Tempo de fogo

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo 142. Clique aqui, para assinar, receber e ler online o conteúdo completo de todas as edições.

Nos últimos anos, o noticiário tem se ocupado frequentemente com os incêndios que devastam florestas no mundo inteiro – Portugal, Espanha, Califórnia nos EUA, Ilhas Canárias, novamente a Espanha etc. Agora, o fogo chegou na Amazônia e no Pantanal e queima florestas no Brasil, Bolívia, Paraguai. Esse é um fenômeno natural ou é causado pela intervenção humana?

Há mudanças no clima, causadas pela intervenção humana nos últimos séculos. A industrialização levou ao aumento do CO2 (gás carbônico) e, segundo estudos, isso levou também a um aumento da temperatura média do planeta. Porém, o CO2, por si só, já é um veneno para a maioria das espécies animais, inclusive o próprio homem. Outras mudanças climáticas, em decorrência da exploração capitalista, como a desertificação de campos, destruição de florestas, envenenamento de campos de agricultura etc, levam ao aumento de ventos, mudanças nas correntes marítimas, nas correntes de ar e na umidade. O aumento das queimas de florestas pode estar ligado a isso. É uma hipótese a verificar.

O que é notório, no caso da Amazônia brasileira, é que a queima da floresta tem sido utilizada como forma de aumento da área pastoril e agriculturável.

A política de “ocupar” a Amazônia

Essa queima tem sido ligada – e com razão – a setores de agricultores sem capital suficiente para explorar a madeira ou para cumprir os requisitos legais de “desflorestamento controlado” que prevê a lei. Os focos de incêndio na Amazônia são, em sua imensa maioria, na periferia sul da floresta, mostrando o avanço dos agricultores em direção ao norte e ao coração da floresta.

O discurso político de Bolsonaro e suas medidas de desmonte da fiscalização do cumprimento das leis ambientais levou a um aumento desses focos de incêndio. O sistema de combate aos incêndios foi desmontado no fim do ano, a fiscalização do Ibama foi paralisada, órgãos de pesquisa como o Inpe tiveram suas direções trocadas. Nas redes sociais dos fazendeiros o “dia do fogo” em 10 de agosto foi propagandeado. E Bolsonaro, ao invés de combater os que ocupam as terras, culpa ONGs e índios pela queima.

Os focos de incêndio aumentaram (mais de 80% em relação ao ano passado, voltando aos índices de 2002/2004). O clima seco que favorece os incêndios no mundo inteiro fez o trabalho restante. A vontade dos jovens de defender a floresta se expressou nas manifestações e fez com que o grito de “Fora Bolsonaro” fosse novamente espalhado pelas ruas e cidades do país.

Ao contrário do que acontece no cerrado, onde o fogo recorrente construiu um tipo de bioma que se regenera, o bioma da Amazônia não se regenera tão facilmente. As árvores queimadas liberam toneladas de CO2 na atmosfera e o pasto ou a plantação de soja que as substituirão não vão absorver o que foi liberado. Toda a riqueza do bioma será destruída. O que hoje é uma floresta tropical pode ter o destino do Saara na África: virar um deserto. Os cientistas calculam que se for destruída mais de 40% da floresta (e já foram 20%!) ela não sobreviverá. A região do sudeste, no vale do Paraíba, mostra o futuro da Amazônia – a outrora imponente Mata Atlântica é hoje capim ralo.

Quem manda no agronegócio?

O chamado agronegócio, daquela propaganda da Globo (“agro é tech, agro é pop, agro é tudo”) tem um dono. E ele não fica no Brasil. As grandes multinacionais de sementes e agrotóxicos, como a Monsanto/Byer, são os verdadeiros donos desse setor. Essas multinacionais fornecem as sementes, os agrotóxicos e garantem o acesso do resultado (soja, milho, carne, algodão) ao mercado mundial. Complementam o setor as grandes multinacionais de tratores e de software para agricultura – Ford, Agrale, John Deere, New Holland, Massey Ferguson, Landini etc.

Essa situação é o que leva aos posicionamentos diferentes dos governos. Enquanto Macron (França) quer romper o acordo com o Mercosul, Merkel (Alemanha) quer mantê-lo (defendendo os interesses da Byer). Já os EUA não definiram sua posição completa, devido ao seu conflito interno. Ford, Massey Ferguson, John Deere, Monsanto tem interesse direto no setor, enquanto os produtores de soja e milho têm interesse em “queimar” (desculpem o trocadilho) o setor de agronegócios brasileiro. Esse é o verdadeiro conflito que atravessa a situação e faz com que as manifestações contra as queimadas na Amazônia tenham um apoio e um incentivo importante de parte da burguesia, que pouco se importa que os ali presentes se digam “anti-capitalistas”.

Aos jovens que querem acabar com as queimadas e com o envenenamento nos campos nós alertamos:  não podemos fazer o jogo de nenhum desses interesses capitalistas. Para acabar com as queimadas e o envenenamento dos campos é necessário a revolução no Brasil, a tomada das fábricas de tratores e agrotóxicos pelos trabalhadores, o seu controle pelos operários e a revolução no mundo, particularmente nos países imperialistas.