por parte dos trabalhadores de sua organização independente do Estado. Na fase dos profundos abalos que sofrem as instituições da ditadura e que desde já colocam a questão do poder — pois no curso de seus combates os trabalhadores compreendem que não é possível ganhar suas reivindicações mais elementares sem a derrubada da ditadura militar — estão os organismos independentes criados ao longo desse período; estão as trincheiras de classe construídas no terreno da luta contra os sindicatos oficiais (comissões de fábrica, comandos de greve, sindicatos independentes); está a luta dos trabalhadores no sentido de centralizar sua ação de classe contra a ditadura.
(…)
O impacto da greve do ABC sobre a evolução da situação política empurrou para o primeiro plano da luta de classes o Partido dos Trabalhadores. Pelas relações mantidas por seus diri¬gentes com as massas — em particular por Lula durante a greve, na qual ele aparecia como símbolo da resistência ao Ministério do Trabalho e à ditadura militar — o PT deixou de ser uma articulação que se arrastava há mais de um ano, passando a ocupar o lugar de um partido operário. Se antes da greve do ABC a articulação se mantinha em função de ser uma resposta à necessi¬dade de organização independente dos trabalhadores, depois da greve o PT passou a ser encarado por milhares de trabalhadores como um canal de combate para a satisfação de seus direitos e reivindicações, como seu instrumento para conduzir à derrubada da ditadura militar”. (Por um PT sem patrões, Edson Rodrigues, revista Luta de Classes, 1980).
De fato, o proletariado brasileiro, à sua maneira e de forma exemplar, dava concretude ao que escrevera Engels no prefácio à edição alemã do Manifesto Comunista: “Quando a classe operária europeia retomou forças para um novo assalto contra o poderio das classes dominantes, nasceu a Asso¬ciação Internacional dos Trabalhado-res. Ela tinha por objetivo unificar num imenso exército toda a classe operária da Europa, da América. Ela podia portanto partir dos princípios colocados no Manifesto. Ela deveria se dar um pro¬grama que não fechasse a porta aos sin¬dicalistas ingleses, aos proudhonianos franceses, belgas, italianos e espanhóis, nem aos lassalianos alemães”.
Durante o ano de 1983 o PT impulsiona a fundação da CUT e a realização da primeira Greve Geral da história do Brasil. Essa Greve Geral, largamente seguida, era uma greve política diretamente dirigida contra a ditadura militar.
Ainda no final de 1983 o PT lança a campanha das “Diretas Já!”, uma campanha para acabar com a eleição indireta do presidente da república que a ditadura realizava a cada quatro anos em um colégio eleitoral controlado por ela.
A campanha pelas “Diretas Já!” arrasta as massas no Brasil inteiro e milhões se mobilizam. A ditadura é já incapaz de reprimir e mesmo a burguesia começa a abandoná-la já que se demonstrava incapaz de controlar o poderoso movimento operário que se levantava sob a direção do PT. A mobilização de milhões de trabalhadores e jovens paralisa, divide a ditadura e finalmente a liquida politicamente. Ela começa a desmoronar quando seu próprio Colégio Eleitoral se divide e é eleito um presidente da oposição burguesa. O PT continua seu combate e se declara oposição mesmo a este governo.
O presidente eleito indiretamente, em 1985, foi Tancredo Neves, do PMDB e tinha como vice um velho membro da ditadura militar, José Sarney, que só se passou para a oposição após a campanha das Diretas Já. Tancredo morre antes de ser empossado e Sarney se torna o presidente. Recentemente, foi o principal aliado de Lula na coalizão governamental e ajudou Michel Temer, também do PMDB, a se tornar o vice de Dilma.
A inversão de rumo do PT
Nos anos 80 o avanço do movimento operário com a construção da CUT, como central sindical independente, e o desenvolvimento do PT, como partido operário independente, abriram uma possibilidade de importância histórica para a organização do proletariado enquanto classe no Brasil. Era vital a intervenção dos marxistas nesse processo para que a aspiração da classe operária à construção de seu próprio partido fosse concretizada.
Depois disso muita água passou pelo moinho. Um momento decisivo foi o 5º Encontro Nacional do PT onde, sob o comando de Lula e Zé Dirceu, se aprova um “novo” programa para o partido abandonando seu Manifesto de Fundação e Carta de Princípios.
O 5º Encontro Nacional do PT, em 1988, aprova um suposto “programa para a revolução brasileira” onde foi introduzida a ridícula e confusa “teoria” do “acúmulo de forças”, o “Programa Democrático e Popular” e a luta por um “governo democrático e popular”, e que afirmava explicitamente: “A situação de crise do governo, de recessão e de ameaça às bandeiras populares na Constituinte impõe uma série de tarefas para o PT, que – embora reconheça não estarem colocadas na ordem do dia para a classe trabalhadora nem a luta pela tomada do poder nem a luta pelo socialismo, mas o combate por uma alternativa democrático-popular”… (tese 22 da Resolução do 5º ENPT).
Ou seja, bloqueava a via de desenvolvimento do partido e da luta das massas condenando-as a defender uma etapa capitalista democrática.
Aprovando no PT, pela primeira vez, um Programa claro de “revolução por etapas” e, portanto, de colaboração de classes, que bloqueava a luta pelo poder, a direção começa a pavimentar o caminho para conduzir o partido à sustentação direta da ordem burguesa.
Essa política dita “democrático-popular” era um arremedo da teoria da revolução por etapas, tudo envolto na idealização das “Democracias Populares” do Leste Europeu. Foi a preparação “teórica” para a política de Frente Popular que a direção buscará constante e permanentemente aplicar nos anos seguintes. É a partir daí que, em 88, a direção do partido mesmo votando contra a Constituição burguesa reacionária por decisão das bases do partido, manobra e assina a Constituição, reconhece-a, legitima-a e se compromete com ela e a sustentação das instituições. Uma situação pré-revolucionária se acelerava e é nestas circunstâncias que se desenvolve a política da direção, o que explica as suas dificuldades, mas também a aceleração de seus passos.
Desde o 5º ENPT o curso do partido foi invertido e se desenvolve uma luta constante para que a direção possa enquadrar e controlar o partido. Invertido o curso do partido, ou seja, deixando de caminhar em direção à revolução o partido começa a dirigir-se à burguesia, à contrarrevolução. Não há uma terceira via.
O PT derruba Collor e dá posse a um governo burguês
Não há fenômeno centrista que perdure para além de um tempo limitado. E o PT já com dez anos, vivia uma situação revolucionária e se confrontou pela primeira vez com seu destino no 2º Turno das eleições presidenciais de 1989, em que o PT disputou a presidência da república palmo a palmo com Collor, o candidato da burguesia.
Todo partido centrista ou se orienta em direção à revolução ou à contrarrevolução. É impossível uma posição intermediária na época do imperialismo por muito tempo. A época das Guerras Camponesas já vai longe, muito longe.
Além disso, todo o balanço que podemos fazer da experiência com organizações transitórias nos últimos anos leva a uma e mesma conclusão: Essas organizações, se não se orientam em direção ao programa marxista e à construção de uma Internacional, rapidamente degeneram e desaparecem ou se tornam contrarrevolucionárias. Nicarágua, Polônia, etc., foram exemplos gritantes.
Em 1992, após a derrubada do presidente Collor por um poderoso movimento de massas com milhões de trabalhadores e jovens mobilizados nas ruas, o PT se confronta pela segunda vez com seu próprio destino. Milhões de populares enchiam as ruas de todo país aos gritos de “Fora Collor” e num mar de bandeiras vermelhas nunca antes visto se aclamava “1, 2, 3, 4, 5 mil, nós queremos Lula presidente do Brasil!”. Agora o poder estava literalmente nas ruas e quem dirigia as ruas era o Partido dos Trabalhadores, a bandeira vermelha e Lula. A burguesia entra em pânico, se divide até deixar Collor literalmente sozinho e finalmente sob pressão das massas o Congresso declara seu “impeachment”.
Com as massas nas ruas de todo o Brasil aclamando-o presidente, Lula se reúne com os generais, o vice de Collor e o presidente da oposição burguesa, em Brasília. Estes burgueses, confusos e amedrontados declaravam antes da reunião que em 30 dias se fariam novas eleições. Chega Lula e a reunião começa. Trinta minutos depois Lula fala em nome de todos e declara que “a democracia será respeitada. O vice deve tomar posse imediatamente”. E estabiliza a situação.
Dois anos depois ele comprova sua responsabilidade nesta “fraude democrática” declarando: “O Itamar [vice de Collor e novo presidente empossado pelo apoio de Lula, nota SG] devia é agradecer aos presidentes de partido e a mim que demos o mandato a ele” (Lula, no jornal Folha de SP).
A partir daí se vê uma ação parlamentar do PT que aprova os pedidos do FMI, as declarações públicas de defesa da ordem e da “democracia”, a apresentação oficial de propostas, sugestões e planos ao governo, e a ação divisionista e paralisante no interior do movimento operário passaram a ser a verdadeira orientação política da direção do PT. O governo de Lula e sua política são o resultado desse desenvolvimento.
Trotsky demonstrou efusivamente que as organizações centristas oscilam permanentemente entre a burguesia e o proletariado, ou seja, entre a revolução e a contrarrevolução. O caráter centrista dessas manifestações operárias é dado pela ausência do programa marxista e pelo desenvolvimento, em uma ou outra direção, a partir da luta entre as classes e um programa confuso e incompleto. Por isso Trotsky afirmava que o mais importante, para definição da relação entre os marxistas e as organizações centristas, era, não apenas o seu programa, mas o sentido de sua evolução, para a esquerda ou para a direita, ou seja, que relações de classe a organização ou partido centrista buscava estabelecer e desenvolver.
Em relação ao PT, seu sentido e desenvolvimento como POI (Partido Operário Independente) atingiu um limite com o aceleramento da situação pré-revolucionária no Brasil a partir do fim da ditadura militar, cujo pico é a agonia do governo Sarney. E deu um salto, com a inversão aberta e descarada em direção à burguesia, desde a abertura da situação revolucionária no Brasil com a Greve Geral de março de 1989. Essa Greve Geral, que paralisou completamente o governo Sarney liquidando-o politicamente, colocou o PT – e portanto a sua direção – frente a seu destino.
A queda do Muro de Berlim, no final daquele ano, liquidou as veleidades “socialistas” dos arrivistas e burocratas que se lançaram diretamente nos braços do próprio imperialismo. As relações estabelecidas com os aparelhos corruptos stalinistas e socialdemocrata, a continuidade da situação de dirigir sindicatos semioficiais e semi-independentes (o processo de destruição dos sindicatos CLT não foi completado, apesar da construção da CUT como Central Sindical Independente), e finalmente os laços estabelecidos com o Estado burguês, através de prefeituras e legislativos, sem ter um programa marxista para orientar a ação, tudo isto fez o estrago conhecido. A maioria da direção do PT passa-se para o programa do inimigo de classe.
A presença do cônsul norte-americano como convidado da direção do partido no 1º Congresso do PT, em 1991, foi apenas o símbolo, o desfraldar da bandeira, da passagem da maioria da direção para a contrarrevolução. Na verdade esse símbolo mostrou que já havia coesão política suficiente na Articulação para “bancar” a relação com o imperialismo. O que se expressou nas Resoluções do Congresso, com destaque para o ataque contra Cuba exigindo a realização de “Eleições Diretas” na ilha, somando-se assim a todas as vozes reacionárias do planeta. E na Resolução Política que recusa a luta para derrubar Collor e tenta garantir seu governo até 94.
Após o 1º Congresso, por meses, travou-se uma luta surda no movimento operário cujo centro era o prosseguimento da discussão só que agora nas ruas, diretamente.
Enquanto a direção combatia e ameaçava os “indisciplinados”, o movimento de massas agarrou o “Fora Collor” e obrigou todas as direções a manobrar para salvar-se do terremoto. Quando a CUT Regional Grande São Paulo convocou o 1º de Maio de 1992 sob a bandeira do Fora Collor, a luta irrompeu nas ruas, mostrando a força da revolução e a fragilidade do aparelho Lulista. Enquanto isso Lula e seus amigos convocavam um ato em São Bernardo, no histórico estádio da Vila Euclides, junto com a burguesia e o governo. Um ato fracassado.
Com Lula, governantes burgueses, a Igreja e os empresários, em São Bernardo, com helicópteros soltando bandeirinhas do Brasil, reuniram-se cerca de 7 mil pessoas. Na Praça da Sé, em São Paulo sob um painel gigante onde se lia “Fora Collor” reuniram-se dezenas de milhares de manifestantes. E não por acaso esse 1º de Maio foi atacado por batalhões da Polícia Militar numa provocação inédita. Tratava-se da estabilidade do regime.
Mas, a roda da História é mais forte que os aparelhos e as massas foram às ruas aos milhões e derrubaram Collor antes que um ano se passasse desde o 1º Congresso do PT.
Lula, Zé Dirceu, e seus companheiros manobraram para cavalgar as manifestações e impedir que a queda de Collor abrisse uma crise revolucionária. E para isso buscaram bloquear toda a possibilidade de auto-organização popular. Manter o movimento no limite do quadro das instituições e salvá-las era seu objetivo. Esse foi o sentido do “Comitê Nacional Pela Ética na Política” que Lula dirigiu para enquadrar o movimento de massas que ameaçava as instituições.
E o peso do aparato de Lula fez seu estrago. A colaboração de classes praticada pelos dirigentes provoca sempre a divisão da classe operária e, na falta de uma forte organização capaz de romper a barreira, paralisa o movimento. Lula consegue tirar as massas da rua. E é Lula quem de fato dá posse a Itamar, o vice de Collor, e tenta dar-lhe “governabilidade” até 1994 para estabilizar as instituições. Estava feita a “fraude democrática”. O povo derrubou o governo (combatendo uma política) e Lula empossa o mesmo governo (a mesma política) ainda por cima dizendo ao povo que deve sustentá-lo.
Que o povo trabalhador durante a campanha do Fora Collor, e depois, se reconheça em Lula e que as últimas manifestações de milhões o aclamassem, e as bandeiras do Partido enchessem os espaços, isto não está nada em contradição com o fato de que a direção do partido não foi um instrumento nacional de luta para derrubar Collor, mas antes um obstáculo a ser vencido. Que a base do partido majoritário na classe operária tenha se movido com as bandeiras na mão contra a direção só mostra que o controle do aparelho era frágil, que havia um enorme terreno para a independência de classe e que era possível transbordar a direção.
O que não está nada em contradição com o fato de que frente aos desenvolvimentos revolucionários da situação as massas venham a utilizar-se desse mesmo partido como instrumento, na primeira fase dos combates. Esta é uma regra geral das revoluções: Na primeira fase as massas sempre se dirigem aos aparelhos tradicionais. Assim pode ser, e já foi com PCs ou PSs, sem que por isso estes partidos tenham modificado seu caráter de partidos contrarrevolucionários.
A quantidade se transforma em qualidade
O PT, como Partido Operário Independente, no sentido de uma organização operária centrista que se desenvolve em direção à revolução, este partido estava morto ao garantir, pela mão de Lula, a posse de Itamar, e sem que tenha havido reações significativas no seu interior. A passagem da maior parte de sua direção para a defesa da colaboração de classes e sustentação do capitalismo e o controle que esta direção mantém sobre a maioria do partido condenou-o à morte como Partido Operário Independente. As ilusões de muitos militantes no sentido de que a base se imporá contra a direção nos Encontros Nacionais serão rápida e dolorosamente desfeitas.
As derrotas da direção nos episódios da definição do PT como “Partido sem patrão” contra a proposição “Partido de toda a sociedade”, ou do boicote ao Colégio Eleitoral da ditadura e a posterior expulsão dos deputados que desrespeitaram a decisão, essas vitórias da base contra a direção não mais se repetiriam. Aconteceram no início da vida do partido quando a direção ainda não estava organizada como uma corrente política coerente e centralizada. Em todas elas o lugar dos operários metalúrgicos e petroleiros que impuseram essas derrotas a Lula e outros, tinha tido um importante impulso do combate dos trotskistas e de outros grupos independentes. O enfraquecimento posterior do trotskysmo (por sua própria responsabilidade) teria consequências diretas na ampliação da capacidade da direção controlar e domesticar o partido.
Mas, nessa altura, mesmo a hipótese de uma rebelião das bases que estabelecesse uma maioria de delegados de oposição à direção não seria mais que o prelúdio da divisão do partido, pois programas irreconciliáveis, o programa da independência de classe e o programa do imperialismo, não podem conviver sob o mesmo teto por muito tempo, em especial numa situação revolucionária em aceleramento. A linha política sempre comanda a organização e o PT é uma organização transitória. As únicas hipóteses de convivência são: a esquerda conforma-se ao papel de “oposição de Sua Majestade” ou não tem força para ameaçar o controle da direção.
Quais as formas e os meios a serem utilizados para avançar?
Assim, para aqueles que têm como objetivo a construção do Partido Operário Revolucionário tratava-se de encontrar a nova forma de avançar na construção de uma corrente marxista capaz de ser um passo à frente em direção ao partido revolucionário.
Mas, a luta no interior do partido não acabara. A guerra começou e as forças se aprontavam para a batalha. Toda precipitação, ao estilo do PSTU ou do PSOL, significava abandonar a batalha pelos quadros organizadores da classe e das massas operárias que o PT ainda enquadra e que o reconhecem como o “seu” partido.
O combate pela construção do partido marxista é um combate que, hoje, só pode ser travado por dentro e através do PT. Para trabalhar ativamente nesta direção o primeiro passo deve ser o reforço dos trotskystas e a unidade daqueles que compartilham desta compreensão. Mas, acima de tudo, é um combate político programático contra a política de colaboração de classes da direção, que se expressa na luta pela mobilização para conquistar as reivindicações e na tática de exigir de Lula – e agora Dilma – que rompa com a burguesia. Ao mesmo tempo em que combatemos na linha da Frente Única. A tarefa dos revolucionários é construir a direção revolucionária.
Essa é a forma de preparar o futuro. A batalha pelo partido é a batalha pelo programa. A linha política sobre a qual continuamos este combate é a linha da busca permanente de agrupar militantes e correntes progressistas sob a bandeira da independência de classe em direção ao Programa de Transição. Ou seja, agrupamos transitoriamente, mas combatemos sempre sob as bandeiras do marxismo. Nenhum acordo de Frente Única pode nos levar a esconder ou tergiversar sobre nosso programa completo. Mantemos nossa total independência e agitação política em todas as circunstâncias durante os acordos de Frente Única. A busca e a constituição de formas transitórias prosseguirá até a concretização da possibilidade de construção de um Partido Operário Revolucionário, seção da Internacional marxista.
A primeira coisa a reafirmar é que na luta para ganhar as organizações ou correntes independentes que surgem no fogo da luta de classes é preciso apresentar clara e abertamente a luta pelo programa marxista. É preciso confiança no marxismo para ganhar as massas operárias.
Considerações gerais
Tendo, em determinado momento, estabelecido que não era mais possível ganhar o partido, ou seja, sua maioria, era preciso então ter estabelecido novas táticas correspondentes ao objetivo de, sob a bandeira da independência de classe e do marxismo, continuar a avançar.
Quando o partido inverteu claramente o seu curso era preciso determinar as táticas para separar o joio do trigo e preparar a continuidade da caminhada (sem prazo nem pressa, no ritmo da luta de classes). Quando o partido passa a ser o principal fator de sustentação do Estado burguês é preciso então definir os meios e as formas para reunir os setores que se pronunciam pela independência de classe para enfrentar esta política.
Essas condições exigiam a luta pela constituição de uma corrente marxista aberta em seu interior combinado com a intervenção política direta na luta de classes. Essa é a vocação da Esquerda Marxista.
Lutando contra as pressões de adaptação ao aparato era preciso cuidar para não incorrer em erro oposto, simétrico, ou seja, romper com o PT deixando os operários nas mãos do aparato.
A tarefa atual é encontrar as formas e os meios de colocar a questão da transição, da aproximação de correntes e militantes, de forma nacional e internacional.
* Serge Goulart é membro do Diretório Nacional do PT e de sua corrente “Esquerda Marxista”.
Para uma análise do atual governo Dilma, recomendamos a leitura de outro artigo do companheiro Serge Goulart: O Governo Dilma de colaboração de classes, as perspectivas e tarefas dos marxistas
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