Mobilização inédita dos trabalhadores mineiros da Companhia Vale do Rio Doce, em Itabira (MG), paralisou a cidade em defesa dos empregos e pela re-estatização e chamou a atenção do país para o problema das demissões no setor.
Formada após a realização de uma Audiência Pública na Assembléia Legislativa de MG, a Frente em Defesa do Emprego e dos Municípios Mineradores – impulsionada pelos sindicatos da categoria (Sind. Metabase de Itabira e Congonhas) e da qual participam outros sindicatos, parlamentares, movimentos sociais, prefeituras e associações civis – convocou, para o dia 08/01, uma paralisação geral e uma série de atividades.
De madrugada, cerca de 350 manifestantes foram até a entrada da Mina Conceição. A idéia era fazer uma grande assembléia com os mineiros, mas o forte aparato da Polícia Militar e a pressão exercida pela Vale durante a semana, intimidou os trabalhadores.
Mesmo assim, os mineiros desceram dos ônibus e, enquanto caminhavam em direção ao trabalho, recebiam a solidariedade dos manifestantes. Uma delegação de trabalhadores da fábrica ocupada Flaskô e militantes da EM estiveram presentes e conseguiram distribuir jornais e fazer uso do carro de som, explicando aos trabalhadores que a saída da crise é a ocupação das minas para defender os empregos e a luta pela re-estatização sob controle dos trabalhadores.
À tarde, houve apresentações artísticas em praça pública, enquanto mais e mais pessoas se concentravam para a passeata. Os servidores públicos municipais foram liberados do expediente às 13h para participarem do ato e o comércio fechou as portas às 16h. A cidade inteira parou para protestar contra as demissões, afinal, cerca de 80% da arrecadação do município gira em torno da Vale. Além disso, segundo os lojistas, as vendas no Natal caíram 10%, devido às demissões.
Com a queda na produção e o desemprego, a Vale causará um impacto devastador em toda a histórica região do quadrilátero ferrífero que, aliás, é o berço da companhia.
A marcha foi engrossada com sindicalistas de várias partes de MG, com delegações de SP, RJ e ES e ganhou repercussão nacional. Com isso, espera-se que o governador Aécio Neves e o presidente Lula, atendam uma comissão e tomem medidas para salvar os empregos.
Em novembro, quando soube das demissões, Lula tratou de amenizar a questão e apenas sugeriu uma diversificação maior dos negócios da empresa. Por sua vez, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, considerou “razoável” a decisão de Roger Agnelli, presidente da Vale: “Nós gostaríamos que não houvesse corte nenhum e que houvesse até uma elevação. Mas, diante da situação mundial, como o mercado consumidor se retraiu um pouco, é razoável que ele tome uma posição dessa natureza, por prudência”. É “razoável” demitir milhares de trabalhadores?
Crise golpeia a Vale, mas empresa manteve seus lucros
A Vale encerrou o ano de 2008 comunicando fechamento de unidades, redução das atividades, demissões e férias coletivas no Brasil e em outros países onde atua. A crise econômica mundial golpeia a empresa: a primeira advertência foi a queda no valor das ações da Vale. Em maio de 2008, o índice da empresa na Bolsa de Valores de SP era de 73.500 pontos, mas no final de outubro, quando a bolha financeira internacional estourou, o índice caiu para 29.400 e não há sinais de recuperação.
Em seguida, a empresa admitiu: “Diante da severidade da recessão global e das incertezas sobre a evolução futura da demanda, a Vale continuará a administrar sua produção de acordo com as condições de mercado prevalecentes no curto prazo”. A partir daí, começaram os comunicados.
No país, a extração de minério de ferro é a mais prejudicada. “A indústria siderúrgica em diversas regiões do mundo vem anunciando significativos cortes de produção, estimados em aproximadamente 20% da produção global em 2007, e com implementação imediata. Tendo em vista que a única utilização do minério de ferro é na fabricação do aço, sua demanda sofreu direta e imediatamente o efeito da retração da produção siderúrgica”, disse a Vale.
A produção de minério de manganês e ferro-liga no Brasil está suspensa desde dezembro. A produtora de alumínio Valesul, que fica no RJ, teve sua atividade limitada a 40% de sua capacidade.
No exterior, a Vale vai manter desativada uma mina na França até abril desse ano e, na Noruega, deixará outra inativa até junho. Na Indonésia, a produção de níquel sofrerá queda de 20% e a unidade que refina esse minério, instalada na China, continuará operando somente com 35% de sua capacidade. Já no Canadá, de onde a Vale extrai níquel e cobre, uma mina está desativada por tempo indeterminado e outras plantas terão suas atividades suspensas no decorrer do ano.
No entanto, apesar da queda no valor das ações e na demanda mundial por minérios, a Vale fechou o ano comemorando recordes de faturamento. O lucro líquido da empresa em 2008 ficou em mais de R$ 20 bilhões, os recursos em caixa somam mais de R$ 15 bilhões e estão previstos investimentos na ordem de R$ 14 bilhões para 2009.
Os cortes e o lucro estão relacionados. A empresa vai tentar, cada vez mais, enxugar e cortar despesas para manter a valorização de seu capital, independentemente do que pode acontecer com os 62 mil trabalhadores que emprega pelo mundo, com a produção de minérios, com os municípios mineradores ou com o Brasil. A verdadeira preocupação da Vale privatizada é com sua lucratividade.
Como a folha de pagamento da Vale gira em torno de R$ 1,2 bilhão, os R$ 15 bilhões que a empresa têm em caixa atualmente seriam suficientes para garantir o emprego de todos os trabalhadores por um ano. Mas, não é essa a política da empresa.
Aliás, recentemente, o presidente da Vale, Roger Agnelli, teve a cara de pau de sugerir ao presidente Lula, “a flexibilização de direitos trabalhistas para evitar demissões em massa”. Mas, os trabalhadores sabem que perder direitos para evitar demissões, é trocar seis por meia dúzia e que ambas as medidas só servem para jogar nas costas dos trabalhadores o peso da crise.
Vale joga crise nas costas dos trabalhadores
Da mesma maneira que não dá para fazer um omelete sem quebrar os ovos, os comunicados da Vale atingiram em cheio os trabalhadores. No final do ano passado, cerca de 1.300 demissões foram anunciadas – sendo 20% em MG – outros 5.500 entraram em férias coletivas escalonadas até fevereiro – 80% em MG – e 1.200 estão em treinamento para serem realocados dentro da companhia.
No Espírito Santo, seis unidades ficaram paralisadas entre novembro de 2008 e janeiro de 2009 e, em MG, ao menos quatro minas estão com suas atividades suspensas por tempo indeterminado.
As demissões afetam a histórica região do quadrilátero ferrífero de MG. Só em Itabira, palco dos protestos, foram quase dois mil demitidos (sendo 200 trabalhadores diretos e 1.800 terceirizados) e a Mina do Cauê foi desativada, após 66 anos. Em Congonhas, quase 100 trabalhadores diretos da Vale e mais de 800 terceirizados perderam seus empregos.
Porém, a luta em defesa dos empregos e dos municípios mineradores continua. A paralisação da cidade foi só o começo da resistência, mas já foi capaz de mostrar a força da classe trabalhadora e pode servir de impulso para outras categorias. Os próprios sindicalistas da região não descartam a idéia de ocupar as minas para pressionar contra as demissões e pela re-estatização:
“Acompanhei a luta lá de Joinville, que levou os trabalhadores ao controle da empresa. É uma experiência que deve ser estudada, que pode ser viável essa saída também, aliada à política de re-estatização não só da Vale, mas também da Gerdau/Aço Minas e da própria CSN que são da nossa base e de todas as empresas que foram privatizadas”, propõe Valério Vieira Santos, diretor do Sind. Metabase de Congonhas.
“Se o setor privado não tem competência para gerir a Vale, então a empresa tem que passar para o Estado, para voltar a ser do povo brasileiro e tem que ser dirigida pelos trabalhadores”, afirma Paulo Soares de Souza, presidente do Sind. Metabase de Itabira e região.