Sobre o Programa do Partido dos Panteras Negras: Que caminho seguir para os trabalhadores e jovens negros? – Parte 2

Na parte final de seu artigo, John Peterson analisa o programa dos Panteras Negras, sublinhando tanto os seus pontos fortes quanto os seus pontos fracos. Trata-se uma importante reflexão para a atual situação política que vive os EUA, onde a violência policial contra trabalhadores e jovens negros desatou uma série de protestos de massa.

Leia aqui a primeira parte do artigo: Sobre o Programa do Partido dos Panteras Negras: Que caminho seguir para os trabalhadores e jovens negros? – Parte I

Na parte final de seu artigo, John Peterson analisa o programa dos Panteras Negras, sublinhando tanto os seus pontos fortes quanto os seus pontos fracos.

O Programa do Partido dos Panteras Negras

1) Queremos liberdade. Queremos o poder para determinar o destino de nossas comunidades negras e oprimidas.

Acreditamos que o povo negro e oprimido não será livre até que sejamos capazes de determinar nossos destinos em nossas comunidades nós mesmos, através do pleno controle de todas as instituições que existem em nossas comunidades.

O sentimento expresso nesta passagem de abertura é evidente: basta de ter nossas vidas controladas por pessoas e instituições que não têm nossos interesses em mente! É uma convocação ousada e inspiradora pela liberdade, dignidade e respeito. É uma saudável recusa do status quo, e reflete um incendiário desejo de dar um fim à brutalização, desumanização e discriminação que são parte da vida diária dos oprimidos sob o capitalismo. Contudo, depois de uma reflexão mais profunda, desde o início existem muitas contradições que resultam desta forma de enquadrar o problema.

Para começar, o conceito de “comunidades negras e oprimidas” carece da necessária precisão que se deveria esperar de um documento programático deste tipo. Embora seja evidente a intenção de se referir aos trabalhadores e pobres, o termo “comunidade”, por definição, inclui todos os membros de uma camada determinada da população – os trabalhadores e os donos de negócios, o pequeno-burguês e o lumpemproletariado desclassificado. Em outras palavras, isto apaga as linhas fronteiriças entre as diferentes classes e interesses de classe na sociedade, acima de tudo as diferenças irreconciliáveis entre os trabalhadores e os capitalistas e seus agentes locais.

Em qualquer “comunidade” na sociedade dividida em classes, é sempre os indivíduos mais ricos que controlam as alavancas econômicas, sociais e políticas fundamentais da “comunidade”. Assim, quando se declara “nós queremos liberdade”, a quem nos referimos? Aos trabalhadores negros ou aos empresários negros? Se a população negra, digamos, de Oakland, Califórnia, de alguma logram se desligar da cidade e do estado que a circunda, quem dominaria a população local negra? Sobre que base se produziriam, distribuiriam e trocariam os bens e serviços? Quem iria redigir e fazer cumprir as leis? Quem controlaria o abastecimento de água e eletricidade? Sobre que base iriam se relacionar com o mundo exterior? Enquanto as classes permanecem, o mesmo acontece com a exploração e a opressão, seja esta exploração e opressão realizada por negros, brancos, latinos, asiáticos ou qualquer um outro. Afinal, os escravos conquistaram sua liberdade dos donos de plantações no Sul, mas foi um tipo de liberdade muito limitada. O único caminho para se conquistar liberdade e igualdade genuínas e se dar um fim ao ciclo de exploração e opressão é dar um fim à sociedade de classes.

Além do mais, o capitalismo é um sistema mundial intimamente interligado. Nenhuma região ou país pode escapar de suas pressões e dinâmicas, não importa o quão rico seja em recursos e em população – e muito menos ainda um determinado bairro ou um setor de uma determinada cidade ou estado.  Nem mesmo a URSS e a China puderam evitar a força inexorável do mercado mundial. A noção de que uma “comunidade” local, e particularmente uma comunidade urbana, pode de alguma forma ser autossuficiente e determinar realmente seu próprio destino vai contra a realidade econômica.

Talvez mais importante ainda, ao não reconhecer e declarar claramente os interesses comuns de todos os trabalhadores, sem levar em consideração sua raça ou origem étnica, a formulação da demanda automaticamente eleva uma barreira à construção dessa indispensável unidade. Todos os trabalhadores são explorados sob o capitalismo e cada trabalhador é oprimido de uma forma ou de outra, muitas vezes de múltiplas formas. A opressão particular experimentada por um indivíduo ou um grupo pode, dessa forma, ser mais ou menos intensa – não há nenhuma dúvida, por exemplo, de que uma mãe solteira latina, indocumentada, trabalhando em Fast Food [restaurantes de comida rápida – NDT] sofre uma carga maior de opressão do que um relativamente bem-pago trabalhador de fábrica masculino – mas é nossa relação de classe como trabalhadores que nos leva a todos a nos opormos aos capitalistas exploradores.

Os negros nos EUA constituem aproximadamente 13% da população. Esta proporção relativamente pequena do total possivelmente não pode sozinha confrontar o poder do estado capitalista. Necessitamos da máxima unidade da classe trabalhadora para lutar e derrotar a classe dominante e seu estado. Uma greve em um local de trabalho diverso não teria êxito se somente as mulheres ou os trabalhadores de origem asiática aderirem. Ao limitar a demanda às “comunidades negras e oprimidas” (e na primeira versão se dia apenas “comunidade negra”), significa que a demanda não se aplica aos brancos, asiáticos, latinos e outros. Pode não ter sido essa a intenção e a ênfase na difícil situação dos negros estadunidenses é totalmente compreensível dado o contexto no qual foi criado o Partido dos Panteras Negras (PPN). Depois, muitos dos líderes dos Panteras se afastaram dessa concepção mais limitada, mas o tom colocado no documento fundacional inevitavelmente teve um impacto sobre o desenvolvimento futuro do partido. Comparemos isto com a cristalina claridade de Marx: “Trabalhadores de todos os países, uni-vos!”.

Alguns podem dizer que o programa “é suficientemente claro”. Contudo, a maior claridade é de suma importância em um programa partidário. Não é um simples slogan de agitação ou uma peça menor de propaganda, mas o projeto político para explicar e construir a organização. O diabo está nos detalhes e até mesmo minúsculas distorções ou linhas borradas podem levar a grandes problemas no futuro. Estas limitações são compreensíveis, dado que os autores não eram ainda Marxistas plenamente desenvolvidos. Confiavam mais na linguagem ardente e poética do que no fio de navalha da teoria como guia. Mas, ao colocar a ênfase na questão racial, mais do que na unidade de classe, isto imediatamente prejudicou o potencial do partido para se transformar em uma expressão política para todos os explorados e oprimidos.

2) Queremos pleno emprego para nosso povo

Acreditamos que o governo federal é responsável e obrigado a dar a cada pessoa emprego ou uma renda garantida. Acreditamos que se os empresários estadunidenses não derem pleno emprego, então a tecnologia e os meios de produção devem ser tomados dos empresários e colocados na comunidade de tal forma que o povo da comunidade possa organizar e empregar todos os seus cidadãos e dar um alto padrão de vida.

Um emprego, uma renda garantida e um alto padrão de vida devem ser absolutamente um direito básico, particularmente no país mais rico da terra. Ao eliminar a motivação do lucro e dividindo todo trabalho útil que a sociedade necessita fazer, podemos encurtar a semana de trabalho, aumentar o salário e dar a cada um a oportunidade de realizar todo o seu potencial. Como Marxistas, estamos a favor disto e muito mais para todos os trabalhadores – não apenas para “nosso povo”. Ressaltando os interesses comuns de todos os trabalhadores, eles podem se unir na luta coletiva contra os patrões.

Para se conquistar o pleno emprego, as principais alavancas da economia, começando com as 500 maiores empresas, devem ser colocadas sob o controle democrático dos trabalhadores e integradas em um plano racional. Isto significa expropriar a riqueza dos capitalistas – que foi criada pelo trabalho da classe trabalhadora – e usá-la democraticamente no interesse da maioria. O Programa do PPN aponta nesta direção. Contudo, ao pedir que estas coisas sejam “colocadas na comunidade”, significa que as diferentes “comunidades” terão seus próprios e atomizados mini meios de produção. Como explicado acima, nenhuma comunidade existe isolada do resto do mundo. O que se necessita é unir nossos esforços da forma mais eficiente possível para maximizar economias de escala e reduzir o desperdício, e isto requer uma economia planificada em âmbito nacional e finalmente global.

Além disso, devemos ter claro que o governo dos EUA é um governo de, por e para a classe dominante. Não está obrigado a fazer qualquer coisa além de defender os interesses dos capitalistas. O programa certamente poderia destacar a enorme riqueza que existe e o potencial para usá-la para o bem comum. Poderia apontar a contradição de um governo que, supostamente existe para defender o interesse comum de todos, na realidade permite a alguns viver na pobreza enquanto outros vivem na opulência. Mas de forma alguma devemos fomentar a ilusão de que o atual governo federal é de alguma forma responsável de proporcionar isto para nós. Como lembra corretamente o Programa, se os trabalhadores querem uma nova sociedade, teremos de tomar as coisas em nossas próprias mãos.

3) Queremos acabar com o roubo pelos capitalistas de nossas comunidades negras e oprimidas

Acreditamos que este governo racista nos roubou e agora estamos exigindo a dívida vencida de quarenta acres e duas mulas. Quarenta acres e duas mulas foram prometidos há cem anos como uma restituição pelo trabalho escravo e pelo assassinato em massa do povo negro. Aceitaremos o pagamento em moeda que será distribuído às nossas principais comunidades. Os estadunidenses racistas tomarem parte do massacre de nossos cinquenta milhões de pessoas negras. Portanto, acreditamos que esta é uma demanda modesta que fazemos.

O racismo é uma ferramenta usada pela classe dominante para dividir e enfraquecer a classe trabalhadora no interesse da maximização dos lucros. O atual governo dos EUA representa os interesses dessa classe dominante minoritária contra a maioria sem propriedade. Neste sentido, o governo é racista. Contudo, a exploração capitalista não é exatamente um roubo. A exploração sob o capitalismo ocorre no ponto de produção. O trabalhador “livremente” entra em relação com o capitalista e concorda em trabalhar um determinado número de horas por um determinado montante de pagamento. Contudo, o trabalhador cria mais riqueza durante as horas de trabalho do que ele ou ela recebe na forma de um salário; este trabalho não pago, conhecido como mais-valia na economia Marxista, é a fonte do lucro dos capitalistas, dos juros e da renda. A compulsão para vender sua força de trabalho a um capitalista não é pela força ou pela ameaça de força, mas por necessidade econômica. Sob o capitalismo, “quem não trabalha, não come”. Ou, em outras palavras, os que não podem viver de ações da Bolsa, dos bônus, da riqueza herdada ou de outras propriedades devem trabalhar para alguém se quiserem comer e ter um lugar para viver.

O propósito histórico fundamental da Guerra Civil Americana foi o de estabelecer a predominância do capitalismo em todo o continente americano. Para conseguir isto, o Norte capitalista teve que esmagar o poder econômico e político dos escravocratas do Sul, e os quatro milhões de escravos, de propriedade tiveram de ser transformados em trabalhadores livres assalariados (o que, certamente, foi uma das maiores expropriações de propriedade privada na história mundial). Embora possamos ter, mais ou menos, direitos iguais no papel, a liberdade sob o capitalismo significa acima de tudo que somos “livres” para vender nossa força de trabalho a qualquer número de possíveis exploradores, em vez de sermos propriedade e explorados por um só em particular. Assim como somos “livres” e não possuímos qualquer propriedade significativa, devemos para sobreviver, vender nossa força de trabalho em troca de um salário.

A promessa de “40 acres e uma mula” remonta à Ordem Especial de Campo no 15 do General da União William Tecumseh Sherman, emitida durante sua “marcha ao mar” através da Geórgia. Enquanto ele incendiava e expropriava abrindo caminho através da Confederação, forçosamente desenraizou as velhas relações de propriedade e impôs outras novas. Esta nunca foi uma política oficial do governo nem foi concebida como uma restituição da escravidão. Mais exatamente, ela foi pensada para ajudar alguns dos antigos escravos no Sul a se “levantarem” e se tornarem “membros produtivos da sociedade” – isto é, escravos assalariados do capitalismo. O objetivo essencial da Guerra Civil e a libertação dos escravos são declarados de forma ambígua na famosa declaração “Juneteenth”, emitida pelo general da União Gordon Granger em 18 de junho de 1865, depois que ele e dois mil soldados federais desembarcaram em Galveston, Texas:

“O povo do Texas está informado de que, de acordo com uma proclamação do Executivo dos Estados Unidos, todos os escravos estão livres. Isto significa absoluta igualdade de direitos pessoais e direitos de propriedade entre os antigos amos e os escravos, e a conexão até agora existente entre eles se transforma naquela entre empregador e mão-de-obra contratada. Aconselha-se aos libertos a permanecer quietamente em suas atuais casas e a trabalhar por salários. Eles são informados de que não lhes será permitido se recolher nos postos militares e que não serão apoiados na ociosidade ali ou em outros lugares”

Esta avaliação prática das novas relações sociais sendo implementadas pelo exército da União é suficientemente clara.

Embora Marx fosse um fervoroso adversário da escravidão e instasse a Abraham Lincoln a lutar com mais vigor na Guerra Civil com o grito de “morte à escravidão!”, ele entendeu o papel histórico que esta instituição desempenhou na ascensão do capitalismo nos EUA. Na base dos escritos de Hegel, Marx explicou que não foi meramente a partir da escravidão que a acumulação inicial de capital ocorreu na América, mas através dela. Em outras palavras, toda a classe dominante dos EUA, e não apenas os proprietários de escravos do Sul, é responsável pela herança da escravidão americana: “A escravidão direta é tanto o pivô sobre o qual gira nossos dias atuais de industrialismo quanto as máquinas, o crédito etc. Sem a escravidão, não haveria nenhum algodão, sem o algodão não haveria nenhuma indústria moderna. Foi a escravidão que valorizou as colônias, foram as colônias que criaram o mercado mundial, e o mercado mundial é a condição necessária da indústria de máquinas em grande escala. Consequentemente, antes do comércio de escravos, as colônias enviavam poucos produtos para o Velho Mundo, e não mudaram visivelmente a face do mundo. A escravidão é, portanto, uma categoria econômica da maior importância”.

Então, quando o programa do PPN demanda pagamento em dinheiro como compensação pela escravidão, a ser “distribuído às nossas principais comunidades”, muitas questões concretas devem ser abordadas. Mesmo que um valor monetário para os horrores sofridos pelos escravos pudesse ser combinado, o que aconteceria quando o fluxo de caixa aos indivíduos e comunidades se esgotasse? Como se pode evitar que a riqueza com o tempo se acumule em poucas mãos – as mãos daqueles que já têm a maioria da riqueza e do poder – deixando assim a maioria dos beneficiários de volta à estaca zero? Quem vai decidir quem se qualifica e quanto cabe a cada um? E, talvez ainda mais importante, quem seria obrigado a pagar por isto?

Tendo por base os atuais fundamentos econômicos e políticos, esta restituição somente poderia sair das receitas tributárias, que são geradas antes de mais nada pelos trabalhadores, ou através de empréstimos, os quais teriam de ser pagos com juros, mais uma vez espremendo os trabalhadores. Considerando que a escala desses pagamentos seria bastante vasta, isto exigiria um exército de advogados, de burocratas, e cortes em outras partes do orçamento. Como as atuais contribuições aos militares e corporações empresariais não estão a ponto de ser recortadas, esta medida somente poderia significar mais cortes nos programas sociais, na saúde pública, na educação, na infraestrutura, na proteção ambiental, nos salários e aposentadorias dos trabalhadores do setor público e assim por diante. Os trabalhadores que não são culpados da escravidão teriam de pagar por este crime histórico dos capitalistas e antigos donos de escravos. Longe de construir a unidade de classe, isto levaria a ressentimentos e disputas, que é como a classe dominante desvia-se da responsabilidade de seus próprios crimes.

Portanto, só existe uma maneira verdadeiramente justa de se aproximar da restituição pela escravidão e acertar as contas com a classe dominante por séculos de exploração e opressão. Esta maneira é fazer os ricos pagarem – conforme explicado em relação ao ponto #2 acima – expropriando coletivamente sua riqueza, dar um fim ao capitalismo e substituí-lo pelo socialismo.

4) Queremos moradias decentes, adequadas ao abrigo de seres humanos

Acreditamos que se os donos de terras não derem moradias decentes às nossas comunidades negras e oprimidas, então as moradias e a terra devem ser produzidas em cooperativas de forma que o povo de nossas comunidades, com ajuda governamental, possa construir moradias dignas para o povo.

A urgente necessidade e a capacidade da sociedade de fornecer moradias de qualidade para todos é clara. A falta de moradias não se deve à carência de moradias disponíveis, mas à incapacidade das pessoas de pagar as exorbitantes taxas do mercado. Nunca foi a política dos donos de terras (a maioria dos quais são os bancos) “dar” moradia decente para ninguém.

A orientação básica desta demanda está absolutamente correta: moradias de alta qualidade podem ser universalmente acessíveis e é uma responsabilidade social, requerendo ações coletivas e o envolvimento do governo. Mas há mais uma vez uma falta de precisão em torno da questão de “comunidades” e do caráter do atual governo. Isto somente pode introduzir confusão na discussão de como esta demanda básica pode ser realizada verdadeiramente. O apelo pelas cooperativas pode soar mais “comunal” na superfície, mas as cooperativas geralmente envolvem muitos acionistas individuais. Isto é qualitativamente diferente da propriedade social. Como exemplo de como esta demanda pode ser feita de forma mais precisa, aqui está o que o Programa da Liga Internacional dos Trabalhadores [WIL, em suas siglas em inglês] prevê, como parte de seu apelo global por uma economia nacionalizada e planificada e por um massivo programa de obras públicas, começando pelas áreas mais necessitadas:

“Habitação segura e acessível para todos. Fim à falta de moradias. Por uma imediata moratória dos despejos. Pela nacionalização de casas embargadas e vazias, que devem ser alocadas àqueles que delas necessitam sob o controle democrático dos trabalhadores e da comunidade, com a permissão aos residentes de propriedades embargadas de permanecer em suas casas. Nenhuma compensação para os proprietários das citadas execuções, exceto em casos de comprovada necessidade. Aluguel para todas as moradias, incluindo a seção 8 e as habitações de propriedade do governo, a ser fixado em não mais de 10% dos salários, como parte de um plano nacional de adesão voluntária por moradia”.

5) Queremos educação decente para o nosso povo que exponha a verdadeira natureza desta decadente sociedade estadunidense. Queremos educação que nos ensine nossa verdadeira história e nosso papel atual na sociedade.

Acreditamos em um sistema educacional que dará ao nosso povo um conhecimento de si mesmo. Se você não conhece a si mesmo e sua posição na sociedade e no mundo, então você terá poucas chances de saber algo mais.

O acesso à educação de alta qualidade é claramente outro direito básico. No entanto, devemos entender que “a história é escrita pelos vencedores”, e que as ideias dominantes de qualquer sociedade são as ideias da classe dominante. A classe dominante utiliza o sistema educativo para justificar e enfeitar seu domínio, para transformar milhões de crianças em “pequenos e bons trabalhadores” e para preparar uma pequena elite para governar sobre eles. Não surpreende, portanto, que a verdadeira história da classe trabalhadora estadunidense e do movimento operário, da luta dos negros, do genocídio dos nativos americanos e das guerras contra o México e Espanha, e muitas outras coisas, seja ensinada de forma amputada – quando estas coisas são apenas mencionadas. Para mudar as ideias dominantes devemos mudar a classe dominante. Mais uma vez, o Programa de WIL é um exemplo de como uma demanda como esta pode ser apresentada de forma mais concreta:

“Educação de qualidade para todos. Financiar e expandir plenamente nossas escolas públicas, colégios e universidades. Fim à invasão corporativa da sala de aula. Não à comprovação de recursos, fiadores, escolas autônomas e à privatização. Não à “Corrida ao Topo” e que “Nenhuma criança fique para trás”. Abolir as taxas de matrícula e perdoar os empréstimos estudantis. Fornecer subsídios e estágios remunerados para todos os estudantes. Nacionalizar as universidades e colégios privados e fundi-los em um sistema público único de ensino superior. Aprendizagem ao longo da vida para todos, desde o berço até o túmulo”.

6) Queremos saúde pública completamente gratuita para todas as pessoas negras e oprimidas

Acreditamos que o governo deve proporcionar, gratuitamente, para as pessoas, infraestruturas de saúde que não tratem apenas de nossas enfermidades, a maioria das quais vieram como resultado de nossa opressão, mas que também desenvolverá programas médicos preventivos para garantir nossa sobrevivência futura. Acreditamos que a educação em saúde de massa e os programas de pesquisa devem ser desenvolvidos para dar a todos os Negros e às pessoas oprimidas acesso à informação científica e média avançada, para que possamos proporcionar às nossas comunidades atenção médica e cuidados adequados.

Aqui novamente, a motivação instintiva da demanda é inteiramente correta, mas a própria demanda não está formulada, infelizmente, da forma mais clara possível. Aqui está como o Programa de WIL retoma a demanda de cuidados de saúde universal e de qualidade: “Por um sistema nacional de cuidados de saúde socializado. Pela pesquisa científica livre da motivação do lucro. Pleno acesso para todos às mais recentes tecnologias, tratamentos e descobertas médicas. Financiamento massivo da pesquisa para curas e tratamento da AIDS, do câncer e outras enfermidades. Nacionalizar as empresas de seguros de saúde, as indústrias de equipamentos médicos e farmacêuticos, os sistemas de mega-hospitais e clínicas correlatas, e integrá-las em um único provedor de saúde de propriedade estatal administrado democraticamente”.

7) Queremos imediato fim à brutalidade policial e ao assassinato do povo Negro, de outras pessoas de cor, de todo o povo oprimido dentro dos EUA.

Acreditamos que o governo racista e fascista dos EUA utiliza suas agências de segurança nacionais para realizar seu programa de opressão contra o povo Negro, outras pessoas de cor e pessoas pobres dentro dos EUA. Portanto, acreditamos que é nosso direito nos defendermos contra estas forças armadas e que toda pessoa Negra e oprimida deve se armar para autodefesa de suas casas e comunidades contra estas forças policiais fascistas.

Como explicado acima, o atual governo dos EUA defende os interesses dos ricos. Na guerra de classes entre os ricos e os pobres, o estado é uma das principais ferramentas usadas pela minoria capitalista para submeter a maioria. A única forma de mudar isto é dar um fim ao capitalismo, um sistema que se baseia na brutalidade e no assassinato desde sua criação. Com seu sarcástico senso de ironia, aqui está como Marx descreveu os dias iniciais do capitalismo:

“A descoberta de ouro e prata na América, o sequestro, escravização e sepultamento da população aborígene nas minas, o início da conquista e pilhagem das Índias Orientais, a transformação da África em um viveiro para a caça comercial dos Negros, assinalou a alvorada da era da produção capitalista. Esses idílicos processos são os principais momentos da acumulação primitiva… Se o dinheiro, de acordo com Auger, ‘chegou ao mundo com uma mancha de sangue congênita na face’, o capital chegou pingando da cabeça aos pés, por todos os poros, sangue e sujeira”.

Um leopardo não pode mudar suas manchas. O capitalismo pode tentar apresentar uma face gentil nas telas de TV, nos púlpitos das igrejas, nas revistas baratas e em outdoors, mas a realidade para milhões de estadunidenses e para a maioria do planeta é bem diferente.

Como a maioria de trabalhadores se tornou ainda mais concentrada e potencialmente poderosa, ainda mais ferramentas e repressão concentrada são necessárias para que a minoria nos mantenha submissos. Então, por exemplo, a crescente militarização da polícia. Mas isto de fato é um reflexo de debilidade, e não de força. Se eles fossem capazes de manter a confiança em seu domínio através de pequenas reformas e concessões somente, poderiam dispensar estas despesas e governar com luvas de pelica. Mas nesta época de crise, austeridade, contrarreformas e retrocessos para a classe trabalhadora, as luvas foram recolhidas e os burgueses estão se preparando para um confronto aberto com a classe trabalhadora.

Junto à intimidação, força bruta e leis que favorecem os ricos e que amarram as mãos dos trabalhadores às costas, a tática de “dividir para reinar” é outra ferramenta vital no arsenal da classe dominante. Eles usam o racismo, a misoginia, a homofobia, a xenofobia, a língua, a religião e qualquer outra coisa que possam levantar para lançar uma camada da classe trabalhadora contra outra. A luta dos trabalhadores contra todas estas formas de opressão e divisão está interligada e faz parte de uma luta mais ampla contra os capitalistas. Por conseguinte, não deveria ser nenhuma surpresa que a polícia seja parte integrante da implementação desta tática em benefício dos patrões. Significa isto que todos os policiais são racistas? De modo algum. Muitos policiais são negros ou latinos, ou asiáticos. Muitos são originários da classe trabalhadora e mesmo de famílias de sindicalistas e vivem na condição de classe trabalhadora. Muitos, até mesmo, são membros dos próprios sindicatos da polícia.

Mas como uma força, a polícia está na linha de frente da luta de classes entre os trabalhadores e os capitalistas. Como parte do aparato repressivo do estado, dele recebem treinamento e poderes especiais e se colocam “acima” do restante da sociedade. Seu verdadeiro papel social é o de “servir e proteger” os interesses da propriedade privada.

Quando os Marxistas falam de “propriedade privada”, o que queremos dizer é propriedade privada dos meios de produção – a alavanca fundamental da economia. Os que possuem e controlam os meios de produção são os verdadeiros amos da sociedade. Em última análise, eles decidem quem tem um emprego, quem tem uma casa, quem tem cuidados de saúde, quem tem educação – e quem não tem. A maioria da propriedade privada, incluindo a propriedade comercial e industrial, é possuída pelos bancos e grandes corporações. As 500 empresas de Fortune sozinhas são responsáveis por 75% do PIB dos EUA. Uma enorme quantidade de poder econômico e, por extensão, político concentrado em suas mãos. A vasta maioria da população não possui nenhuma propriedade privada; na melhor das hipóteses, temos algumas propriedades pessoais.

Numa sociedade baseada na escassez para alguns e na superabundância para pouco, muitos tipos de “filas para o pão” emergem. Uma força especial é requerida para policiar estas filas. Mas quem vigia a polícia? Que a polícia regularmente leve vantagem de seu poder e posição não pode ser negado. Os inumeráveis incidentes, documentados ou não, de brutalidade policial, de uso excessivo de força, de corrupção, de enquadramento de suspeitos e de aterrorizar os bairros pobres é prova suficiente disto. Mas, o que se pode fazer a respeito disto?

No rescaldo do assassinato de Mike Brown, surgiram renovados apelos pelo “controle da comunidade” e por uma maior representação da minoria sobre a força policial. O sentimento por trás dessa demanda é claro. É o reconhecimento de que a polícia não representa os interesses da maioria e do desejo dos cidadãos comuns de controlar o seu abuso de poder. O problema com estas demandas é que deixa o estado existente em seu lugar. Mais uma vez, vemos que a única solução é dar um fim ao capitalismo, que é a raiz da desigualdade orgânica e crescente que requer que uma força especial se coloque acima do restante da sociedade em primeiro lugar.

Meramente pela troca de indivíduos ou trazendo mais negros ou latinos para dentro dessa força repressiva especial não mudará sua natureza fundamental ou os interesses de classe que defende. Embora muitas pessoas queiram “fazer algo agora”, não há nenhuma solução simples ou fácil para isto ou para qualquer outro problema fundamental sob o capitalismo. A tarefa da revolução socialista é mudar o caráter do estado em sua totalidade. Por ser o Estado uma expressão do domínio da minoria sobre a maioria, buscamos construir um novo tipo de Estado que represente os interesses da maioria esmagadora – um Estado dos trabalhadores. Esse estado defenderia os interesses da maioria e não necessitaria do tipo de leis e aparelhos repressivos requeridos pelo Estado da minoria capitalista.

Com o tempo, enquanto as “filas do pão” da sociedade de classe desaparecem na base da crescente superabundância para todos sob o socialismo, a necessidade do Estado murcharia. Sejam quais forem as funções de “manutenção da paz” que antes eram garantidas pela polícia seriam de responsabilidade dos próprios trabalhadores, numa espécie de vigilância ampliada dos bairros, com todos os funcionários eleitos diretamente, responsáveis e revogáveis por aqueles que eles representam. Se todos são policiais, então ninguém é policial. Finalmente, até mesmo o Estado dos trabalhadores se dissolverá na própria sociedade, que não mais estaria dividida em classes.

O poder real da classe trabalhadora estaria no fato de que teríamos em nossas mãos os meios de produção. Seríamos nós os que dirigiríamos os sistemas de transporte, as centrais elétricas, o recolhimento do lixo, a construção de estradas, o ensino das crianças e a manutenção das escolas, a construção da infraestrutura, a administração dos hospitais, a manutenção das redes de comunicação e assim por diante. Se nós, os milhões de trabalhadores, detivéssemos nosso trabalho, se parássemos a produção e ocupássemos as fábricas, ruas e pontos estratégicos por todo o país, a sociedade seria paralisada. Os capitalistas, diretamente por eles, seriam totalmente incapazes de fazer funcionar os locais de trabalho. Nenhuma quantidade de policiais e soldados armados pode nos forçar a voltar ao trabalho e os militares se dividiriam em linhas de classe. Esta greve geral revolucionária colocaria claramente a questão: quem tem o poder real na sociedade e quem deve assumi-lo?

Então, enquanto os Marxistas concordam 100% com o direito dos trabalhadores de se armarem e de se defenderem contra os ataques do estado burguês, nossa perspectiva para o exercício do poder dos trabalhadores envolve muito mais que o porte de armas publicamente e marchas ostensivas pelas ruas. As imagens dos Panteras Negras, vestidos de couro e corajosamente empunhando rifles e armas de fogo nas ruas de Sacramento, foram certamente icônicas, e eles tinham o direito de fazer isto. Mas devemos nos perguntar: era essa a melhor tática para ganhar o apoio das amplas massas de trabalhadores?

Primeiramente, devemos ter claro que pequenos grupos armados não podem substituir o poder organizado de milhões de trabalhadores. Grupos pequenos não podem derrotar o poder combinado e centralizado do Estado burguês e suas ferramentas de repressão. Além disso, enquanto essas ações certamente trouxeram muita atenção para o PPN, também foram usadas pela mídia, pela polícia, e pelo FBI como uma forma de marginalização e isolamento dos Panteras das amplas camadas da classe trabalhadora. Longe de construir a unidade de classe, aquelas táticas naquele momento tiveram o efeito oposto. Reconhecemos a coragem e a abnegação dos ativistas do Partido dos Panteras Negras, que estavam dispostos a colocar tudo em jogo pela causa em que acreditavam. Contudo, nossa tarefa não é a de organizar proezas sensacionais, não importa quão corretas sejam em princípio. Pelo contrário, devemos pacientemente construir laços sólidos e duradouros entre diferentes camadas da classe trabalhadora. Isto acentua de novo a importância da unidade de classe, e de defender de forma consistente e aberta esta unidade, sem a qual a classe trabalhadora não pode esperar derrotar nosso inimigo de classe.

Quanto ao uso da palavra “fascismo” nas versões posteriores do Programa. Não se deve ser irresponsável com o uso da terminologia para o bem da agitação; devemos ser muito cuidadosos com o uso de certos termos. A sociedade é um fenômeno complexo. Dessa forma, o Marxismo não é uma ciência absolutamente precisa. Mas não é chamado de “socialismo científico” à toa. Para os Marxistas, o fascismo tem um sentido muito preciso. O fascismo é um fenômeno social muito específico no qual uma ditadura militar tem uma base social de apoio na forma da “pequena burguesia enraivecida”, que é usada como um aríete para destruir as organizações, sindicatos e partidos políticos dos trabalhadores. Na Itália, Alemanha e Espanha, a arruinada classe média de lojistas, camponeses, profissionais, filhos de ricos e a camada superior de oficiais militares e do clero forneceram a Mussolini, Hitler e Franco as tropas de choque da contrarrevolução. Isso somente foi possível após a derrota de um movimento revolucionário após outro nestes países, nos quais os trabalhadores foram traídos por seus líderes e partidos tradicionais.

Nos anos 1920 e 1930, ainda havia um campesinato grande, atrasado e conservador e uma verdadeira “classe média” nestes países. Esta situação simplesmente não existe hoje nos EUA, nem era o caso nos anos 1960. A esmagadora maioria da população faz parte da classe trabalhadora. A chamada “classe média” estadunidense é largamente constituída de trabalhadores e especialistas bem-pagos. Eles podem ter uma qualidade de vida melhor do que o trabalhador de Fast Food, mas são trabalhadores assalariados do mesmo jeito. Mais de 80% dos estadunidenses hoje vivem em áreas urbanas. O alegado peso social da população rural tipicamente mais conservadora é artificialmente inflado tanto político quanto socialmente. A classe dominante se apoia sobre estes elementos muitas vezes confusos e atrasados para contrabalançar o poder concentrado dos trabalhadores nas cidades. Mas até mesmo a população rural nos dias atuais dos EUA é majoritariamente proletária em suas condições básicas de vida.

Que existem indivíduos criminosos, reacionários e até mesmo grupos organizados com simpatias e aspirações fascistas, tanto dentro quanto fora do aparato de estado, está fora de dúvida. Mas a realidade é que a base social do fascismo não existe mais nos EUA (ou em qualquer outro país do planeta). Se os trabalhadores forem derrotados mais de uma vez, e nenhuma liderança revolucionária estiver presente para ajudar a garantir a realização da revolução socialista, então a reação aberta pode muito bem chegar ao poder. Em tal cenário, ditaduras militares, suspensão dos direitos básicos, lei marcial, terror de direita e pogroms furiosos aplicados por bandidos e mercenários dos capitalistas podem ser possíveis. Mas sem uma base social entre os pequenos burgueses, isto não seria o fascismo como o conhecemos. A claridade teórica e terminológica não deve, portanto, ser sacrificada no interesse do impacto emocional. Não existe nenhum atalho para nos treinarmos politicamente e educar os outros nas ideias do Marxismo, e nosso programa deve se esforçar para ter o máximo de clareza.

8) Queremos um fim imediato a todas as guerras de agressão

Acreditamos que os vários conflitos que existem no mundo derivam diretamente do desejo agressivo do círculo dominante e do governo dos EUA de forçar seu domínio sobre os povos oprimidos do mundo. Acreditamos que se o governo dos EUA ou seus lacaios não cessar estas guerras agressivas é direito do povo se defender de seus agressores por todos os meios necessários.

Os Marxistas concordam de todo o coração com o sentimento expressado neste ponto do Programa. Entendemos que a política externa é uma extensão da política interna. Como explicou Clausewitz, “a guerra é uma mera continuação da política por outros meios”. Enquanto a política interna da burguesia é fazer lucros “por qualquer meio necessário”, este também é o seu objetivo no exterior. Portanto, a luta contra a guerra imperialista está intimamente ligada à luta para se dar um fim ao domínio predatório dos capitalistas aqui em casa. Para se mudar a natureza da política externa do Estado, devemos mudar a natureza do Estado que realiza esta política.

Deve-se fazer notar que este ponto do Programa incluía originalmente o seguinte: “Queremos que todos os homens Negros sejam isentos do serviço militar”. Enquanto o sentimento é mais uma vez compreensível, a forma como foi apresentado somente pode levar à confusão. Por exemplo, é provável que muitas pessoas naquela época podem ter interpretado isso como se significasse que somente os filhos brancos e latinos da classe trabalhadora deviam ser recrutados e enviados ao Vietnã. Isto obviamente trabalharia contra a construção da solidariedade da classe trabalhadora na luta para substituir o governo favorável à guerra dos capitalistas por um governo dos trabalhadores. Felizmente, tendo reconhecido este erro, este Ponto foi removido nas últimas versões do Programa.

9) Queremos liberdade para todas as pessoas negras e oprimidas agora detidas em prisões militares federais, estaduais, dos condados e cidades. Queremos julgamentos por tribunais de Júri formados por seus pares para todas as pessoas acusadas de supostos crimes sob as leis deste país.

Acreditamos que muitas pessoas Negras e pobres oprimidas, agora detidas em prisões nos EUA, não tiveram julgamento justo e imparcial em um sistema judicial racista e fascista e devem ser libertadas da prisão. Acreditamos na eliminação definitiva de todas as instituições penais desumanas e miseráveis, porque as massas de homens e mulheres aprisionadas dentro dos EUA ou pelos militares dos EUA são vítimas de condições de opressão que são as causas reais de sua detenção, Acreditamos que, quando pessoas são levadas a julgamento, devem lhes ser garantidas, pelos EUA, júris de seus pares, advogados de sua escolha e liberdade enquanto aguardam o julgamento.

O sistema de “justiça” criminal nos EUA provê justiça apenas para os ricos. Sua adesão ao “estado de direito” está baseada no domínio e nas leis dos capitalistas. O sistema penal é parte componente do Estado, junto com a polícia, os tribunais, os juízes e assim por diante. Embora os Marxistas lutem e defendam o máximo de direitos democráticos que possamos conquistar sob o presente sistema, não devemos ter ilusões nessas leis ou instituições. Pedir julgamentos por júris formados por seus pares, com escolha de advogados, a serem garantidos pelos EUA, perde o ponto chave, que é a necessidade de se acabar com o Estado capitalista totalmente. Não pode haver nenhuma justiça real para os explorados e oprimidos dentro das limitações de um marco legal inerentemente contra o trabalhador e contra os pobres.

10) Queremos terra, pão, moradia, educação, roupa, justiça, paz e controle da tecnologia moderna pela comunidade popular.

Quando, no curso dos acontecimentos humanos, se torna necessário para um povo dissolver os laços políticos que o ligavam a outro, e assumir, entre os poderes da terra, posição igual e separada a que as leis da natureza e Deus lhe dá direito, o respeito digno às opiniões do ser humano requer que se declarem as causas que os impeliram à separação.

Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais; que eles são dotados pelo Criador com certos direitos inalienáveis; que entre estes direitos estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Que para assegurar estes direitos os governos são instituídos entre os homens, derivando seu justo poder do consentimento dos governados; que, se alguma forma de governo se tornar destrutiva destas finalidades, é direito do povo alterá-lo ou aboli-lo, e instituir um novo governo, que se fundamente em tais princípios, ou organizando seu poder na forma que a seu juízo oferecerá as maiores probabilidades de alcançar sua segurança e felicidade. A prudência, de fato, ditará que os governos instituídos há muito tempo não devem ser mudados por causas leves e transitórias; e, consequentemente, toda a experiência demonstrou que o ser humano está mais disposto a sofrer, enquanto os males sejam toleráveis, que a fazer justiça abolindo as formas com as quais está acostumado. Mas, quando uma longa série de abusos e usurpação, dirigidas invariavelmente ao mesmo objetivo, demonstra o desígnio de submeter o povo ao despotismo absoluto, é seu direito, é seu dever, derrubar este governo e estabelecer novos resguardos para sua futura segurança.

Esta última cláusula genérica levanta demandas adicionais muito importantes, como a moradia e a educação (embora estas já tivessem sido mencionadas anteriormente em pontos separados). Infelizmente, não há novamente nenhuma indicação de como todas estas coisas podem ser conquistadas. No mínimo, um programa partidário deve dar algumas ideias concretas de como se propõe a alcançar seus objetivos, particularmente no culminante ponto final.

Logo termina com extensas citações da Declaração de Independência. Escrita em 1776 por Thomas Jefferson (que, por acaso, era proprietário de escravos), a Declaração foi um dos documentos programáticos fundamentais da revolução burguesa americana. Usando a linguagem empolada da liberdade e do iluminismo, ela declarou corajosamente o direito das colônias de derrubar o domínio britânico e seguir seu próprio curso. As massas se reuniram em torno do apelo por liberdade e finalmente derrotaram o império mais poderoso do mundo. Mas o resultado político e econômico foi que uma nova minoria de proprietários tomou o controle. Em vez da monarquia britânica e seus governadores coloniais, as treze colônias que se tornaram os Estados Unidos estavam agora dominadas por uma oligarquia de ricos comerciantes, banqueiros, advogados e proprietários das plantações de escravos.

Talvez o objetivo de incluir estas passagens fosse o de sublinhar o direito de um povo a mudar seu governo se este não representa mais os interesses da maioria – um sentimento com o qual os Marxistas concordam de todo o coração. Ou talvez tenha sido para ilustrar os ideais traídos da Revolução Americana, usando a linguagem em que se fundou este país para assinalar suas origens e promessas revolucionárias. Seja qual for a intenção, estes pontos poderiam ser feitos ou desenvolvidos em uma nova e original linguagem, ligada organicamente às necessidades da nova época revolucionária e às tarefas da revolução da classe trabalhadora. As condições econômicas e sociais estão constantemente mudando, e nossas formas de expressão e de organização social devem mudar igualmente. A economia e a sociedade dos EUA têm mudado dramaticamente desde que as linhas da Declaração foram escritas. A sociedade cresceu para além dos estreitos limites do capitalismo, que restringem nosso desenvolvimento futuro. A economia de mercado e o estado-nação são as duas grandes travas ao desenvolvimento da sociedade; somente a transformação socialista da sociedade pode varrer estas travas para o lado e sentar as bases da genuína liberdade.

Não se duvida que a Declaração é uma obra-prima de eloquência. No entanto, esta é a voz da classe burguesa em ascensão, uma visão e justificação histórica de seu domínio. Em um documento programático para 1966, o que se necessitava era a visão e a justificação histórica para o domínio da classe trabalhadora e do socialismo. Essa observação é realmente apenas um detalhe, mas a inclusão do documento de fundação dos capitalistas estadunidenses mostra um pouco da ingenuidade dos redatores do Programa do Partido dos Panteras Negras, apesar de sua instintiva intuição revolucionária.

Aprendendo as lições

O Programa do Partido dos Panteras Negras era certamente audacioso e chamou a atenção sobre os muitos problemas enfrentados pelos Negros estadunidenses e por outras minorias oprimidas. Sua linguagem e visão radical foi um importante ponto de partida para abrir um diálogo sobre o caminho a seguir para os trabalhadores e a juventude Negra. No final, contudo, o Programa era limitado e insuficiente para cumprir com as tarefas que estabeleceu para si próprio: a libertação dos oprimidos das algemas da exploração e da opressão.

Um programa socialista revolucionário de transição deve ser compreensível e conciso. Apesar dos pontos muito importantes levantados no Programa do PPN, há muitos elementos importantes que faltam. Dada a experiência limitada e o foco dos autores, isto é compreensível. Mas, no entanto, provou ser uma falha fatal.

Por exemplo, não há nenhuma menção aos sindicatos, que são uma ferramenta indispensável na luta dos trabalhadores contra os patrões. Sem dúvida, muitos sindicatos, especialmente nos anos 1960, foram muito à direita e incluíam muitos racistas. Mas isto não liberta os revolucionários do dever de lutar por nossas ideias dentro dessas organizações elementares da classe trabalhadora, e estendê-las a todos os setores dos trabalhadores.

E, embora o PPN se considerasse a si mesmo um partido, tinha um alcance muito limitado. Não há nenhuma menção no Programa sobre a necessidade de representação política mais ampla para a classe trabalhadora – um partido dos trabalhadores. Mesmo se o PPN tivesse crescido a 1 milhão de membros, ainda assim seria uma gota no oceano em um país tão grande como os EUA. As massas de trabalhadores não entendem as organizações pequenas. A vasta maioria não abandonará seus anteriores preconceitos políticos por um capricho de se juntar a um pequeno grupo sem nenhuma perspectiva de vitória.

Até hoje, a classe trabalhadora estadunidense carece de um partido político próprio. Deixam-nos escolher entre os Democratas dos grandes negócios e os Republicanos dos grandes negócios – ou a abster-nos totalmente da política eleitoral. Um partido dos trabalhadores, baseado no número e recursos dos sindicatos, poderia transformar a política estadunidense. Poderia prover um extenso campo para os Marxistas revolucionários levantar mais amplamente suas ideias na classe trabalhadora para lutar por um programa socialista, e para lutar ombro a ombro nas lutas cotidianas de nossa classe. Tal demanda é uma alavanca crucial para a introdução de uma cunha nos sindicatos que apoiam o Partido Democrata, e para dar aos trabalhadores uma ampla perspectiva de participação na política na base da independência de classe.

Também não há nada no Programa sobre a solidariedade e internacionalismo da classe trabalhadora. Embora mencione o direito do povo do mundo colonial a lutar contra o imperialismo, não toma como ponto de partida a natureza internacional de luta de classes. Um programa verdadeiramente revolucionário deve ser socialista no conteúdo, e o socialismo deve ser verdadeiramente internacional ou não é socialismo. O plano democrático de produção deve, em última instância, abranger todo o planeta. Isto não é por sentimentalismo, mas por razões econômicas e políticas muito concretas. Em sua esplêndida obra Em Defesa do Marxismo, escrita em 1939-40, León Trotsky explicou isto concisamente da seguinte forma:

“Até mesmo os economistas burgueses calcularam que, com uma economia planificada, seria possível elevar a renda nacional dos EUA rapidamente a 200 bilhões de dólares ao ano e, dessa forma, assegurar a toda a população não somente a satisfação de suas necessidades básicas como também reais comodidades. Por outro lado, a revolução mundial acabaria com o perigo externo como causa suplementar de burocratização. A eliminação da necessidade de se gastar uma enorme proporção da renda nacional em armamentos elevaria ainda mais alto o nível de vida e de cultura das massas. Nestas condições, a necessidade de um policial distribuidor cairia por si mesma. A administração enquanto uma cooperativa gigantesca muito rapidamente suplantaria o poder do estado. Não haveria espaço para uma nova classe dominante ou para um novo regime de exploração”.

Isto somente seria possível na base de uma Federação Socialista das Américas, como parte de uma Federação Socialista Mundial.

O PPN também obteve uma grande atenção por seu ativismo comunitário, pelos programas de educação básica, e os programas de alimentação para as crianças. Todos estes eram objetivos louváveis, e foi importante para mostrar o vácuo que existia (e ainda existe!) no fornecimento destes serviços essenciais. Contudo, a tarefa do partido revolucionário não é preencher este vazio de forma limitada, mas lutar pelo poder econômico e político para se dar um fim a estas disparidades e carências de uma vez por todas. O que se necessita é de empregos com salários controlados pelos sindicatos, com o controle sindical sobre as contratações e demissões e a contratação pelos sindicatos de salas em cada bairro, mais e melhores escolas, moradias, transporte público, parques, jardins, recreação juvenil e centros de educação física, teatros e cinemas. Uma organização pequena não pode preencher estas necessidades. Somente com a chegada ao poder de um governo dos trabalhadores é que se poderá assentar as bases para abordar seriamente estes problemas.

O papel dos Marxistas

Alguns podem pensar que estamos sendo muito duros com os camaradas do PPN. Podem até dizer: “pelo menos, foi um início! Pelo menos, eles fizeram algo!”. Isto é inquestionável, os fundadores e ativistas do PPN merecem nossa admiração por desafiar a sociedade capitalista. Mas um começo não é o produto acabado. Devemos aprender da experiência prática de nossa classe e melhorar a partir de nossos esforços passados. Malcolm X e o PPN convocaram à luta “por todos os meios necessários”. No entanto, para os Marxistas, o critério final é que métodos realmente funcionam para construir a unidade da classe, a consciência e a confiança.

A tarefa para os Marxistas na época que o PPN surgiu era a de trabalhar em solidariedade com eles para proporcionar ideias e perspectivas para a transformação do PPN e seu programa em ferramentas mais abrangentes para a classe trabalhadora lutar contra o capitalismo e ganhar. O que se necessitava era uma crítica amistosa, construtiva e amigável, trabalhando ombro a ombro para ganhar a confiança dos membros do PPN.

Infelizmente, o Partido Socialista dos Trabalhadores, a maior organização Trotskista nos EUA na época da ascensão do PPN, não abordou as coisas dessa forma. Depois do assassinato de Trotsky em 1940, eles perderam o equilíbrio teórico e ficaram à deriva, de uma direção para outra, como um barco sem timão em um mar tormentoso. Embora tenham introduzido algumas ideias básicas Marxistas no movimento do Poder Negro, não se mantiveram firmes em uma clara posição de classe. Em vez de explicar pacientemente, elevando o nível político, e ganhando os participantes mais abnegados do movimento para o Marxismo revolucionário, buscavam atalhos para construir sua organização, e acabaram fazendo o jogo do atrasado Nacionalismo Negro.

No período que se avizinha, movimentos semelhantes podem surgir. Alguns ativistas socialistas estão até mesmo apelando por um “Novo Movimento de Liberdade Negra” – mas será isto mesmo o que os trabalhadores e a juventude Negra necessitam? A Liga Internacional dos Trabalhadores (WIL, em suas siglas em inglês) permanece estreitamente solidária com todos os trabalhadores explorados e oprimidos. Não “reduzimos tudo à classe”. Estamos plenamente conscientes do complexo entrelaçamento de raça, gênero, sexualidade e classe, e de como a opressão é experimentada por diferentes indivíduos e camadas da população. Mas acreditamos firmemente que a experiência do PPN mostra que é necessária é unidade de classe, independência, organização e um programa socialista.

Sem um claro programa revolucionário guiado pela teoria Marxista, uma organização ou um movimento podem terminar, por um lado, em oportunismo e reformismo, e em ultra-esquerdismo e aventureirismo, incluindo terrorismo e criminalidade, por outro – e às vezes ambos. Devemos combater estas tendências que atrapalham o movimento dos trabalhadores e manter nossos olhos na meta: a construção de um partido revolucionário Marxista. Não existem atalhos para esta difícil tarefa histórica.

Legado

Muitos membros dos Panteras Negras acabaram indo além dos limites do programa inicial, aproximando-se de uma concepção mais clara de classe sobre o problema do racismo. Por exemplo, Huey Newton queria adicionar a demanda por cuidados de saúde gratuitos para todos, o que levou a tensões dentro do partido. E, em 1970, Bobby Seale tinha chegado à seguinte conclusão: “O racismo e as diferenças étnicas permitem que a estrutura do poder explore as massas de trabalhadores neste país, porque é a chave através da qual mantém seu controle. Dividir o povo e submetê-lo é o objetivo da estrutura do poder… É realmente a classe dominante, pequena e minoritária, que está dominando, explorando e oprimindo os trabalhadores e o povo laborioso… Então, essencialmente, esta não é de todo uma luta racial… Na nossa visão é uma luta de classes entre a massiva classe trabalhadora proletária e a pequena minoria da classe dominante. As pessoas da classe trabalhadora de todas as cores devem se unir contra a classe dominante exploradora e opressiva. Deixem-me enfatizar novamente – acreditamos que nossa luta é uma luta de classe e não uma luta racial”.

Contudo, já era muito tarde. Estas novas concepções de uma unidade de classe mais ampla não foram desenvolvidas sistematicamente e aceitas. O marco estabelecido nas primeiras versões do Programa era a base a partir da qual a maioria dos camaradas do PPN tinha sido treinada. Muitos insistiram que este era um movimento “somente Negro” e não queriam trabalhar com brancos ou latinos ou qualquer outro grupo. Adicionalmente, muitas das ideias socialistas que entraram no partido vieram na forma distorcida da Nova Esquerda, do estalinismo e do maoísmo, que incluíam elementos de nacionalismo e uma aproximação burocrática das políticas revolucionárias. Apesar de tudo, foram capazes de ganhar alguns trabalhadores brancos. O perigo do êxito de unir as lutas dos trabalhadores brancos e negros era, de fato, um risco mortal para os capitalistas, e estes redobraram seus esforços para esmagar e dividir os Panteras.

Contudo, apesar de COINTELPRO e outros esforços para esmagar o PPN, devemos entender que a repressão por si só não pode destruir uma ideia ou um movimento cujo tempo chegou. Tomemos o exemplo do Partido Bolchevique na Rússia. Eles sofreram até mesmo assédio e repressão piores, com dezenas de milhares de ativistas detidos, aprisionados, deportados, torturados e mortos. Mas o programa dos Bolcheviques resumia as necessidades dos trabalhadores e camponeses do Império Russo e teve êxito em uni-los em uma luta de massas contra o czarismo e o capitalismo. Através da “explicação paciente” e de uma apresentação cristalinamente clara das perspectivas e tarefas da revolução, os Bolcheviques foram capazes de ganhar a maioria para seu programa e tiveram êxito em derrubar os capitalistas – apesar da cruel repressão. Quando suas ideias capturaram a imaginação das massas e se converteram em uma força material, foi o apagar das luzes dos apoiadores do velho sistema.

Conclusão

Podemos tirar muitas lições da experiência dos Panteras Negras. Dizem que “a história não desperdiça nada”. A magnífica luta dos camaradas do PPN ao desafiar o status quo da supremacia branca não foi inútil. Mas os problemas fundamentais enfrentados pela maioria dos Negros estadunidenses permanecem. Juntos aos seus irmãos e irmãs de classe de todas as origens étnicas e raciais, os jovens Negros estadunidenses ainda estão buscando uma maneira de escapar do beco sem saída da pobreza, desemprego e falta de oportunidades. Há sede de ideias e organização e uma busca inconsciente de um programa que possa efetivamente guiar sua ação. A tarefa dos Marxistas é dar forma concreta a esses desejos inconscientes.

A verdadeira libertação Negra somente é possível na base de uma revolução socialista. Como explicamos em Luta Negra e Revolução Socialista:

“O problema enfrentado pelos trabalhadores Negros são os problemas da classe trabalhadora em seu conjunto, apenas que de uma forma mais aguda. Eles formam um substrato particularmente oprimido da classe trabalhadora. Mas não é uma questão de fazer com que as camadas super-exploradas da classe simplesmente esperem até que a classe trabalhadora, em seu conjunto, esteja pronta e disposta para a luta. Como Marxistas, estamos na linha de frente da luta diária contra o racismo e a discriminação. O desejo incendiário de lutar contra a opressão deve ser aproveitado para elevar a consciência e a unidade da classe, para separar todos os trabalhadores do Partido Democrata, para construir um partido dos trabalhadores de massas que possa representar os interesses de todo o povo trabalhador. A luta contra a dupla opressão dos Negros e de outras minorias deve estar ligada à luta da classe trabalhadora como um todo. Em última instância, o único caminho para que os Negros e outras minorias nos EUA possam alcançar sua emancipação é através da transformação socialista da sociedade”.

19 de setembro de 2014

St. Louis, Missouri