Foto: Senado Federal

Título de eleitor: prioridade para a luta ou adaptação?

Durante o último período presenciamos a indignação de amplas camadas dos dirigentes da esquerda reformista e das celebridades pequeno-burguesas nas redes sociais em relação ao fato de apenas 10% dos jovens entre 16 e 18 anos terem tirado seu título de eleitor para participar das eleições deste ano, sendo o menor índice de eleitores adolescentes da história.

Atores, cantores, políticos de esquerda, influencers e ex-BBBs do Brasil inteiro, de Larissa Manoela à Zeca Pagodinho, iniciaram uma campanha para que os jovens tirem seus títulos, em virtude da “democracia” e considerando ser a única maneira de tirar Bolsonaro do poder. Isso levou a muitos famosos, representantes e seguidores culparem essa maioria de jovens caso Bolsonaro permaneça no cargo. Até mesmo o ator norte-americano, Mark Ruffalo, famoso por interpretar o Hulk nos filmes da Marvel, participou apontando que “foi com o poder do voto que os americanos derrotaram Trump em 2020”. No entanto, ele esqueceu de avisar que quem entrou no lugar de Trump foi o também reacionário Joe Biden, que agora enfrenta índices de rejeição nas alturas devido a sua impacaidade de resolver os problemas da classe trabalhadora e da juventude norte-america por ser apenas mais um representante da burguesia, só que mais “palatável” do que Trump.

Essa camada que não vê saída além das eleições e não enxerga (ou não quer enxergar por motivos políticos) além da superfície, vê esses índices de abstinência política como uma “despolitização” da grande maioria da juventude, e joga a culpa em suas bases, na juventude e nos trabalhadores, por todos os problemas. Em uma tentativa de legitimar o sistema eleitoral burguês, um analista do TSE aponta motivos surreais para esses dados, como a inversão demográfica ou a falta de uma campanha do TSE nas escolas devido a pandemia. Essas afirmações buscam criar uma ideia de que os jovens ainda confiam nas eleições, mas na verdade nada explicam sobre os motivos dessa abstenção eleitoral.

O papel das direções

O que estamos vendo é resultado da ação das próprias direções operárias reformistas, oportunistas e eleitoreiras.

Por um lado, a rejeição ao governo Bolsonaro e aos candidatos da burguesia atingem níveis elevados. Em 2019, ocorreram as maiores manifestações contra esse governo, em que amplas camadas da juventude participaram politicamente pela primeira vez de atos de rua. Ano retrasado, em plena ascensão da pandemia, os jovens com as torcidas organizadas expulsaram os bolsonaristas das ruas sem grande esforço. E ano passado, mesmo em plena pandemia, tivemos grandes manifestações contra esse governo que poderiam ter evoluído para a derrubada desse. A questão é que todos esses atos foram sabotados diretamente pelas direções operárias, estudantis e dos partidos de esquerda, que modificaram o sentido da palavra de ordem Fora Bolsonaro, tirando seu conteúdo de repúdio ao sistema, para a saída eleitoral e o Lula em 2022.

Uma ampla camada de jovens entendem que não é mais possível suportar Bolsonaro no poder, porém compreendem que alternativas como Moro (Podemos) e Doria (PSDB) significam a mesma coisa que ele, e se lembram que quando Lula esteve no poder traiu os trabalhadores e a juventude diversas vezes, aplicando um programa burguês no governo, com direito a várias medidas de austeridade. Contudo, mesmo com esse passado, Lula poderia trazer essa camada de insatisfeitos cada vez mais crescente com uma autocrítica e um programa de independência de classe. Mesmo se ele jogasse de maneira demagógica com um discurso nesse sentido, poderia atrair boa parte dessas camadas, como fez em 2006 contra Alckmin (na época, filiado ao PSDB). Mas o fato é que Lula prefere jogar esses eleitores insatisfeitos aos votos nulos e à possibilidade de serem ganhos por um demagogo burguês como Ciro Gomes (PDT), que se aproveita dessa crescente virada à direita do PT pra se colocar como uma suposta alternativa à esquerda, criticando hipocritamente o conciliacionismo lulista e chegando a chamar os apoiadores do PT de “Os Novos Tucanos” (em referência à banda Novos Baianos), ignorando que o próprio Ciro somente passou por partidos burgueses reacionários em toda a sua trajetória política, incluindo o PSDB.

Mas a prioridade de Lula não é ter apenas o apoio popular das amplas camadas insatisfeitas (até a grande maioria dos que vão votar nele votarão para barrar o Bolsonaro, e não por acreditar que Lula pode resolver todos seus problemas), mas principalmente da burguesia, chamando o ultrarreacionário conhecido inimigo dos trabalhadores Geraldo Alckmin (PSB) para vice, aliando-se com as figuras mais ligadas à burguesia e ao sistema, pra passar confiança à classe dominante de que ele será um servo fiel dela. Com essa ação, ele consegue afastar ainda mais essas camadas insatisfeitas, que o olham como mais uma figura do “centrão” político, que vai manter tudo como está e atacar os trabalhadores em conluio com seus inimigos declarados.

Também é lamentável o papel do PSOL, que vinha ganhando apoio ao se colocar como alternativa à esquerda do PT e atualmente dissolve todas essas diferenças, aderindo totalmente à campanha lulista, deixando de lançar Boulos em SP para apoiar Haddad e provavelmente deixando de lançar candidato à presidência pra apoiar Lula desde o começo do primeiro turno. Não é preciso dizer que essas táticas foram elogiadas pela grande maioria daqueles que agora criticam os jovens por não quererem tirar seus títulos de eleitor, ou seja, por aqueles que apenas enxergam a via parlamentar como única possível.

Um exemplo da falência das direções de esquerda pode ser visto na campanha da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes), comandada pelas juventudes do PT e PCdoB, baseada unicamente para que os jovens tirem seu título de eleitor. A entidade explica em seu site que “só com a sua participação será possível ver e viver uma real mudança no Brasil“. As direções e entidades que representam a maioria dos trabalhadores e da juventude estão tão adaptadas ao sistema capitalista que fazem a defesa das instituições burguesas e rebaixam completamente as pautas mais importantes de nossa classe. Nas palavras da própria presidente da Ubes, Rozana Barroso:

“É por meio das leis construídas no Congresso que podemos garantir nossos direitos, como uma educação de qualidade e mais igualitária para todos. É só pelo nosso voto que poderemos ver novamente um Enem mais justo, uma escola mais inclusiva e ter cada vez mais brasileiros na Universidade”.

Aliás, essas direções são as principais responsáveis por essa confusão entre as bases, essa crença de que apenas as eleições podem resolver tudo que acabam jogando parcelas dos oprimidos contra as outras, que as chamam de “estúpidas” e “responsáveis por ajudar Bolsonaro a ficar no poder“, simplesmente por se recusarem a fazer parte desse circo eleitoral. Nós não temos nada a ganhar com esse tipo de campanha.

Entretanto, diante dessas críticas, é comum ouvir as dúvidas das bases como: “O que podemos fazer sobre isso? Nossas únicas armas neste momento são as eleições, não?“. E é isso que as direções de “esquerda” querem que as massas trabalhadoras e estudantis acreditem, após sabotarem todas as outras armas, pra que eles possam fugir da culpa de não mobilizarem a luta que deveria estar sendo feita nas ruas, e em cada local de trabalho e de estudo. Mas na verdade as eleições manterão o sistema e os problemas fundamentais da classe trabalhadora. Nossa única saída é a luta nas ruas e em cada local de estudo e de trabalho pela mobilização dos trabalhadores e da juventude pra derrubar não só esse governo, mas todo esse sistema, e construir um governo socialista dos trabalhadores sem patrões e nem generais, em que os trabalhadores comandem diretamente tanto a política, quanto a economia, ou seja, a produção e a distribuição brasileira.

Isso significa que os marxistas não devem participar das eleições? Para responder a essa pergunta, indicamos a leitura do artigo “A participação dos marxistas nas eleições e no parlamento burguês“, no qual explicamos:

Em uma situação em que ainda se conservam ilusões nas instituições capitalistas, a tarefa dos marxistas é utilizar as eleições e a tribuna parlamentar para educar a classe, desmascarando o verdadeiro caráter do Estado burguês e organizando o combate a ser travado no terreno vivo da luta de classes, fora do parlamento.

Não é um princípio, para os revolucionários, participar de todas as eleições. Em 1905, na Rússia, os bolcheviques defenderam, corretamente, o boicote ativo às eleições da Duma (Assembleia Nacional) convocadas pelo czar. Contudo, é importante lembrar que isso ocorreu em uma situação particular. O contexto era de crescente ação revolucionária das massas. Havia o surgimento de organismos de duplo poder, os soviets, o partido social democrata (tanto bolcheviques, quanto mencheviques) estava na ilegalidade, e a Duma teria um caráter meramente consultivo, sendo utilizada pelo czar para manobrar, conter a revolução, e manter o regime autocrático. Já em outras circunstâncias posteriores, os bolcheviques participaram das eleições e elegeram deputados para a Duma, utilizando-a como uma tribuna para denunciar o czarismo e fortalecer a organização do proletariado.

Ao invés de participar de uma ação que alimenta as ilusões nas instituições burguesas, que desvia a luta contra o governo Bolsonaro, tirando o combate das ruas e levando para a arena eleitoral, o que aqueles que se dizem representantes dos trabalhadores e da juventude deveriam fazer é explicar os ilimites do Parlamento burguês e impulsionando o combate concreto na luta de classes, seja pelas pautas mais imediatas ou o combate para por um fim nesse sistema.