Vidas negras e proletárias importam

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 08, de 11 de junho de 2020. Confira a edição completa.
Se ainda há alguém que duvida que o capitalismo empurra a humanidade para a barbárie, essa pessoa deveria prestar atenção em alguns recordes que estamos batendo no último período. Já estamos acompanhando há alguns meses a superação diária do número de vítimas da pandemia que já ceifou mais de 300 mil vidas. Além da Covid-19, uma preocupação crescente entre a classe trabalhadora é a violência policial. Nas últimas semanas, com novos dados divulgados – e com uma atenção maior para essa questão devido aos protestos nos EUA –, podemos notar que as polícias no Brasil estão “contribuindo” com o aumento de óbitos todos os dias.

A Polícia Militar (PM) do Rio de Janeiro matou 434 pessoas no primeiro trimestre de 20191; uma média de 145 pessoas por mês, totalizando 1.810 mortes no ano. Em 2020, foram 606 vítimas nos primeiros quatro meses do ano, cerca de 152 por mês. 2 O que se vislumbra, com este aumento de 8% de mortes em relação ao ano passado, é mais um recorde do absurdo. Só no mês de abril, durante a pandemia, foram 177 assassinatos, um aumento de 43% em relação a abril de 2019. 3

Em São Paulo a situação não é muito diferente. Foram 381 pessoas mortas pela PM paulista entre janeiro e abril deste ano, sendo que em 2019, no mesmo período, esse número foi de 291 – um aumento de 31%.4 Porém, os dados de 2020 não são apenas um recorde em relação ao ano que passou, mas também um recorde histórico, já que mostram o maior número de vítimas da PM desde que o governo do estado de São Paulo iniciou a divulgação desses dados, em 1996. A cada oito horas e meia um policial militar, do estado governado por João Doria (PSDB), mata uma pessoa.

De acordo com a plataforma Monitor da Violência, mantido pelo portal G1 em parceria com o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública:

“o Brasil teve pelo menos 5.804 pessoas mortas por policiais em 2019 (por sua vez, 159 policiais morreram). No ano anterior, 2018, foram 5.716 mortes – um crescimento de 1,5%. O Amapá tem maior taxa de mortes por policiais, com 15,1 a cada 100 mil. Mas é o Rio de Janeiro que se destaca em números absolutos: 1.810 mortes, ou 31% do total, aconteceram no estado. Os números incluem mortes causadas por policiais em serviço (95% dos casos) ou à paisana” (G1, 16 de abril).

Os dados de 2019, sobre o Rio de Janeiro, ainda apontam que 78% das pessoas mortas no estado eram negras. Em 2020, das 381 pessoas mortas pela PM de São Paulo, os negros são 65% das vítimas da polícia. Uma questão evidente é o fato de que a quantidade de mortes de negros não condiz com a proporção negra da população do país. É inegável o racismo da polícia enquanto instituição. Basta um rápido olhar para as vítimas mais recentes das polícias para constatar essa questão.

Há um fato que todos esses dados não mostram declaradamente, mas que é possível identificar com um olhar mais atento: a classe social dessas vítimas. Não existem, por exemplo, relatos de operação no Leblon na qual a polícia tenha entrado em uma casa jogando bombas e disparando tiros de fuzil. Nem de um morador de Higienópolis que tenha sido baleado enquanto buscava pão para seus filhos, e cujo corpo tenha sido arrastado pelas ruas da cidade, preso a uma viatura.

A fala de Rafaela Coutinho Matos6, mãe de João Pedro, menino de 14 anos assassinado pela polícia dentro de sua casa, exemplifica a forma como a polícia trata negros e brancos quando são proletários:

“Quando você entra em uma comunidade atirando, é como se todos da comunidade fossem bandidos. É como se ninguém que presta morasse aqui”.

Não se trata de minimizar o racismo, ele existe e é inegável, no Brasil e no mundo. Mas precisamos compreendê-lo como um instrumento da classe dominante para dividir o proletariado entre negros e brancos, pois assim continuarão existindo ricos e pobres.

É preciso lutar pela unidade dos explorados, organizá-los em um partido revolucionário, para lutar pelo fim da polícia que mata trabalhadores e jovens diariamente nos bairros operários (comumente chamados de favelas), pelo fim do racismo e pelo fim do regime da propriedade privada dos grandes meios de produção.

Referências:

1<https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/05/03/rj-bate-recorde-na-apreensao-de-fuzis-em-2019-numero-de-mortes-por-intervencao-policial-e-o-maior-nos-ultimos-20-anos.ghtml>

2<https://economia.uol.com.br/noticias/reuters/2020/06/08/rio-reage-contra-morte-de-adolescente-negro-pela-policia-com-pano-de-fundo-de-protestos-nos-eua.htm>

3<https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/05/mortes-por-policiais-crescem-43-no-rj-durante-quarentena-na-contramao-de-crimes.shtml>

4<https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/06/01/mortes-cometidas-pela-policia-entre-janeiro-e-abril-de-2020-crescem-31percent-em-sp.ghtml>

5<https://ponte.org/com-recorde-historico-pm-de-sp-mata-255-pessoas-nos-tres-primeiros-meses-de-2020/>

6<https://economia.uol.com.br/noticias/reuters/2020/06/08/rio-reage-contra-morte-de-adolescente-negro-pela-policia-com-pano-de-fundo-de-protestos-nos-eua.htm?cmpid=copiaecola>