Teletrabalho e EAD em SP: sobre “direitos e deveres” dos professores e estudantes

Devido à pandemia que tornou necessária a quarentena, após o confisco de nossas férias e recessos, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (Seduc) iniciou seu desenvolvimento de propostas para efetivação do teletrabalho (realização de trabalhos via atividade remota do professor em sua residência) e do Ensino a Distância (EAD) – organização de palestras virtuais para milhares de alunos em substituição às aulas dos professores –, na rede. Em meio a trapalhadas e assédios de todos os tipos, vemos o governo usar da situação para intensificar a exploração dos professores e minimizar ainda mais o acesso ao conhecimento por parte dos estudantes. 

Neste contexto, muitas dúvidas recaem sobre os professores desta e de outras redes de ensino. Assim, este texto tem, por objetivo, elucidar algumas delas, apontando tarefas coletivas frente a essa situação. 

Qual a função do professor? 

Analisamos brevemente a Resolução nº 52/2013. Ela estabelecia o perfil e as competências necessárias aos cargos de Supervisor, Professor de Educação Básica I (PEB I ) e Professores de Educação Básica II (PEB II) das diversas linguagens para o concurso público daquele ano. Na p. 7, que falam em termos gerais do “educador” e do que será exigido dos futuros professores, É muito claro as funções do professor são sempre pedagógicas: visam à compreensão e desenvolvimento de tarefas educativas voltadas ao ensino e à relação com a comunidade escolar, por meio de atividade pedagógicas. 

Não há UMA linha sequer, uma afirmação, que exija do professor tarefas administrativas, como carregar ou entregar livros didáticos. Também não há nenhuma especificação quanto ao professor ter como pré-requisito, condições de trabalho próprios para efetivação de seu cargo. É preciso ter claro isso, em especial no momento que vivemos. 

Assim, fica claro que exigências como a do trabalho presencial de alguns docentes para fornecimento de material didático às famílias é um claro exemplo de superexploração dos professores da rede, mais especificamente um desvio de função.  

Nas escolas de SP falta tudo! Materiais didáticos e, em especial, pessoas. Faltam agentes escolares nos corredores, faltam técnicos-administrativos para cuidar da parte burocrática da escola. Salários são atrasados, benefícios entravados. E nesta situação, essas contradições são expostas de modo transparente. E não é nossa função esconder isso aceitando o desvio função. Só temos o dever de realizar o que está em nosso edital de trabalho. Qualquer exigência fora disso é superexploração, e deve ser rechaçada pela categoria.  

De quem é a responsabilidade pelas condições de trabalho? 

De acordo com o Estatuto do Magistério (Lei 444/85), em seu artigo 61, são DIREITOS dos professores: 

I – ter a seu alcance informações educacionais, bibliografia, material didático e outros instrumentos bem como contar com assistência técnica que auxilie e estimule a melhoria de seu desempenho profissional e a ampliação de seus conhecimentos; […] 

III – dispor, no ambiente de trabalho, de instalações e material técnico-pedagógico suficientes e adequados para que possa exercer com eficiência e eficácia suas funções ;” 

Como vemos, a responsabilidade por dar as condições de trabalho, mesmo na legislação burguesa vigente na Lei 444, é total do Estado. Assim, nenhum professor pode aceitar uma determinação para exercer sua função, sem que o Estado forneça os meios mínimos para isso. Ou seja, no caso da exigência por teletrabalho: internet e dispositivos eletrônicos com recursos para realização do trabalho. Isso é o mínimo e nem isso é disponibilizado. Em contrapartida, professores são assediados, com exigências absurdas, como a de ficarem logados em seu período de trabalho, utilizando internet e dispositivos eletrônicos pessoais. Em caso de recusa, aos professores seriam apontadas faltas. Sejamos claros, mesmo de acordo com essa legislação, burguesa, qualquer ameaça nesse sentido não passa de bravata. 

Exigências como as supracitadas nem sequer são possíveis de acordo com o “Documento Orientador” da Seduc (abril/2020) para o trabalho remoto. E mesmo ele estabelece que, no período de trabalho “o principal meio de controle de frequência será as entregas de atividades previstas nos Planos de Aula, com a sequência pedagógica, pelos docentes”. Porém, mesmo esse documento ignora a falta de recursos dos docentes e estudantes na rede. 

E quanto aos direitos dos estudantes?

Salta aos olhos, ainda analisando a Lei 444/85, em seu artigo 63 os seguintes trechos:

“XIII – considerar os princípios psico-pedagógicos, a realidade sócio-econômica da clientela escolar e as diretrizes da Política Educacional da escolha e utilização de materiais, procedimentos didáticos e instrumentos de avaliação do processo ensino-aprendizagem; 

Parágrafo único – Constitui falta grave do integrante do Quadro do Magistério impedir que o aluno participe das atividades escolares em razão de qualquer carência material.” (Grifo nosso)

Lindas palavras, frente a ações podres! A Seduc desconsidera completamente a absoluta falta de acesso dos estudantes da rede estadual de São Paulo. Mais do que, comete, de acordo com seu próprio estatuto, FALTA GRAVE, impedindo que uma parte significativa dos estudantes acessem o conhecimento. Temos salas de aula como ZERO alunos participando no sistema do “Google Sala de Aula”. E isso não se dá por falta de interesse, mas por ausência de condições materiais e subjetivas (treinamento) para acesso ao sistema. 

Assim, uma demanda dos professores deve ser sim a exigência de todos os recursos para que os alunos tenham condições de minimizar o prejuízo educacional neste período. Isso significa dispositivos eletrônicos adequados, acesso à internet e cursos de formação para acesso. Porém, como sabemos, isso não existe nem para professores, quanto mais para os estudantes. 

Nossas tarefas 

Não é nossa tarefa tapar os buracos cavados pelo Estado burguês. Não é nossa incumbência substituir a falta de funcionários, indo entregar livros nas escolas. Temos que denunciar a falta de funcionários, que diariamente já gera inúmeros transtornos às escolas estaduais. 

Também não é nossa responsabilidade prover nossas condições de trabalho. Isso é responsabilidade do Estado. Qualquer professor que for punido com uma ausência que seja, deve ser defendido, pois as condições para realização de nossa função não estão sendo dadas, material ou subjetivamente (cursos de formação, de fato). 

Da mesma forma, não cabe aos professores a responsabilidade de prover o acesso aos alunos. Isso também é de incumbência do Estado. É ele que deve dar os recursos e os meios para o acesso dos estudantes da rede. 

Mas então o que cabe a nós? A resposta é simples: lutar. Devemos lutar contra o assédio que tantos colegas vem sofrendo, contra a superexploração e pelo acesso à tecnologia por parte de estudantes e professores. Porém, para atingir esses objetivos, nossa luta vai muito além disso. 

A nossa função é lutar pela transformação da sociedade. O sistema capitalista mostra diariamente seu fracasso, agora de modo transparente frente à sua impotência diante da disseminação global do coronavírus. É preciso abolir esse sistema e construir uma nova sociedade onde recursos e acesso à tecnologia sejam demandas obsoletas, onde apenas o desenvolvimento humano pleno esteja no horizonte. 

Essa é a nossa luta! Junte-se a nós!