Ilustração: Bill Lesniewsky

Trump, sua muralha e a crise do capital

Muito antes de pôr os pés na Casa Branca, quando ainda disputava as primárias internas do Partido Republicano, o bilionário Donald Trump já prometia a construção de uma muralha na fronteira com o México como uma de suas principais medidas de governo. E quem pagaria por ela seria o país latino-americano. Quase dois anos depois, já presidente dos EUA, ele tenta transformar sua promessa em realidade.

Para tanto, ele demonstra uma energia que pouco se vê em outras esferas de sua administração. Nem mesmo a resistência de muitos deputados e senadores de seu próprio partido serve de freio ao seu ímpeto. Para pressionar o Legislativo, o presidente chegou ao extremo de paralisar as atividades da máquina estatal em Washington por trinta e cinco dias, de 22 de dezembro de 2018 até 25 de janeiro de 2019. Tamanha ousadia serviu para dar o recado: Trump quer ver sua muralha sair do papel custe o que custar.

Mas nem todos esses dias de marasmo, nem os quase 11 bilhões de prejuízo causados pela inatividade dos órgãos do governo foram suficientes para persuadir o Congresso a dar seu aval para o imenso projeto. Após pouco mais de vinte dias de negociações infrutíferas, período em que a administração federal voltou a funcionar, Trump decidiu lançar mão de mais um ousado gesto: no dia 15 de fevereiro, decretou situação de emergência nacional nos EUA.

O desespero do presidente americano pode parecer, para um observador desatento, incompreensível.  A extensa fronteira entre os EUA e o México já dispõem de um implacável aparato de detenção e deportação de trabalhadores sem documentação. Cercas elétricas, drones, milhares de agentes armados e um Judiciário comprometido com a expulsão sumária dos “ilegais”, destruindo dezenas de milhares de famílias no processo. Com tais forças ao seu dispor, por que Trump se mostra tão afobado em construir a tal muralha?

A resposta pode ser encontrada na situação em que se encontra o seu governo. Mesmo tendo sido derrotado no voto pela rival democrata Hillary Clinton, Trump foi escolhido pelo colégio eleitoral, que permite um candidato chegar à presidência mesmo sem a maioria dos votos válidos, uma das peculiaridades da democracia burguesa americana. Uma vez na Casa Branca, o novo presidente teve que escutar de seu colega mexicano Peña Nieto, conhecido por suas posições pró-Washington, que o México não pagaria um centavo por mais essa humilhação. Soma-se a isso suas tiradas infames sobre mulheres, muçulmanos e diversas outros setores importantes da sociedade americana.

Mesmo na conturbada história da política interna dos EUA, que viu cinco presidentes serem assassinados enquanto exerciam o cargo, poucas vezes se viu uma administração que atraísse tanta hostilidade em tão pouco tempo. É aí que está a razão da pressa de Trump em colocar ao menos uma de suas propostas em prática. Para resgatar um mínimo de autoridade, minada mesmo aos olhos de aliados próximos, o ex-apresentador de “O Aprendiz” e agora presidente dos EUA está disposto a erguer sua muralha a qualquer preço, não importando o quanto a farsa da democracia americana seja exposta no processo.

E é exatamente aí que residem todos os temores da burguesia americana em relação ao seu mais importante funcionário. O presidente da República, fosse Trump ou qualquer outro, jamais seria capaz de colocar o establishment ianque em situações tão delicadas a uma década ou duas atrás. Todo esse circo em torno da construção da muralha, dirigido e encenado por Trump, só servirá para expor toda a falência e a podridão do capitalismo americano.