Para que deve servir um sindicato de artistas e técnicos de espetáculos?
No dia 4 de agosto, ocorreu no SATED (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado de São Paulo) uma assembleia geral extraordinária convocada por Ligia de Paula Souza, diretora presidente do sindicato desde 1986.
Na pauta incluía-se a discussão da anistia e recadastramento de sócios do SATED do período de 1 de janeiro de 2015 ao dia 31 de julho deste ano. A votação foi chamada propositalmente um pouco antes do processo eleitoral, numa tentativa desesperada por parte da atual direção, que almeja a reeleição para dar continuidade à burocratização do aparato em detrimento da luta e resistência. O desespero se explica pela articulação de uma chapa de oposição, da qual a Esquerda Marxista faz parte, tendo como representante Jacqueline Takara.
Nas regras atuais, para poder participar do processo eleitoral como votante, é preciso que as contribuições sejam pagas pelos filiados antecipadamente até dezembro. As cobranças feitas pelo SATED em suas anuidades são um ultraje, um roubo, um valor absurdo, principalmente se comparado à situação material de grande parte dos artistas e técnicos pelos quais a entidade deveria zelar e lutar. Portanto, estamos contra as cobranças abusivas.
Mas para além das cobranças de valores excessivos, há um índice muito baixo de filiados do SATED devido a sua atuação política oportunista. Vinculado à União Geral dos Trabalhadores (UGT), central sindical abertamente reacionária, o SATED serve apenas como uma máquina de fazer dinheiro, distanciando-se da possibilidade da criação de uma unidade real com outras categorias, tornando ainda mais árdua a identificação da luta do artista com a luta de outros trabalhadores.
A exigência de estar quite com o sindicato, no caso de entidades sindicais com tradição de luta e com contribuições em valores honestos, é uma exigência correta. Só deve ajudar a decidir e votar quem ajuda a manter a entidade existindo. Mas no SATED não é assim. Nesse caso, a grande inadimplência é culpa da direção e não dos trabalhadores. Esse filtro faz do processo eleitoral um processo para pouquíssimos decidirem no lugar de muitos, o que é antidemocrático.
Como reflexo das políticas oportunistas da direção, a taxa de sindicalizados em dia é baixíssima e grande parte dos que estão em dia parece ter pago a anuidade claramente para participar do pleito e votar na oposição. A atual presidente, Lígia de Paula, faz as contas e tenta manobrar para salvar seu pescoço.
Por isso, em princípio, devemos ser favoráveis a uma anistia num sindicato onde as taxas são um abuso. Somos favoráveis a incluir o máximo do conjunto da base do sindicato no processo eleitoral, tornando-o o mais democrático possível.
Aceitaríamos uma proposta de anistia vinculada ao debate sobre a baixa participação dos trabalhadores e as altas taxas cobradas. Mas não é esse o caso. A proposta de anistia apresentada pela direção se presta a uma manobra eleitoral. A votação isolada não aprofunda sobre as questões relativas ao papel da luta sindical na atual conjuntura política e, portanto, serve apenas como um aparente avanço de direitos.
Entendemos o sentimento de todos os que votaram “não à anistia” como forma de conter a manobra da atual presidente. Mas não é possível fazer a votação sem a crítica ao próprio processo eleitoral antidemocrático existente hoje no SATED. Trata-se de compreender que as necessidades dos trabalhadores devem ser discutidas por eles próprios, pois com um número maior de participantes podemos dar um salto qualitativo com relação as pautas culturais, incluindo a discussão de direitos trabalhistas para os artistas e o papel da arte em nossa sociedade. Estas não são, nem de perto, discussões prioritárias ao SATED.
Além da anistia, foi votado em assembleia o piso normativo da capacitação profissional de R$ 1.330,00. Este nome é apenas um disfarce para o processo de concessão da DRT, um registro que o artista ou técnico precisa obter para poder exercer a profissão.
A absoluta maioria votou contra o valor abusivo do registro. Porém, sem uma proposta substituta, foi chamada uma nova votação pela oposição à direção para que o valor fosse de R$ 600,00. Esta proposta, aparentemente mais coerente, foi votada e saiu vencedora. Porém, algumas questões não foram discutidas em assembleia: De onde surgiu esse valor? É possível que um estudante de artes pague essa quantia? E um trabalhador informal, que é um artista que não fez faculdade ou um curso profissionalizante e já exerce a profissão com trabalhos esporádicos?
Em um contexto em que a imensa maioria dos trabalhadores da cultura, sobretudo os mais jovens, sofrem com o desemprego e a falta de direitos trabalhistas na sua categoria, ainda é um grande ataque que o DRT seja R$ 600,00.
Essa questão é da maior importância. Consideramos um completo absurdo que o sindicato que representa artistas e técnicos de espetáculos se preste ao papel de cobrar pedágio – e fazer disso uma máquina de fazer dinheiro – para que seus colegas de profissão possam trabalhar!
A função do Estado de regular, proibir ou permitir o exercício de uma profissão é uma necessidade quando essa oferece risco à vida, tal como ocorre por exemplo com a engenharia, enfermagem ou medicina. Na área das artes, deve aplicar-se apenas ao campo da arquitetura e, por exceção, aos casos que envolvam segurança.
No caso da arte, portanto, o controle sobre o exercício da profissão é uma afronta ao próprio direito constitucional republicano e democrático de liberdade de expressão. É extremamente lamentável que um sindicato, ou seja, uma organização dos próprios trabalhadores se preste a ajudar o Estado na restrição a um direito constitucional.
As condições de técnicos podem ser, de fato, diferentes da dos artistas. Realmente há diversos casos em que sem determinada capacitação técnica para exercer a profissão sua atividade possa oferecer riscos. Isso deve ser debatido e aprimorado. Mas de forma alguma pode servir de justificativa para a absoluta imoralidade que é o pedágio cobrado pelo sindicato para a emissão da DRT.
A questão do DRT, portanto, extrapola as necessidades de assegurar à sociedade a capacitação de um profissional. Ao entrar na banca avaliadora, uma atriz, por exemplo, é examinada sob determinados padrões artísticos para ter seu registro e poder trabalhar formalmente. Isso se configura como uma censura, uma forma de cercear a liberdade artística ao determinar se a atriz é boa o suficiente ou não, capacitada ou não. Não cabe ao Estado, muito menos ao sindicato avaliar as questões internas à arte, dizer quem é artista ou não. A função do Estado deveria ser a de assegurar uma vida digna, com moradia, horas regulamentadas de trabalho, férias, décimo terceiro, etc. A função do sindicato é exigir isso para seus filiados e demais trabalhadores. Essa sim é uma pauta urgente que precisa ser discutida no sindicato.
Sendo assim, o valor de R$ 600,00 continua a ser inaceitável. Este valor deve ser reduzido ao custo mínimo de manutenção das funções do escritório. E o sindicato deve empreender uma luta para regulamentar junto ao Estado a emissão da DRT sem que caiba a ele ou a qualquer outro órgão qualquer papel de censura.
Por todo o exposto, votamos na assembleia contra o valor de R$ 1.330,00. Mas quando foi apresentada a proposta de R$ 600,00 nossa decisão foi pela abstenção, visto que não há qualquer base para essa proposta e ela em nada toca o centro da questão, mantendo o problema apenas com um “peso” menor.
Convidamos todos os nossos companheiros em tantos outros combates em defesa dos direitos dos trabalhadores da cultura e da classe trabalhadora em geral para que nos ajudem neste combate pela retomada do SATED para a mão dos técnicos e artistas. Convidamos todos a debater conosco qual o melhor programa e os melhores métodos para essa luta.
O SATED não é um sindicato como outro qualquer. Não é um sindicato típico das categorias da classe trabalhadora, não é uma associação de trabalhadores de uma mesma categoria assalariada. Pelo contrário, sua existência carrega uma série de contradições, decorrentes das contradições próprias das formas de negociação comercial dos serviços prestados pelos artistas e técnicos de espetáculos. O problema de uma categoria majoritariamente autônoma e informal, cuja relação de pagamento, para os mais bem sucedidos de forma geral, é via contrato por apresentação e raramente tem contratos estáveis de trabalho, necessita de uma associação sindical que ajude a intervir nas negociações entre tomador e prestador de serviços.
Precisamos trabalhar no sentido contrário e batalhar para a criação de condições para que a profissão de técnico ou artista possibilite estabilidade, direitos trabalhistas, carreira profissional. Precisamos trabalhar para que esses profissionais aproximem-se cada vez mais das lutas do conjunto da classe trabalhadora, entendam-se como parte dela e vejam o mundo de seu ponto de vista.
Juntem-se a nós neste combate!