Vale tudo da privatização da Petrobras: queda de presidente, vendas de ações e cassação de parlamentar

Nesta segunda-feira (20/6), o presidente da Petrobras José Mauro Ferreira Coelho renunciou. Vários políticos da oposição radicalizaram e disseram que quem tem que renunciar é Bolsonaro. Esse, impassível, espera a nomeação do novo indicado para o comando da empresa. A oposição diz que tudo mudará com a eleição de Lula. O deputado mais à esquerda do Congresso Nacional, Glauber Braga (PSOL – RJ), denuncia a negociata em torno da estatal e sofre a abertura de um processo de cassação. Os trabalhadores precisam olhar um pouco mais a fundo o que se passa.

A Petrobras foi criada no segundo governo Gétulio Vargas, em 3 de outubro de 1953, portanto há quase 70 anos. Nessa época ela tinha o monopólio estatal do petróleo e gás e era inteiramente estatal, sem acionistas privados. Nessa época já estava previsto formalemnte que poderiam existir acionistas privados. Porém, o que era uma hipótese jurídica hoje se trata de uma realidade que coloca em questão o próprio caráter público da empresa.

Segundo a Federação Unica dos Petroleiros (FUP): “A União (governo federal e BNDES) chegou a ter até o final da década de 1990 entre 82% e 86% do controle acionário da Petrobrás (ações ordinárias, com direito a voto) e 78% do capital social da empresa (capital integral, somando ações ordinárias e ações preferenciais)”. Em 1997, ocorreu a quebra do monopólio estatal, no então governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), que ocasionou a privatização parcial, sendo o seu capital aberto aos investimentos privados, a partir de 2000.

Um artigo de Carlos A.S. Campos Neto, do IPEA, explica o negócio feito:

No ano de 2000, o governo federal tomou a decisão de realizar mais um péssimo negócio: vender parte das suas ações na Petrobras. Assim foi feito, em agosto daquele ano. Vendeu-se 28,48% das ações ordinárias, com arrecadação para o Tesouro Nacional de 7,2 bilhões de reais, em valores correntes e US$ 3,4 bilhões em valores de 2008. O mercado, muito inteligentemente, jogou para baixo o valor das ações da Petrobras nos dias que antecederam ao leilão. À época, o Boletim de Política Industrial do Ipea (nº 12, dezembro de 2000) divulgou que “a demanda, tanto brasileira quanto externa, foi duas vezes maior que o número de ações ofertadas, o que forçou o BNDES a promover cortes nos pedidos dos investidores nacionais e estrangeiros. O preço ficou em R$ 43,07, ou US$ 24 no exterior, por lote de mil ações. Do total das ações vendidas, 60,3% foi para o mercado externo e 39,7 % para o mercado interno. A valorização das ações negociadas no mercado interno nos primeiros trinta dias chegou à casa dos 50%”

Lula tomou posse em 2003 e desde então nada foi feito para reverter o fim do monopólio estatal do petróleo. Pelo contrário, os governos petistas avançaram na mesma linha de privatização, e ainda durante seu segundo mandato realizou-se um processo de capitalização da Petrobras em 2010 que resultou na composição acionária demonstrada no quadro abaixo. Mais ainda, o “modelo” de exploração do Pré-Sal, que vem do governo Lula e foi implementado durante o Dilma, levou a que a maior parte da produção fosse privatizada, apesar da participação obrigatória da Petrobras.

Hoje, os acionistas privados controlam 63,4% do capital total da empresa, sendo que 45% desta fatia são ações negociadas fora do país. O Estado brasileiro tem atualmente 50,3% das ações da Petrobrás com direito a voto e apenas 18,5% das ações preferenciais. Isso representa 36,6% do capital total da empresa. Como isto aconteceu? Simplesmente com a venda das ações do “Fundo Soberano” durante o próprio governo Dilma e depois com a venda a conta gotas de ações do BNDES.

Agora o governo Bolsonaro busca privatizar o controle da empresa, apesar de a maior parte do capital já ser privado e de controle estrangeiro. Essa operação é feita através da conversão de ações preferenciais (sem direito a voto) para ações ordinárias (com direito a voto). Esse é o pano de fundo da confusão envolvendo as sucessivas trocas de presidente da Estatal e, evidentemente, quem sairá ganhando com esta pequena “troca de nome” das ações.

O governo Bolsonaro tem alardeado que esse seria o caminho para baixar o preço dos combustíveis. Porém, como explicou Marx, o valor de uma mercadoria não é determinado pela vontade de um governante, nem de uma empresa ou de um capitalista. Trata-se de uma equação condicionada em primeiro lugar pela quantidade de trabalho acumulado na sua produção.

A produção dos derivados de petróleo concentra os seguintes valores: A) Prospecção do petróleo, que envolve achar o petróleo no subsolo – em terra ou mar -, furar o poço, instalar equipamentos, etc.; B) Extração do petróleo, relacionada a gerir o poço e transportar por navio, trem, caminhão ou oleoduto; C) Refino; D) Transporte e venda final. No caso do petróleo brasileiro, seus maiores custos são relacionados à prospecção e à extração. Já outras atividades, como o refino, estão quase que automatizadas. Nesse caso do petróleo, o valor de cada barril gira em torno de 20 a 50 dólares, segundo estimativas de especialistas.

Há casos mesmo de poços no Oriente Médio e na Rússia que chegam a produzir com custos estimados abaixo de 2 a 3 dólares o baril. O petróleo do Pré-Sal começou com um custo estimado de 50 dólares o barril e encontra-se hoje (estimativas diversas) por volta de 8 a 12 dólares. O custo de Petróleo no Golfo do México é aproximadamente igual, e no Mar do Norte chega a 18 dólares. O custo do petróleo extraído pelo processo de craqueamento químico pode chegar a 40 ou 50 dólares.

Observemos que estes valores não incluem o transporte. Alguns locais têm fácil transporte e armazenamento, outros têm dificuldades neste aspecto. É evidente que a guerra da Ucrânia e a especulação daí decorrentes levaram o preço do barril a mais de 100 dólares e que as empresas petrolíferas estão com um sobrelucro imenso a partir disso. A própria Russia está lucrando com o boicote, vendendo o seu petróleo a um preço 10% abaixo do “valor de mercado”, mas 3 ou 4 vezes maior que o seu valor real.

Ainda assim, a questão do preço da gasolina ou do óleo diesel no Brasil não é determinado pelo fato do refino ser feito nacionalmente ou no exterior. Em alguns casos está mais barato refinar no exterior em usinas mais automatizadas, produzidas recentemente, que no Brasil. O preço ao consumidor brasileiro atualmente está sendo definido pelo que exigem os acionistas ditos “minoritários”. Esses são minoria em termos de controle da empresa, mas são majoritários em termos de participação no capital total da empresa. E a maior parte deles se trata na verdade de fundos especulativos estrangeiros, donos das ações negociadas na Bolsa dos EUA.

Assim, as birras e bravatas de Bolsonaro, gritando contra a empresa ou a diretoria e presidentes dela que ele mesmo nomeou, têm outros objetivos. Nem de longe se trata da busca por baratear o valor do combustível.

Na Câmara dos Deputados faz sentido, portanto, o ataque em regra da ala governista dos parlamentares contra Glauber Braga. O deputado do PSOL denunciou as manobras para votar os projetos de lei que vendem ações que cedem o controle da União sobre a Petrobras. Tornou-se assim uma ameaça aos interesses privados e poderosos em torno do governo bolsonaro e de capitalistas interessados em se apoderar totalmente da estatal.

É por esse motivo que Bolsonaro, Lira e seus cumplices estão dispostos a ir tão longe em seus planos de privatização. Temos o direito de nos perguntar quanto vai valer para cada um dos atores políticos a troca de controle acionário da Petrobras. Qual será o prêmio por passar de uma vez por todas para as mãos do capital financeiro imperialista uma das maiores empresas petrolíferas do mundo? É isso o que está em jogo nos bastidores, e não apenas uma pretensa manobra visando dar sustentação eleitoral a Bolsonaro.

O movimento dos trabalhadores precisa de uma mobilização que coloque em pauta a única reivindicação justa do ponto de vista dos interesses das massas trabalhadoras deste país. Trata-se do retorno da volta do monopólio estatal sobre o petróleo e de uma Petrobras 100% estatal, que revogue todas as reformas e privatizações promovidas por FHC, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro. Essa proposta deve ser combinada com o controle operário sobre o funcionamento da empresa, única medida capaz de garantir a finalidade pública da empresa, em detrimento de interesses privados e do controle burocrático da estatal.