Esta é a resolução política do Comitê Central da Esquerda Marxista reunido em 26 de setembro de 2020. Nela analisamos o desenvolvimento da crise econômica e política no mundo e no Brasil, o impacto da pandemia e a disposição de luta presente na base, entre jovens e trabalhadores, o que prenuncia novas explosões de luta ao redor do mundo. Convidamos todos a ler o documento e a vir discutir conosco a construção de uma alternativa revolucionária e socialista para o futuro da humanidade. Junte-se a nós nesse combate!
Cada vez mais o capitalismo evidencia sua decadência. As tragédias que varrem o planeta, os traços de barbárie que se multiplicam, são os sintomas de um modo de produção que há muito tempo deixou de cumprir um papel progressista e tornou-se um bloqueio para o desenvolvimento das forças produtivas. Como já explicava o Programa de Transição, em 1938: “as premissas objetivas da revolução proletária não estão somente maduras, elas começam a apodrecer. Sem vitória da revolução socialista no próximo período histórico, toda a civilização humana está ameaçada de ser conduzida a uma catástrofe”.
Neste momento o capitalismo atravessa uma crise sem precedentes. No segundo trimestre de 2020 o PIB dos Estados Unidos teve uma queda anualizada de 31,7%. Em comparação com o 2º trimestre do ano passado, a economia da Espanha contraiu 22,1%, do Reino Unido 21,72%, da França 18,96%, da Itália 17,26%, da Alemanha 11,26%, do Japão 10%. A própria ONU prevê uma queda de 20% no comércio mundial em 2020.
Os Estados nacionais injetaram trilhões de dólares na economia para evitar o colapso total, mas essa política tem seus limites. A maioria dos países já estava altamente endividada, agora estão ainda mais. Alguém terá que pagar esta conta e a burguesia, como sempre, tentará jogá-la nas costas da classe trabalhadora e da pequena burguesia.
A concentração de capital tem se elevado, em especial nas grandes empresas de tecnologia: Amazon, Apple, Facebook e Google tiveram um aumento de 14% em seus lucros em meio à pandemia. Os bilionários norte-americanos aumentaram seu patrimônio em aproximadamente US$ 700 bilhões. Somente o dono da Amazon, Jeff Bezos, aumentou sua fortuna em U$ 115 bilhões entre março e julho. A especulação é desenfreada no mercado financeiro e as bolsas americanas batem recordes em plena crise. No Brasil, os 42 bilionários do país passaram de um patrimônio total de US$ 123,1 bilhões para US$ 157,1 bilhões, aumento de US$ 34 bilhões entre 18 de março e 12 de julho.
Enquanto isso, para a classe trabalhadora resta desemprego, austeridade, retirada de direitos, mais exploração e opressão. Esta é a receita para a elevação do ódio ao sistema e explosões de lutas ao redor do mundo.
EUA, Bielorrússia, Colômbia, tremores da revolução mundial
A onda revolucionária de 2019 foi temporariamente represada pelo caos gerado pela pandemia. Porém, o que vimos nos últimos meses nos EUA, na Bielorrússia e, mais recentemente, na Colômbia e Tailândia, foi a retomada de mobilizações de massa e o prenúncio do que está por vir.
No caso dos EUA, tivemos a revolta que varreu o país em maio e junho, a partir do assassinato de George Floyd pela polícia, e das novas manifestações em agosto, impulsionadas pelos sete tiros disparados em Jacob Blake pelas costas por um policial. Vale destacar também a greve dos portuários da costa oeste em solidariedade ao movimento Black Lives Matter, ou seja, uma nova greve política no coração do capitalismo. Temos ressaltado o aumento da popularidade do socialismo e mesmo do comunismo entre a população norte-americana, em particular entre a juventude. O que faz falta é um partido da classe trabalhadora para canalizar e organizar esta revolta, já que nem Republicanos, nem Democratas, são uma saída para os trabalhadores. São duas alas da burguesia imperialista que podem ter táticas distintas, mas que, centralmente, tem os mesmos objetivos.
Na Bielorrússia o ditador Alexander Lukashenko, que governa há 26 anos o país, gozava de certa estabilidade e apoio popular como um legado por ter contido parcialmente o processo de privatizações e de retirada de direito dos trabalhadores em meio à restauração capitalista nos anos 1990. Isso foi feito naquele momento para controlar uma explosão popular e garantir a transição ao capitalismo. No entanto, as recentes manifestações de massa demonstram que esta estabilidade está acabando. Nos últimos anos, a crise também tem afetado a Bielorrússia e o governo tem realizado ataques à classe trabalhadora. A postura “negacionista” de Lukashenko em relação à pandemia e mais uma fraude eleitoral em agosto, que garantiu sua reeleição, acabaram desatando grandes manifestações no país. Apoiamos a luta popular contra Lukashenko e seu regime, mas também nos contrapomos aos setores liberais burgueses, pró-União Europeia, que tentam cavalgar o movimento. Nem a Rússia de Putin (que busca aumentar sua influência sobre o país apoiando Lukashenko), nem a União Europeia (UE), são opções positivas para a luta da classe trabalhadora bielorrussa.
O exemplo mais recente de ódio ao sistema ocorreu na Colômbia. Em 9 de setembro, o advogado e taxista Javier Ordoñez foi assassinado por agentes da Polícia Nacional despois de receber 16 descargas de choque elétrico enquanto clamava por sua vida. Este crime foi filmado por testemunhas e divulgado nas redes sociais. Não apenas a atitude da polícia é similar ao caso de George Floyd, como também a reação das massas, que realizaram protestos em frente aos Centros de Atenção Imediata (CAIs), unidades da polícia em Bogotá em que são comuns os relatos de abusos, corrupção e relação com o tráfico de drogas. A repressão do aparato estatal às manifestações contou com o uso de arma letal, pelo menos 14 manifestantes morreram atingidos por armas de fogo e ao menos 80 ficaram feridos. Aproximadamente 40 CAIs foram incendiados em uma onda de revolta que se alastrou pela capital. O governo de direita de Ivan Duque tenta tratar o caso como um excesso particular de policiais mal treinados. Mas o que há é uma revolta generalizada contra a polícia, assim como ocorre nos EUA, portanto, um ódio ao pilar central de defesa do Estado burguês. Estas novas mobilizações na Colômbia retomam a luta do “Paro Nacional” de novembro de 2019, parte importante da onda revolucionária na América Latina no ano passado.
Mobilizações estão ocorrendo também na Tailândia, contra a monarquia. Nos últimos meses tivemos os protestos em Israel contra o governo Netanyahu e no Líbano, a partir da explosão no porto de Beirute. As manifestações nos EUA impulsionaram protestos na Europa contra o racismo e, vale recordar das lutas operárias, principalmente na Itália, contra a manutenção do trabalho em áreas não essenciais no momento de ascensão da pandemia. Não existe estabilidade para o capitalismo. Há divisões e conflitos entre setores da classe dominante. Novas explosões revolucionárias estão no horizonte.
Brasil e Bolsonaro
A crise econômica atinge fortemente o Brasil. O PIB teve queda de 11,4% no segundo trimestre do ano em comparação com o mesmo período do ano passado. O país está oficialmente em recessão. A taxa de desemprego medida pelo IBGE (PNAD Contínua) fechou o segundo trimestre em 13,3%, representando 12,7 milhões de pessoas procurando emprego. No entanto, a mesma pesquisa revela que a taxa de subutilização da força de trabalho ficou em 29,1%. Esta taxa soma os 12,7 milhões de desempregados, os 13,5 milhões da força de trabalho potencial – pessoas em idade para trabalhar, mas que por diferentes razões desistiram de procurar um emprego -, mais os 5,6 milhões de subocupados – que trabalharam menos horas do que gostariam (lembrando que, para o IBGE, basta ter trabalhado 1h na semana da entrevista para ser considerado ocupado). No total, são 31,8 milhões de pessoas que compõem o que se chama de força de trabalho subutilizada. A isso se somam os milhões de trabalhadores informais no país. O saldo do 1º semestre é de fechamento de 1.198.363 postos de trabalho formais. 65 milhões receberam o “auxílio emergencial” do governo – lembrando que havia um limitador de duas pessoas por residência ou família –, isto revela como a miséria chegou a maior parte das casas proletárias.
A dívida pública atingiu em julho 86,5% do PIB, é o maior patamar da série histórica iniciada em dezembro de 2006. Em todo o ano de 2019 foi pago R$ 1,37 trilhão com juros e amortizações da dívida pública federal, já em 2020, até o dia 27/8, já havia sido pago R$ 1,46 trilhão, revelando toda a submissão do governo Bolsonaro ao capital financeiro. Esses pagamentos estão sendo feitos com os resultados do Banco Central (que está tendo lucro) e com a pura e simples emissão de dinheiro pelo governo. O resultado prático disso é a desvalorização do Real e a volta da inflação, enquanto salários são rebaixados ou congelados.
Neste contexto econômico está inserida a situação política no Brasil e o governo Bolsonaro. Houve um acordo entre a burguesia e Bolsonaro para que não se avançasse na direção da derrubada do presidente, o que poderia abrir uma situação ainda mais instável e convulsiva. De um lado a burguesia e sua mídia amenizaram os ataques ao governo. Pedidos de impeachment estão travados no Congresso e diferentes processos judiciais contra Bolsonaro (interferência na Polícia Federal, Fake News, abuso de poder econômico nas eleições, Queiroz etc.) estão paralisados. Bolsonaro, por sua vez, conteve seus impulsos na tentativa de sobreviver, chegando a acordos com o Congresso e o STF.
O auxílio emergencial, que o governo queria que fosse de R$ 200,00 e o Congresso aumentou para R$ 600,00, pode ter alguma influência para que o governo não tivesse uma desintegração total de sua base de apoio, mas isso também não lhe garante uma base sólida. O valor não será mantido, já em setembro cai para metade, R$ 300,00. Nem R$ 600,00, muito menos R$ 300,00, são suficientes para ganhar o apoio de uma massa de trabalhadores que está tendo cortes brutais em seus salários, além do arrocho gerado pela inflação. A tentativa de Bolsonaro de ganhar eleitores com um novo Bolsa Família só ressalta o quão reacionário é este programa apresentado como progressista pelos dirigentes petistas.
O Estado está endividado e o governo tem pouca margem de manobra. Paulo Guedes busca conter as medidas de elevação dos gastos públicos para Bolsonaro sobreviver politicamente. O compromisso do governo com o capital internacional é o que o faz enviar um orçamento ao Congresso com cortes de verbas para educação, saúde e ciência, além de buscar avançar nas contrarreformas tributária e administrativa.
A dita oposição, dos dirigentes sindicais aos partidários, além de não fazer nem mesmo uma oposição real no parlamento ou nos sindicatos, busca paralisar e desmontar qualquer iniciativa tomada pelos trabalhadores, como se viu na greve da Renault, no Paraná, ou agora na greve dos Correios e na greve da Embraer. Sem falar do abandono dos trabalhadores da saúde e da educação. Assim permitem que os ataques sejam desferidos sem resistência. Num verdadeiro escândalo, PT, PCdoB, PSOL, votaram a favor do artigo 7º da PEC 10, que foi aprovado por 423 votos a 1 na Câmara, permitindo que os grandes bancos recebessem mais R$ 1,2 trilhão com a compra pelo BC de 100% dos títulos podres destes bancos.
As direções de PT, PCdoB, PSOL, CUT, UNE lançaram-se no primeiro semestre em frentes com setores da burguesia em nome da “defesa da democracia”, assinaram manifestos “em defesa da lei e da ordem”, e trabalharam para bloquear a luta pelo Fora Bolsonaro, mesmo tendo aderido formalmente a esta palavra de ordem. Jogam suas fichas nas eleições e preparam o caminho para 2022 com alianças vergonhosas já nas eleições de 2020, incluindo aliança do PT com um bolsonarista para a prefeitura de Belford Roxo, no Rio de Janeiro e, em Itapirapuã Paulista (SP), o PT aprovou a sua candidata a prefeita com um vice PM do PSL! A aliança está sendo contestada… pelo PSL! O PT nacional nada declarou.
Já o PSOL, ao invés de se construir como uma alternativa contra o sistema, fez alianças em diferentes município com PT, PCdoB e partidos burgueses, inclusive com o apoio de tendências autoproclamadas da esquerda do partido. No Rio de Janeiro, após a desistência de Freixo, o PSOL aprovou uma candidata à prefeita com um vice que é ex-coronel da PM. Mesmo o PCB não fica atrás na adaptação e defende publicamente a “Frente Ampla”, em Belém e Manaus compõe a coligação do PSOL com partidos burgueses como Rede, PDT e PSB.
Apesar desta covardia e adaptação das direções, a classe trabalhadora não está derrotada. A greve da Renault no Paraná, contrariando a direção do sindicato, demonstra a disposição presente na base. A greve contra as demissões na Embraer e a greve dos Correios são sinais da mesma disposição de luta. Nos EUA e na Colômbia, um caso de violência policial foi suficiente para fazer o copo transbordar. Não é exagero dizer que qualquer coisa pode ser a gota d’água para as massas voltarem às ruas no Brasil.
Nossas tarefas
A Esquerda Marxista cresceu com a rápida integração de novos militantes desde o início da pandemia. O combate segue para consolidar os novos militantes e avançar na integração dos simpatizantes. Como os novos contatos que tem vindo a partir da Universidade Marxista, em particular os interessados em fazer parte ou conhecer mais nossa organização.
Deve-se destacar também o combate financeiro que temos travado. Superamos o objetivo da Coleta entre os militantes e a Campanha Financeira do 1º semestre. A situação exige a máxima atenção em relação às finanças, com a centralização regular das cotas, a venda de assinaturas do jornal e o cumprimento do objetivo da Campanha Financeira do 2º semestre, com a revista América Socialista 17, que iniciará em outubro. O crescimento traz novas tarefas, a necessidade de mais liberados, mais investimentos e, portanto, o reforço na arrecadação.
Nossa ação na luta de classes é que ajudará na consolidação dos novos militantes e na aproximação dos contatos. Para isso joga papel central nossas campanhas. Assinaturas no abaixo-assinado são importantes, assim como votos em uma eleição, mas o centro é que as campanhas sejam instrumentos para a construção da organização revolucionária.
Nossa campanha central é a que se baseia no abaixo-assinado “O governo Bolsonaro quer aprovar um orçamento de guerra contra o povo! Devolvam as verbas da educação, saúde e ciência! Não ao retorno das aulas presenciais sem vacina!”. Como já explicado, trata-se de uma campanha de frente única na qual queremos ter milhares de adesões, com foco em nossa base prioritária: juventude e educadores. Como uma campanha de frente única, ela deve ser compreendida como instrumento de unidade e independência da classe trabalhadora contra os ataques do governo Bolsonaro, da burguesia. Não se trata de pedir assinaturas aos contatos de maneira burocrática. É preciso entusiasmo e convicção sobre o que estamos falando para colocar as pessoas em movimento, explicando o sentido da campanha e seus objetivos.
Os Comitês Fora Bolsonaro devem ser re-impulsionados a partir desta campanha, discutindo-a em reuniões do comitê e colocando os contatos a colher adesões. Materiais de agitação podem ser confeccionados pelos comitês, assim como a organização de atos simbólicos.
Um elemento importante desta campanha é a luta contra o retorno das aulas presenciais sem vacina. A volta às aulas nas escolas, nas atuais condições, só pode levar à multiplicação da contaminação geral pelo vírus, expondo especialmente os trabalhadores em educação. Isso já tem causado grande indignação entre os professores e tem o potencial de levantar a categoria para novas mobilizações, apesar das direções sindicais que buscam esfriar esse combate. Este é um ponto central para a impulsão da campanha entre os trabalhadores em educação.
Onde temos candidatos para as eleições municipais, as candidaturas devem também ser impulsionadoras desta campanha. Nossas candidaturas, que se identificarão como candidaturas Fora Bolsonaro, devem impulsionar e ser impulsionadas pelos Comitês de Ação Fora Bolsonaro. Reforçamos que nossas candidaturas devem expressar o rechaço geral ao sistema, a desilusão com as eleições e os políticos, apresentando-se como candidaturas revolucionárias, que colocam no centro a organização de jovens e trabalhadores para derrubar o sistema capitalista e construir um novo mundo socialista.
Na juventude, a campanha contra o orçamento e a volta das aulas presenciais tem o papel de reforçar a preparação dos encontros regionais da Liberdade e Luta em outubro e novembro. Convocaremos também, a partir da campanha, o 2º Seminário em Defesa da Educação Pública, Gratuita e Para Todos, para o dia 21/11.
Já a campanha em defesa da vida da professora Mara completa um ano em 01/10, nosso novo passo, o novo abaixo-assinado direcionado ao governador João Doria, já alcançou mais de mil apoiadores. Nosso objetivo é alcançar o máximo de assinaturas até 5/10 para realizar uma entrega pública ao Governo do Estado de SP no dia 6/10.
O Socorro Vermelho é outra iniciativa importante, que retoma a tradição do movimento operário da solidariedade de classe diante da crise e dos ataques da burguesia. Devemos reforçar esta iniciativa entre os militantes e torná-la pública.
Por fim, outra campanha que é preciso organizar, planejar e tratar de maneira prioritária é do combate à juíza racista de Curitiba que condenou Natan Vieira da Paz afirmando na sentença que ele é “seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça”. Nossa reivindicação é exoneração da juíza, sua prisão por racismo e anulação da sentença. Esta campanha deve se relacionar com a luta contra o racismo que varre o mundo, a partir dos protestos nos EUA.
O centro é que nossa organização deve estar em movimento e agindo na luta de classes. Os contatos vindos pela UMB serão ganhos também ao se identificarem com uma organização que não apenas discute a teoria, mas age para transformar a realidade. A partir da campanha contra o orçamento de Bolsonaro e a volta das aulas presenciais, junto com a campanha contra a juíza racista, teremos o eixo para impulsionar as demais iniciativas e a construção entre a juventude e educadores, nossa base prioritária neste momento.
Todos os nossos esforços devem ter como fim a cooptação e a consolidação dos novos militantes para cumprirmos nossos objetivos. Reflexão, ação, ânimo e ousadia para a construção da organização revolucionária. Venceremos!
Comitê Central da EM
26/09/2020