A turbulência política britânica se enraizou. Desde as eleições gerais – há apenas uma semana – Theresa May vem lutando desesperadamente por sua sobrevivência política. A cada momento, sua autoridade política está sendo esvaziada, implacavelmente. No último lance dos dados, ela se voltou para o sectário DUP [Partido Democrático Unionista, em suas siglas em inglês], uma organização reacionária, para regatear apoio e um colete salva-vidas parlamentar.
A perspectiva de um acordo com o DUP, no entanto, provocou considerável alarme, mesmo nos círculos Tory. Sir John Major, o ex-primeiro-ministro Tory, via um acordo como um sério risco ao Acordo da Sexta-Feira Santa, que se encontra em situação frágil. O executivo e a assembleia de compartilhamento do poder de Stormont entraram em colapso. O acordo com o DUP colocará em risco as tentativas de restaurar o governo na Irlanda do Norte. Esse arranjo sórdido também pode ser visto como compra de votos, com May sendo forçada a pagar em dinheiro vivo pelo apoio do DUP.
Mesmo que o acordo se efetive, o que é provável, o governo de May só teria uma maioria de dois, um galho muito fino para servir de descanso. No caminho rochoso à frente, o governo vai enfrentar uma revolta após outra, e também o assédio de uma oposição encorajada. Esta “coalizão do caos” vai ser, certamente, um governo de instabilidade e crise.
“Mulher no corredor da morte”
As divisões floresceram dentro do partido Tory onde a abatida Theresa May é desafiada a todo momento. A observação de Osborne de que ela era “uma mulher no corredor da morte” não está muito longe do alvo. Poderia haver facilmente um desafio à liderança depois do Verão, com Boris Johnson e outros se alinhando para alcançar o topo.
May já foi forçada a descartar sem muitas cerimônias seus dois principais conselheiros, Nick Timothy e Fiona Hill, que se tornaram figuras odiadas pela forma como protegiam a primeira-ministra. Havia ameaças de que, se não caíssem sobre suas espadas, May iria enfrentar um desafio imediato à liderança, que ela perderia. Houve críticas internas, entre os Conservadores, de que as decisões governamentais estavam sendo tomadas por uma pequena camarilha em torno de May, que excluíam seus ministros. Agora, os Tories de posição mais elevada exigiram a implementação do governo de Gabinete e começaram a flexionar seus músculos neste vácuo de poder. O chanceler Philip Hammond, que repetidamente entrou em choque com May e seu círculo, agora está apresentando sua própria agenda, especialmente sobre a Brexit. Seus pontos de vista estão mais em linha com os interesses das grandes empresas, uma vez que buscam manter o acesso aos mercados europeus.
Outros mais se juntaram para apoiar Hammond e pressionar May. David Cameron clamou publicamente por uma Brexit “mais branda”, refletindo mais uma vez os temores dos bancos e da City de Londres. Ele disse que May deve conversar com a oposição Trabalhista para desenvolver uma abordagem mais consensual. “Vai ser difícil, não há dúvida sobre isto, mas talvez seja uma oportunidade de se consultar mais amplamente com outros partidos sobre a melhor forma de se conseguir isso”, disse ele. John Major saltou para apoiá-lo. William Hague, o ex-líder Tory, também pediu por negociações entre os partidos. Isto atraiu o apoio de Lord Mandelson, o arquiteto do Novo Trabalhismo. O Partido Trabalhista deve evitar a armadilha e manter uma posição independente.
Downing Street está resistindo a esses movimentos por medo de despertar um ninho de marimbondos dentro do partido sobre a Europa. Mas as negociações da Brexit estão para iniciar dentro de dias. À medida em que surjam as diferenças e May se veja obrigada a fazer concessões, a linha dura dos Brexiters [apoiadores linha dura da Brexit – NDT] dentro do partido Tory vai criar enormes problemas para o governo de minoria de May, que será lançado em várias direções. Uma guerra civil dentro do partido Tory não estará muito longe.
Uma Tempestade Perfeita
David Cameron, no entanto, é inflexível quanto a que May deve resistir a todas as tentativas de aguar a austeridade, como estão sugerindo alguns Tories. Para ele, abandonar a austeridade seria um retrocesso na questão do equilíbrio orçamentário. “De repente não será a terra do leite e do mel”, comentou ele.
O ex-primeiro-ministro continuou advertindo severamente: “Se deixas o teu país com uma relação dívida/PIB que é muito elevada, a próxima tempestade que está chegando – e haverá tempestade, sempre há, não abolimos o auge e o colapso, não abolimos os ciclos comerciais – a próxima tempestade que está chegando te derrubará” (FT, 13/6/17).
Esta não é uma ameaça banal. Passaram-se mais de oito anos desde a recessão mundial de 2008. A chamada recuperação se exauriu completamente. Uma nova e devastadora recessão está na ordem do dia.
O governo minoritário de May está enfrentando uma verdadeira tempestade. A economia britânica mais uma vez paralisou, crescendo apenas 0,2% no último trimestre. De ser o país do G7 de crescimento mais forte no passado, tornou-se agora o mais fraco. A inflação está aumentando e os salários reais caindo. Isso vai se intensificar nos próximos meses. As avaliações das empresas foram mais fracas e a produção industrial reduzida. As vendas no varejo no Reino Unido caíram 1,2% em maio, uma queda muito maior que a esperada, um sinal de queda da demanda que afetará a produção.
A incerteza sobre a Brexit está mostrando a verdadeira debilidade estrutural da economia britânica, com sua dependência da frágil demanda do consumidor. Desconectado dos mercados europeus, o capitalismo britânico vai sentir os ventos gélidos do isolamento. Os riscos de uma colisão desastrosa na Brexit vão exacerbar a situação. Enquanto a Europa vai pegar um resfriado, a Grã-Bretanha vai sofrer uma pneumonia.
Raiva palpável
A tragédia do incêndio catastrófico na Torre Grenfell, no Noroeste de Londres, onde possivelmente 100 pessoas perderam suas vidas, deu origem à ira nas ruas. Como disse um exausto residente nesta manhã, “a única coisa que me mantém ativo é a adrenalina e a raiva. Tenho que continuar, pois, se desisto, sinto que não vou me levantar mais”.
O prefeito de Londres, Sadiq Khan, foi confrontado e interrompido por uma multidão enraivecida de 300 pessoas que, justificadamente, exigiram ação imediata, e não conversa fiada. Inclusive uma criança o pressionou repetidamente sobre as mortes de crianças e sobre o que estava sendo feito sobre isto. A raiva é palpável. Quando Andrea Leadsom, uma ex-candidata à liderança Tory, visitou a área, também foi questionada.
O fato de que Theresa May tenha visitado a área sem falar com a população local somente aumentou a raiva. Em total contraste, Jeremy Corbyn, o líder Trabalhista, compareceu e se reuniu com os residentes locais, abraçando-os e consolando-os. A desculpa do governo foi que a presença de May implicava um risco de segurança que reduziria os recursos destinados aos serviços de emergência! As ações de May são as ações de uma pessoa que está distante do sofrimento das pessoas comuns. Ela foi inclusive acusada de “ocultar sua humanidade” por Michael Portillo. Sob pressão, ela ordenou um inquérito público, mas as pessoas sabem que esta tragédia era evitável. A tragédia levou a perguntas sobre a austeridade e sobre a qualidade inadequada do fornecimento de moradias em nossas cidades. Mas os Tories não tinham respostas.
Para aumentar a agonia, o delegado de May junto a sua desastrada chefia conjunta de pessoal é o ex-ministro da moradia, Gavin Barwell. Contudo, este consultor encontra-se agora sob investigação depois que se revelou que ele “se sentou” em cima de um relatório que advertia sobre riscos de incêndio nos blocos da torre. A responsabilidade por tudo isso alcança o topo do governo.
Tories fora! Corbyn!
Não surpreende que a popularidade de May esteja constantemente se reduzindo. Sua abordagem do desastre da Torre Grenfell poderia ser seu naufrágio final. Uma pesquisa YouGov realizada na quinta-feira mostrou que sua taxa líquida de popularidade caiu para menos de 34 pontos depois da eleição, mais de dez pontos abaixo da medição em abril. Em contraste, a taxa de Jeremy Corbyn melhorou de um pouco menos de 42 pontos por mais 6 pontos, uma mudança brusca.
O discurso surrealista da Rainha, que foi adiado devido às contínuas negociações com o DUP, foi agora reprogramado para a próxima quarta-feira. Essa abertura oficial do Parlamento está ocorrendo em meio a intensas turbulências políticas em torno de Theresa May e seu “governo do caos”. Eventos desastrosos estão se empilhando uns sobre os outros em sucessão rápida. Más notícias geram ainda mais más notícias.
Está claro que este governo de crise não durará. Converteu-se em um para-raios da ira pública. Seu destino está suspenso por um fio. Mesmo o acordo com o DUP só lhe oferece uma maioria de dois assentos, o que dificilmente o torna “forte e estável”. Vai ser, portanto, um Verão político muito quente e o governo pode cair no Outono.
Esse cenário abrirá a perspectiva de uma nova eleição geral dentro dos próximos meses, de forma similar aos eventos de 1974. Isto significa a perspectiva real de um governo Trabalhista sob a liderança de Corbyn, que servirá para lançar o establishment britânico no pânico. Isto é apenas um reflexo do período de viradas bruscas e mudanças repentinas em que vivemos. Esse resultado abrirá um novo capítulo turbulento na luta pela mudança da sociedade, em que as ideias do Marxismo vão desempenhar um papel fundamental.
Publicado originalmente em 20 de junho de 2017, no site da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “May on the ropes – Britain’s political turmoil intensifies“.
Tradução de Fabiano Leite.