Um jovem negro assassinado e os discursos vazios contra o “genocídio negro”

João Richard de Oliveira Gama Lopes, 25, foi baleado no peito por um policial militar no bairro Jardim Ângela, em São Paulo, quando passeava em sua moto com um primo de 17 anos. O autônomo Ricardo Lopes, 46, diz ter feito o que pôde para evitar que o filho sofresse abordagens violentas da polícia por ser negro e morador da periferia. Na véspera de Natal, deixaram a casa própria em uma favela do Jardim Souza, na periferia da zona sul, e se mudaram para um imóvel alugado no Jardim Riviera, na mesma região de São Paulo.

“Saímos para evitar esses policiais maldosos e dar uma vida melhor para minha família. Não teve nem tempo de curtir a casa, porque os policiais tiraram a vida dele”, disse o pai do jovem para a Folha, horas depois de enterrar o filho nesta terça-feira (17).

Além de assassinar mais um negro, a PM ameaça os vizinhos e familiares para que não deponham sobre o que aconteceu de verdade. Este é o dia a dia que ameaça a vida dos jovens negros nos bairros operários de todas as cidades do Brasil.

Enquanto isso, dias antes, tomaram posse em Brasilia o novo Ministro dos Direitos Humanos e a nova Ministra da Igualde Racial. Seus discursos e entrevistas repercutiram em todas as mídias e redes sociais. Mas, depois do assassinato, quantos discursos, quantas palavras. E algum ato concreto para punir os assassinos, averiguar as causas e discutir medidas “estruturais” para mudar esta realidade? Ao que vimos, a resposta é não! E, como diz o ditado popular, “de boas intenções o inferno está cheio”.

A questão é que a ignorância não ajuda ninguém e muito menos acadêmicos que pensam saber mais que os outros. O Dr. Silvio Almeida, Ministro dos direito Humanos, discursou em sua posse:

Como acadêmico, eu sempre costumo dizer que o Brasil possui três problemas estruturais: a violência autoritária, o racismo e a dependência econômica.

Pena que seja um acadêmico com miopia, que não consegue enxergar que o problema estrutural do Brasil chama-se capitalismo. E, como explicou o ativista Steve Biko (assassinado pela policia racista da Africa do Sul no século passado), “racismo e capitalismo são duas faces da mesma moeda”. A violência autoritária existe no Brasil e na maioria dos países latinoamericanos porque são todos dominados pelo imperialismo, com uma burguesia fraca e que não dispõe de meios políticos próprios de fazer sua dominação de forma “tranquila e democrática”. Aqui, a violência sempre imperou.

O racismo foi inventado no mundo, a “raça branca” foi inventada para dividir os explorados. Isto começou nos EUA quando uma revolta uniu os servos brancos e negros contra a exploração[1]. O resultado – para vencer a revolta, ainda durante a colonização inglesa, foram concedidos privilégios aos “brancos” para que denunciassem e lutassem contra negros e mulatos. A fórmula se provou vitoriosa e foi exportada para o mundo inteiro.

Sobre a dependência econômica, os estudos marxistas mostrando o que é o imperialismo são bastante superiores a esta formula que nada explica (afinal, o Brasil “depende” dos EUA assim como os EUA “dependem” da exploração que fazem sobre o resto do mundo. Não existe “capitalismo em um só país”).

Tendo errado no diagnóstico, a luta do Dr. Silvio pode se tornar bastante ingrata, pois quem não vê tem dificuldades de caminhar (e, vamos ser mais precisos, um cego que treine com uma bengala pode caminhar melhor que o Dr. Silvio). E qual caminhos propõe o Dr. Silvio?

Como diz um verso de uma das nossas melhores cabeças, meu amigo Mano Brown, “eu vim da selva, sou leão, sou demais pro seu quintal”. O acesso à educação e as ações afirmativas foram fundamentais para desnaturalizar “o lugar” dos negros e negras deste país. Não cabemos no quintal de ninguém e queremos e iremos ocupar todos os espaços da sociedade brasileira.

Por outro lado, foi nas rimas do rap nacional que entendi que algumas das grandes mudanças vividas pela sociedade brasileira a partir da redemocratização não se estenderam à população pobre, negra e periférica, aos excluídos desse país. Muitos trabalhadores e trabalhadoras deste país continuam condenadas ao desemprego e ao subemprego, à falta de moradia, falta mobilidade e falta de saneamento básico.

Sim, agora temos negros ministros. E?!? Morre mais um jovem negro e nenhum ministro se dispõe a visitar a família, a dizer que a PM assassinou, a condenar a PM, a proteger os negros. E, Ministro, as cotas não resolveram o problema de “muitos” e, muito mais que isso, não resolveu o problema da imensa maioria que não é “periférica”, é parte do “centro”, é a parte que trabalha e sustenta o “resto” que nos seus gabinetes de “gerentes”, “presidente”, “ministro”, “acadêmicos” parecem os porcos no final do livro “A Revolução dos Bichos” de George Orwell.

A maioria, Dr. Silvio, continua condenada ao desemprego, à falta de moradia e à violência policial que faz parte do seu dia a dia.

O Dr. Silvio explicou:

Como um último compromisso para o futuro, deixo consignada a necessidade de se colocar os direitos humanos no centro da discussão sobre segurança pública neste país. Vários sistemas de políticas públicas sofreram profundas reformas, sendo construídos e reconstruídos a partir do processo constituinte. Na segurança pública, sem negar experiências exitosas, essas reformas permaneceram incompletas. Pela vida dos meninos e meninas deste país, daremos a nossa contribuição também neste campo, em tudo o que estiver ao alcance.

Qual segurança estamos falando? A dos prédios em Brasília ao que parece vai mal! E a dos proletários nos bairros operários, na ruas e vielas, nunca existiu. Traficantes, milicianos (uma das quais é sua colega de ministério segundo os jornais) e a PM destroem toda a segurança. Os jovens morrem no dia a dia. E os jovens quando se manifestam têm um só grito: “Não acabou? Tem que acabar! Eu quero o fim da Polícia Militar!”

Sobre isso, Dr. Silvio, o que o Sr. tem a dizer? Ao que parece, nada tem a dizer, porque nem sobre mais um assassinato chocante o Dr. se pronunciou!

E a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, discursou em sua posse:

Precisamos identificar e responsabilizar quem insiste em manter esta política de morte e encarceramento da nossa juventude negra, comprovadamente falida. Assim como estamos identificando e responsabilizando quem executou, provocou e financiou a barbárie que assistimos no último domingo. Precisamos, enquanto sociedade, ter uma conversa franca e honesta, que países no mundo inteiro já estão fazendo. Encarar a realidade de que essa política da guerra nas favelas e periferias nunca funcionou. Pelo contrário, apenas segue dilacerando famílias e alimentando um ciclo de violência sem fim…

A desigualdade econômica; a fome; a falta e a precarização de emprego; o desmonte de políticas de ações afirmativas; a insuficiência de políticas sociais; o colapso do sistema de saúde; o racismo religioso e ambiental, a violência estatal e o encarceramento são alguns dos exemplos que podemos citar para ilustrar múltiplas dimensões do genocídio da população negra… Os negros também são os que mais são mortos no Brasil, sobretudo vítimas da letalidade policial…

Um bom diagnóstico, mas quais as medidas que a Ministra propõe de imediato:

Trabalharemos nos próximos quatro anos para fortalecer a Lei de Cotas e ampliar a presença de jovens negros e pobres nas universidades públicas;

Buscaremos aumentar a visibilidade e presença de servidores negros e negras em cargos de tomada de decisão da administração pública;

Relançaremos junto a ministérios parceiros o plano juventude negra viva, que promoverá ações que visem a redução da letalidade contra a juventude negra brasileira e a ampliação de oportunidades para jovens de nosso país;

Avançaremos em uma articulação interministerial pelo fortalecimento da política nacional de saúde integral da população negra;

Retomaremos programas que propaguem direitos para comunidades quilombolas e ciganas, incidindo para a regularização fundiária, a infraestrutura, a inclusão produtiva e o desenvolvimento local com direitos e cidadania para estes povos;

Será, também, a partir da maior estruturação e fortalecimento do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial que iremos realizar ações que busquem a equidade racial em diálogo com todos os municípios, estados e órgãos da união.

Nós fizemos questão de frisar a frase ações que visem a redução da letalidade contra a juventude negra. Então não se trata de “acabar” com a letalidade (que é a letalidade policial) contra a juventude negra mas apenas “reduzi-la”? Por isso, é evidente, que a Ministra vai correr da proposta de fim da PM mais que o diabo foge da cruz. Ah, perdão por não usar a referência “correta”, mas não lembro de deuses e diabos africanos correndo de medo.

Aos familiares do jovem assassinado, nossa solidariedade. Aos demais jovens, homens e mulheres negros, a saída é uma só: confiar em suas próprias forças, porque o governo atual parece não conseguir enxergar os problemas centrais: o capitalismo, o seu estado burguês, a sua polícia racista e assassina.


[1] https://www.marxists.org/portugues/allen/1975/mes/07.htm – a luta de classes e a invenção da raça branca