Um pouco sobre a revolução chinesa

Hoje, quando a China ocupa as paginas de economia do mundo inteiro, quando a restauração capitalista faz milhões e milhões de vitimas, como foi a Revolução que abalou o mundo?

Os antecedentes

A primeira revolução chinesa que transcorreu entre 1925 e 1927, depois da grande revolução Russa, foi o maior acontecimento histórico realizado pelos proletários. Nesse período uma verdadeira revolução proletária ocorreu no vasto território asiático. No entanto Stalin e Bukarin a conduziram para a derrota. Sob a orientação de que o Partido Comunista deveria estabelecer uma aliança com a burguesia nacional, o PCC deveria se dissolver no interior do Kuomintang e Chiang Kai-shek, o supremo dirigente desse partido burguês, seria inclusive convidado por Stalin para ser membro no Comitê Executivo da Internacional Comunista.

Com isso a grande revolução de 1925/1927 acabou massacrada pelas tropas de Chiang Kai-shek e o PCCh foi praticamente destruído, com a maioria de seus dirigentes assassinados pelas tropas do governo do Kuomintang.

Muito tempo depois, em 1949, a fome alastrava-se no império de Chiang. A questão da terra não fora resolvida pela burguesia nacionalista que continuava massacrando a classe operária e os camponeses. A classe operária por sua vez jamais se esquecera do massacre que sofrera em 1927.

Com a invasão da Manchúria pelas tropas do imperialismo japonês, em 1931 o PCCh alinha-se à burguesia nacional chinesa, em defesa da pátria, construindo com Mao uma frente de resistência que acabou sendo pulverizada com a explosão da Segunda Grande Guerra Mundial. O Exército de Libertação Nacional enfrentava-se com os japoneses e com as tropas de Chiang que exigiria em 1940 a dissolução e a evacuação das tropas vermelhas em várias regiões da China. Explode a Frente Ampla realizada entre Chiang e Mao.

Em 1945 a questão agrária, a fome e a miséria nas grandes cidades demonstravam na prática a incapacidade da burguesia nacional em atender as reivindicações, e mais que isso, com o Exército Vermelho Russo esmagando os japoneses na Manchúria, os EUA temiam que os “Vermelhos” marchassem para a China, onde Chiang amedrontado e acuado pelos camponeses e operários armados revelava-se incapaz de defender-se dos japoneses. Os EUA aproveitando-se da derrota dos japoneses na Manchúria e ao mesmo tempo temendo o avanço das tropas Vermelhas apavoram-se e lançam as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. Era muito para o imperialismo aceitar com passividade a ocupação vermelha da Mongólia, Coréia do Norte e várias ilhas ao sul.

Ao final da Guerra as tropas japonesas foram obrigadas a renderem-se ao Kuomintang e não ao Exército Vermelho. Truman, presidente dos EUA, disse em suas memórias: “Para nós, era perfeitamente claro que, se os japoneses estavam entregando suas armas, …todo o país seria ocupado pelos comunistas. Portanto, os EUA deram um passo incomum: usar o inimigo como uma guarnição até que pudéssemos enviar ajuda para as tropas nacionalistas chinesas ao sul da China e enviar fuzileiros para protegê-la contra os vermelhos.”

Com o país dilacerado pela guerra, estabelece-se um verdadeiro vazio de poder. As tropas do Exército de Libertação comandadas por Mao se reforçam na Manchúria, com a anuência de Stalin. Em novembro de 1945 Stalin gira e faz um acordo com os EUA, deixando o interior sob controle do PCCh e o Kuomintang ocupando as cidades ao norte da China.

Moscou queria manter seus compromissos com Chiang e obriga Mao a pedir um governo de coalizão. Mas o agravamento da situação das massas acelera a explosão da guerra civil que se inicia em julho de 1946. Começa a desmoronar a burguesia nacional e preparar-se o longo período até 1949.

Ao final da Segunda Grande Guerra Mundial duas forças saem muito fortalecidas: o imperialismo norte-americano e a União Soviética.

Em agosto de 1945, as forças militares soviéticas lançam uma ofensiva contra os japoneses na Manchúria. Isolaram mais de 700 mil soldados japoneses e tomaram parte da Mongólia, Coréia do Norte e várias ilhas. O exército de Chiang estivera sempre mais preocupado em combater as tropas vermelhas chinesas do que combater as tropas e o imperialismo japonês. A exemplo do que ocorreu na Europa, quando as tropas vermelhas tomaram a Alemanha e dali poderiam marchar para toda a Europa e Stalin freou essa ação, ato semelhante foi realizado em relação à China.

Na Europa, Stalin fez os acordos para dividir a Alemanha, empalmando a revolução e burocratizando-a. Na China, Stalin sempre buscou fortalecer o Kuomintang e a burguesia nacionalista, no entanto o apodrecimento e a covardia desta burguesia, suas divisões, abriram espaço para o avanço do poderoso levante das massas que vai prolongar-se até 1949.

Ao final da guerra o ELP (Exército de Libertação Popular) estava fortalecido e ainda contava com apoio de Moscou. Stalin remava ora apoiando o KMT (Kuomintang) ora “deixando” o ELP de Mao avançar em várias posições no norte chinês. Mas Stalin não via no PCCh um partido confiável, não acreditava que ele mantivesse os compromissos com Chiang.

Em agosto de 1945, Stalin negocia com Chiang e estabelece um Tratado de Amizade e de Aliança Chinês-Soviético, chegando mesmo a sugerir que a insurreição e a tomada do poder fracassariam e que a alternativa seria um governo de coalizão do PCCh e de Chiang. Indica ainda que o PCCh e Mao devessem dissolver as tropas do ELP no interior do Exército Nacional e entregar as armas. Mas explode a guerra civil e isso fratura definitivamente a “santa aliança”.

Moscou ajuda limitadamente o ELP. Os EUA enviam milhões e milhões de dólares para ajudar os nacionalistas de Chiang. O general Marshall chega a duvidar da ajuda que Stalin estaria enviando ao ELP de Mao.

Em toda a China os conflitos seguem avançando de maneira violenta e aos saltos. O ELP tinha se apoderado de grande quantidade de armas abandonadas pelos japoneses e vai impondo derrotas ao Kuomintang, ao Norte. Com isso se apodera de modernas armas que os EUA enviaram aos nacionalistas e ganham confiança de grandes parcelas de camponeses. As tropas regulares de Chiang começam a se esfacelar. Mas ainda eram infinitamente superiores ao ELP.

Em 1946, Mao começa a sentir-se ameaçado pela burocracia soviética. Queria consolidar o poder de sua burocracia e construir um socialismo chinês e não ficar sob o manto de Stalin. Era o embate ainda latente entre duas burocracias que mais adiante ficaria evidente. Mas não se tratava de um embate revolucionário. Eram duas burocracias que defendiam o socialismo em um só país e o controle sobre as massas. Se fossem leninistas, os dois certamente teriam construído a Federação Socialista Chinesa e Soviética e isso seria uma poderosa alavanca para a revolução mundial. Em 1949, Mao é obrigado a ir muito mais longe do que gostaria, mas manteve os Conselhos de Soldados e Camponeses e o PCCh sob punho de ferro, freando e burocratizando a democracia operária e o novo estado que surgia.

A revolução rebrota nos campos

As tropas do Kuomintang eram muito mais bem equipadas e treinadas do que as do ELP. Tinham muito dinheiro e certamente teriam vitória esmagadora sobre Mao. Entre junho de 46 e junho de 47 controlavam as indústrias e obrigaram o ELP a recuar, tomando-lhe várias posições.

Mao bate em retirada e concentra suas tropas onde tinha base sólida: nas regiões camponesas. Reagrupa suas forças e parte para o contra-ataque. Várias regiões caem sob controle do ELP e este, antes que marchasse para as cidades, agrupa milhares de milhares de camponeses miseráveis que, arrancados da terra pela covarde burguesia nacional, são levados ao combate direto pela reforma agrária.

Mao relutava e temia entregar as terras aos camponeses, pois ainda perseguia o objetivo de se aliar aos aristocratas que ele qualificava como sendo patrióticos. No entanto, a guerra civil e a fome eram implacáveis e as manifestações e auto-armamento mais ainda.

A cada avanço das tropas vermelhas elas vão sendo obrigadas pela força das massas insurretas a distribuírem terras, arrastando atrás de si milhares de abnegados camponeses que desertam aos milhares das tropas de Chiang. Além disso, quando eram derrotados pelos vermelhos, os soldados de Chiang não ficavam presos e nem eram torturados, recebiam terras, formação política, medicamentos e alimentos e se tornavam defensores e propagandistas da revolução. As tropas de Mao cresceram de maneira formidável. Cresceram as mobilizações. Era o início da ofensiva final rumo ao poder!

De 1946 até 1949 o ELP fortaleceu-se em quase todo o vasto território Chinês. O Kuomintang capitulava e perdia seguidamente vilas, povoados e cidades

O imperialismo, em especial os EUA, fustigava Mao e Chiang na direção de uma política de paz. Por de trás de tudo esperava conseguir, por meio de intrigas palacianas, empurrar Mao cada vez mais para uma política de conciliação. Mas a pressão das massas empurrava Mao e o ELP para adiante. Em janeiro de 1949 as tropas do ELP entravam em Beijing e tomaram a cidade sem nenhum combate, sem resistência séria.

Até o final de 49 tomam outras importantes cidades até capturarem Nanjing, a capital e centro vital das forças do KMT, que, com cerca de 2 milhões de homens batem em retirada para a ilha de Taiwan, levando consigo o produto de um assalto aos cofres públicos no valor de 300 milhões de dólares.

As massas camponesas e operárias, os combates heróicos do ELP finalmente levaram Mao no primeiro dia de outubro a proclamar a Republica Popular da China. Nascia assim, depois da Revolução Russa, um imenso país que abriria definitivamente um novo capitulo na história mundial da luta de classes.

A combinação do estalinismo e do maoismo, defendendo as políticas de acordos com o imperialismo e com as burguesias, recusando-se a levar a revolução para todo o mundo, empalmando e desnaturando as organizações das massas, jogaram definitivamente para trás as possibilidades de que as situações revolucionárias abertas, de modo generalizado, desembocassem em tomadas do poder. O stalinismo sai fortalecido da Segunda Grande Guerra, Mao e o ELP também, e se erguem à frente e por sobre os trabalhadores e camponeses. Impõem seus limites e empurram as massas para trás.

A combinação destes dois fatores com o crescimento e recuperação acelerada do capitalismo no pós-guerra em todo o mundo, levaram a um profundo recuo das massas em escala mundial.

Trotsky pensava que a revolução chinesa, ao explodir, se ergueria baseando-se em organismos soviéticos. Isso não ocorreu. A revolução chinesa, em que pese a ampla participação da população, não foi um levante das massas operárias que tomaram as fábricas e ergueram seus organismos de poder, aliando-se com os soldados e camponeses. Os soldados ao desertarem das tropas oficiais se integravam diretamente no aparato do ELP, este cooptava diretamente as massas revolucionárias e lhes impunham a rígida disciplina sob o tacão e liderança de Mao e de seus generais do partido. Deste ponto de vista, e só deste ponto de vista, podemos afirmar que a Revolução Chinesa foi de cima para baixo, com fortes traços bonapartistas.

O Estado que se ergueu na China foi composto junto com as distintas frações do que restou do Kuomintang. Na verdade um governo de coalizão, que desde cedo atacou qualquer iniciativa independente das massas operárias, mas que foi obrigado a expropriar vários ramos da economia, concentrar forças e dar um salto nunca antes visto, arrancando milhões e milhões de camponeses da mais profunda miséria e atraso, desenvolvendo a indústria e um vigoroso proletariado urbano.

O governo de Mao começou fazendo reformas que jamais ultrapassaram os limites do capitalismo. Em certo sentido Mao e a burocracia esperavam receber ajuda do governo norte americano e por isso chegaram a impedir a criação do poder dos trabalhadores nas fábricas, reprimindo toda iniciativa de controle operário.

Para terminar esta série de artigos reproduzo abaixo algumas diretrizes que o ELP impunha aos trabalhadores nas cidades, desnudando por si só o caráter do novo estado que surgia sob controle de um governo que foi obrigado a expropriar e nacionalizar, mas que manteve o controle sob a mão de ferro do aparato.

  • 1) Serão protegidas as propriedades da população. Será mantida a ordem e não aceitar rumores. Os saques e assassinatos estão estritamente proibidos.
  • 2) Será protegida a propriedade industrial e comercial individuais chinesas. As fábricas, bancos e armazéns privados, não serão tocados e podem continuar seu funcionamento.
  • 3) O capital burocrático, incluídas as fábricas, lojas, bancos, armazéns, ferrovias, correios, telefones e instalações telegráficas, plantas energéticas, etc., serão ocupadas pelo Exercito de Libertação, será respeitadas as ações privadas.Os que trabalham nestas organizações devem trabalhar pacificamente e esperar a sua ocupação pelo ELP. Serão recompensados aqueles que protejam a propriedade e os documentos, os que fizerem greve e destruírem serão castigados (…).
  • 4) Serão protegidas as vidas e a propriedade de todos estrangeiros.Eles devem obedecer as leis e o governo democrático e do Exército de Libertação (…).
  • 5) A população em geral deve proteger a propriedade pública e manter a ordem (…).
  • Para ver mais dados sobre estas diretrizes consultar (A. Doak Barnett. China on the Eve of Communist takeover. pp. 327-8).
    Para elaborar este artigo consultei principalmente os artigos da CMI, de Alan Woods e Ted Grant que estão disponíveis na página indefenseofmarxism, endereço: marxist.com

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