Uma pandemia que não tem remédio dentro do sistema capitalista

Em três dias consecutivos, três assassinatos de jovens negros ocorreram na cidade do Rio de Janeiro: João Pedro, de 14 anos, João Vitor, 18, e Rodrigo Cerqueira, 19. Nenhuma novidade. Nos bairros populares, operários, alagados e favelas deste país, as forças de segurança que protegem o patrimônio das elites econômicas se especializaram em caçar pobres e negros desde o império, o que se mantém na república burguesa.

Esta é uma pandemia vergonhosa cujos números são: 23.100 jovens negros, de 15 a 29 anos, assassinados por ano. São 63 por dia. Um a cada 23 minutos. Isso equivale à queda de mais de 150 jatos, cheios de jovens negros, todos os anos. Uma boa parte destas mortes por assassinatos pode ser contabilizada para as polícias de todos os Estados do país.

Por que isso acontece?

Isso acontece porque os trabalhadores e pobres são considerados inimigos internos pelo Estado e seus governos. Como 99% dos negros estão nestes estratos, somos nós que sofremos toda sorte de violência das instituições do Estado como as Polícias Militares, que atuam para garantir a segurança de quem tem patrimônio, as elites econômicas (a burguesia branca).

Além das mortes, a população negra vem sendo encarcerada de forma massiva. Este encarceramento em massa é uma política pública instituída no Brasil, copiada dos Estados Unidos, que instituiu um novo modelo de segregação racial. São 2,2 milhões de cidadãos nas masmorras norte-americanas. Apesar de a população negra representar 13% da população americana, a percentagem da população prisional negra relativamente ao total do país chega (41%).

O objetivo no Brasil, onde a população negra é a maioria da população, é de alcançar os mesmos objetivos dos Estados Unidos com as prisões em massa. Intensificar a repressão contra o mais pobres, mantendo-os sob controle do Estado, para impedir sua organização independente enquanto classe, abrir possibilidades de gerar lucros para grandes empresas privadas que vão administrar o sistema com as privatizações e o uso de mão de obra barata da população carcerária para atender o interesse de várias corporações privadas. 

Antes se retirava a humanidade dos negros os transformando em mercadoria com a escravização e mão de obra. Hoje se retira a humanidade dos negros com o encarceramento em massa, transformando-os em mão de obra barata por meio de encarceramento e das longas penas a serem cumpridas.

O que fazer?

Nós negros, não podemos alimentar nenhuma ilusão de que é possível existir igualdade de oportunidade, igualdade racial, termos direitos iguais, acesso a bens e serviços públicos de qualidade em uma sociedade cujo sistema é capitalista e que tem como um de seus pilares de sustentação o racismo estrutural.

Nós negros, que formamos os maiores batalhões da classe trabalhadora, precisamos definitivamente romper com a fantasia que somos parte da mesma nação. Vivemos no mesmo espaço geográfico, mas somos tratados pelo Estado e todas suas instituições como pessoas inferiores. Nós não podemos esperar nada deste sistema, da burguesia e de seus governos, de suas instituições e do Estado, que é controlado pela burguesia. 

Nós somos a grande maioria do proletariado brasileiro, e como tal devemos estar presentes em todas as organizações populares, sindicatos, movimentos, organizando, mobilizando para defender os direitos mínimos que a classe trabalhadora arrancou com muito luta e sangue da burguesia, e em cada luta explicar de forma paciente que nosso objetivo estratégico e histórico é pôr fim ao capitalismo e construir uma sociedade socialista, destruindo também toda a carga cultural e histórica que sustenta todas as manifestações discriminatórias, sejam elas de classe, raça e gênero.

Uma questão de poder

Precisamos dizer, claramente, que as políticas afirmativas e compensatórias – que foram implantadas pelos governos “reformistas”, tendo como recorte o “viés de raça”, defendidas por grande parte dos movimentos negros e que tiveram como paradigmas as políticas implementadas nos EUA – não foram suficientes aqui nem lá para mudarem estruturalmente a realidade social objetiva de como os negros são tratados. Somos os mais afetados pela miséria econômica e atingidos por todas as suas externalidades, como estamos vendo agora com a pandemia da Covid-19.

Estes negros e movimentos que negam a questão de classe e aprisionam a luta antirracista dentro dos muros impostos pelo sistema capitalista são cúmplices de todas as violências que nos atinge, inclusive os assassinatos. Estes negros e negras vivem implorando aos donos deste sistema de exploração para que ele nos integre dentro desta ordem, defendem a integração pura e simples dentro da ordem burguesa. Almejam a participação junto da elite econômica, mesmo que sejam tratados como atores, como “escravos de ganho”, contribuindo assim para a perpetuação do racismo e da exploração.

Combater a elite econômica, que é branca, exploradora e racista, é uma tarefa central, como também é fundamental combater certa minoria negra que integra as classes médias. Existe um número insignificante de negros que vagam por estes estratos. Estes alcançaram os confortos da pequena burguesia, e passaram a atacar os movimentos negros que combatem a prática da caridade, via Organizações Não Governamentais (ONGs), que se constituíram em instrumento de cooptação de parcela significativa de negros e movimento para defenderem a política integracionista.

Esses negros interessados nos valores pequeno-burgueses são um obstáculo à luta da maioria esmagadora do povo negro. Recebem apoio do Estado, de instituições econômicas, Fundações como a Setubal, Bradesco, Itaú para projetos de natureza social, bolsas de estudo para formação de quadros comprometidos com as políticas integracionistas, como a Fundação Ford, “Fundação Lemann, W.K. Kellogg Foundation“, com o paradigma da defesa da equidade racial, o que, no sistema capitalista, não passa de uma grande farsa. 

A luta contra o racismo, a exploração de classe está exclusivamente nas mãos da grande maioria negra oprimida, que, de forma organizada, terá que combater a parcela do movimento negro que busca se integrar e ter ascensão social dentro do modelo de exploração de classe. Os integracionistas sabem que não podem realizar esta tarefa sozinhos, por isso desenvolvem um trabalho permanente em universidades, setores pequenos burgueses para ganhar a os negros, e brancos de consciência arrependida, para as suas posições de conquista da mobilidade para alguns, por meio de uma política de conciliação de classe com a burguesia que lhes oferece uma cesta básica de esmolas.

A maioria esmagadora dos negros faz parte do proletariado, o que nos leva a afirmar ser impossível combater o racismo de maneira eficaz se a questão de classe não estiver inserida como um elemento determinante deste processo. Dizer e fazer ao contrário por mais radical que seja o discurso, é se associar com aqueles que defendem até a morte o Estado que nos excluiu enquanto classe e raça e que emprega a violência para nos controlar, como podemos ver nos assassinatos que ocorrem diariamente.

Nós do Movimento Negro Socialista, temos como tarefa central contribuir para que os negros se organizarem para combater o racismo e a exploração de classe, e isso passa pela batalha de construção da unidade dos negros sob a base de uma plataforma revolucionária que apresente nossas reivindicações enquanto classe e que seja capaz de mobilizar milhares por elas. 

Lembrando Malcon X: “Não se tem uma revolução quando se ama o inimigo; não se tem uma revolução quando se está implorando ao sistema de exploração para que ele te integre. Revoluções derrubam sistemas, revoluções destroem sistemas”. 

Nós, negros, os maiores batalhões da classe trabalhadora, devemos ter como compromisso de vida o trabalho diário e permanente para explicar a necessidade da derrubada do sistema como uma das tarefas para se combater o racismo e a exploração. E isso só com uma revolução socialista, o que passa hoje, em tempos de pandemias, pelo Fora Bolsonaro, por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais.

Junte-se a um comitê e lute conosco!