Estudante perseguido por policiais na sexta-feira sangrenta, em 1968. Foto: Evandro Teixeira (CPDoc JB)

Um novo AI-5 seria possível hoje?

Deputado Eduardo Bolsonaro. Foto: Lula Marques

O deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente da República, voltou a causar revolta em 31 de outubro, ao afirmar que se a esquerda radicalizar no Brasil uma das respostas do governo poderá ser via um novo Ato Institucional Número 5 (AI-5), decretado em 1968 durante a ditadura militar. Eduardo deu essa declaração referindo-se às massivas manifestações no Chile: “O que a esquerda está chamando de protestos [no Chile] e querendo trazer para o Brasil, que na verdade a gente sabe que são vandalismos, depredações e chega a ser, sim, terrorismo. Porque eles querem fazer uma instabilidade política para tirar do poder um presidente que não é de esquerda”.

Jair Bolsonaro, por sua vez, foi a público dizer que “quem quer que fale em AI-5 está sonhando. Se ele falou isso, lamento” e mandou o filho pedir desculpas. Logo depois, o Eduardo se retratou, afirmando em entrevista à TV Bandeirantes que “talvez tenha sido infeliz” e que “não existe qualquer possibilidade de isso acontecer”.

Para além das trapalhadas políticas que já viraram a marca desse governo, as declarações de Eduardo Bolsonaro merecem atenção. Elas transparecem a natureza autoritária e repressora do Estado e revelam verdades que toda a burguesia tem vontade, mas não a insensatez, de dizer. Quais são, no entanto, as reais possibilidades de, neste momento da história do país, Bolsonaro decretar um novo AI-5?

A ditadura e o AI-5

Em 1964, a burguesia brasileira realizou um golpe militar no Brasil com o apoio de camadas da pequena burguesia. Era uma reação à luta dos trabalhadores do campo e da cidade, que faziam greves e ocupavam terras por todo o país. Nessa época, a classe operária obrigava o governo nacionalista burguês de João Goulart, o Jango (PTB), a ir mais longe do que o previsto. Tomaram-se medidas como a nacionalização completa do petróleo e o monopólio estatal da Petrobras, a reforma agrária e a reforma urbana, a legalização de partidos operários e populares, entre outras questões.

Enquanto a burguesia estava desesperada, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que era a maior direção do movimento dos trabalhadores no país, trabalhava pela “não radicalização do movimento” e, ao lado do PTB, apoiava o governo da suposta “burguesia nacional” de Jango contra o imperialismo norte-americano. Ocorre que a burguesia nativa – é claro – tinha seus interesses aliados ao capital estrangeiro.

Este grave erro do PCB – e por que não dizer, crime – resultou em as massas não serem mobilizadas às ruas quando em 1º de abril de 1964 ocorreu o golpe militar. O golpe de 64 foi um golpe de classe, um golpe da burguesia contra a classe trabalhadora.

Muitas águas correram no movimento da luta de classes a partir de 1964 e, em 1968, o mundo convulsionou. O Maio de 68, na França, a Primavera de Praga na Tchecoslováquia, a pressão pelo fim da Guerra do Vietnã, entre outros eventos, comoviam o globo todo. Também no Brasil, a base dos movimentos começava a questionar o capitalismo, o que preocupava a burguesia. No texto “A juventude e a ditadura militar”, o militante da Esquerda Marxista Evandro Colzani explicou:

“No mês de abril de 68, o assassinato do estudante secundarista Edson Luiz desencadeou uma série de mobilizações estudantis e em protesto contra sua morte, a UNE decretou greve geral estudantil. Em junho do mesmo ano ocorreu a passeata dos cem mil, na época um dos atos mais importantes contra a ditadura militar.

Desde o primeiro de maio os trabalhadores se mobilizavam de norte a sul do país, mas foi no dia 16 de julho que os operários da metalúrgica Cobrasma de Osasco (SP) entraram em cena. A sirene anunciava para as 9h o início da operação de ocupação da fábrica e imediatamente, após a ocupação, panfletos foram amplamente distribuídos para informar outras fábricas que foram parando uma a uma impulsionando o Comitê Interfábricas por cima e apesar da pelegada que dirigia a maioria dos sindicatos.

A greve de Osasco serviu para mostrar o descontentamento em relação aos salários, a repressão sindical e que existia uma perspectiva operária de resistência ao regime militar, mas as direções débeis e o triste papel do PCB que via nos militares uma resistência anti-imperialista, permitiram a reorganização da ditadura que desfechou violenta repressão ao movimento.

Em dezembro de 68 a repressão foi ‘legalizada’ através do AI-5. As manifestações foram violentamente reprimidas, começa a tortura e a perseguição aos dirigentes operários e estudantis. A UNE é posta na ilegalidade e se inicia um refluxo da classe operária.”

O AI-5 autorizou o presidente Costa e Silva a fechar o Congresso, intervir nos estados e municípios, cassar mandatos parlamentares, suspender direitos políticos de qualquer cidadão, suspender a garantia do habeas-corpus, entre outras questões. Esse Ato foi uma aposta bonapartista da burguesia para bloquear por meio da força qualquer manifestação política da classe trabalhadora a fim de implementar os planos econômicos do imperialismo até o fim no país.

Seria possível um novo AI-5 hoje?

Eduardo Bolsonaro, com suas declarações inconsequentes, demonstra o pavor que paira sobre a burguesia de um possível levante da classe trabalhadora brasileira a exemplo do Chile e da Bolívia. No entanto, no atual momento em que a própria burguesia divide-se, atacando-se entre si, não é consenso entre a classe dominante o uso de uma medida autoritária da envergadura de um AI-5. Para isso, seria necessário a classe trabalhadora estar derrotada e fragilizada como em 1968 e não é esse o cenário atual.

As organizações dos trabalhadores (sindicatos, partidos e organizações) no Brasil estão intactas e as massas demonstram ânimo para ir à luta como no Chile e na Bolívia. A palavra de ordem “Fora Bolsonaro” é chamada espontaneamente em atos por todo o país, mas a direção nacional do PSOL vota contra essa consigna e Lula afirma, no discurso após ser solto, que “Tem gente que fala que precisa derrubar o Bolsonaro. Tem gente que fala em impeachment. Veja, o cidadão foi eleito. Democraticamente, aceitamos o resultado da eleição. Esse cara tem um mandato de quatro anos.”

Assim como no Chile e na Bolívia, são as direções operárias que buscam segurar o movimento e construir um consenso com a chamada “direita democrática” para defender o Estado Democrático de Direito, suas instituições apodrecidas e o capitalismo. É essa traição que ainda segura explosões operárias no Brasil. Foi com essa conivência das direções da “esquerda” que a Reforma da Previdência passou e é isso que sustenta o governo Bolsonaro. Mas a situação é muito instável e explosões sociais podem surgir a qualquer momento. A luta de classes é muito maior do que os aparelhos utilizados para segurar e reprimir a classe trabalhadora. O Chile e a Bolívia são exemplos disso.

É por isso que os marxistas têm pressa em se organizar e construir um partido verdadeiramente operário, aos moldes do Partido Bolchevique, que deu uma direção revolucionária à Revolução Russa de 1917.