Unidade na construção das greves de massas para enfrentar o ajuste fiscal
A maior greve em adesão dos trabalhadores do serviço público municipal de Florianópolis chegou ao fim após 38 dias de luta. Com um quadro de greve expressivo desde o início da mobilização, nos últimos dias o movimento contava com a participação de mais de 9 mil trabalhadores, representando 95% da categoria.
O Sintrasem, sindicato da categoria, que tem na sua direção militantes da Esquerda Marxista, galgou o difícil caminho de construir a unidade de diversas forças políticas e de todos os trabalhadores em torno de uma pauta: Nenhum direito a menos! Pela revogação das leis que retiram direitos dos servidores municipais! Relatamos a seguir o desenvolvimento dessa luta e seu desfecho.
Eleito com uma diferença de 1.153 votos para a segunda colocada, representando menos de 1% dos votos válidos, Gean Loureiro (PMDB) assumiu a Prefeitura Municipal de Florianópolis (PMF) com um discurso copiado do Presidente Ilegítimo Michel Temer (PMDB): “vou fazer um governo de austeridade!” No primeiro dia de governo, contrariando o que havia dito uma semana antes na mídia, Gean Loureiro afirmou não ter dinheiro para pagar os salários de dezembro, dívida de seu antecessor, César Souza Júnior (PSD).
No dia 05 de janeiro os trabalhadores da PMF realizaram sua primeira assembleia, quando foi declarado estado de greve para cobrar o pagamento dos salários atrasados. Nova assembleia aconteceu no dia 11 de janeiro. O Prefeito apresentou um calendário de pagamento, e realizou o depósito dos salários da maioria dos servidores. Ou seja, parecia resolvido o problema do pagamento de salários. Porém, no mesmo dia o Prefeito enviou para a Câmara Municipal de Florianópolis (CMF) 36 projetos de lei apelidados pelo Sintrasem como “o pacote de maldades de Gean Loureiro”.
A assembleia decidiu por continuar em estado de greve pela retirada desse pacote, tendo em vista que seis projetos atingiam diretamente os direitos dos servidores públicos, inclusive colocando em risco o serviço público municipal. Os outros projetos visavam conceder benesses ao setor empresarial da cidade: perdão de pagamento de dívidas contraídas, renúncia fiscal, liberação para construir sem alvarás de licenciamento ambiental, entre outros.
No dia 16 de janeiro nova assembleia com deliberação de greve foi realizada. O “pacote de maldades” seria votado em regime de Urgência Urgentíssima, em um rito que duraria no máximo 15 dias, passando por cima do Regimento Interno da Câmara. Essa assembleia teve um sabor especial, devido a algumas peculiaridades.
A grande maioria dos servidores presentes fazia parte do quadro civil da prefeitura, pois os trabalhadores do magistério estavam de férias. E foi talvez pensando que a ausência dos trabalhadores da educação fragilizaria o movimento que o Prefeito colocou em votação o “pacote de maldades” em janeiro. No entanto, a mobilização da base impulsionada por membros da direção do sindicato e do conselho deliberativo da entidade teve como resultado a construção de uma assembleia com a presença de mais de 5 mil trabalhadores. E a votação para deliberar pelo início de uma greve foi tomada por unanimidade: estava iniciada a greve pela retirada do “pacote de maldades” do Prefeito Gean Loureiro (PMDB).
Entre os dias 17 e 23 de janeiro, o Sintrasem procurou se articular com várias entidades sindicais e outros movimentos sociais, por meio do Fórum de Lutas em Defesa dos Direitos, do qual participavam representantes das centrais sindicais CUT, CTB, CSP/CONLUTAS e INTERSINDICAL, além de outros agrupamentos políticos, como a Unidade Classista, ligada ao PCB. Esta articulação garantiu a mobilização da sociedade contra o “pacote de maldades”, e a construção de um Ato Público e de uma Assembleia Popular para o dia 23 de janeiro em frente à Câmara Municipal.
No dia 24 de janeiro ocorreu a votação e a aprovação de todas as leis que retiravam nossos direitos, enviadas para a Câmara Municipal pelo prefeito Gean Loureiro. Os trabalhadores da COMCAP, empresa pública responsável pela coleta de resíduos sólidos e pela limpeza da cidade, paralisaram suas atividades e aderiram ao ato realizado pelos servidores da PMF, que se concentravam em frente à Câmara desde as 7 horas da manhã. A pressão exercida sobre os vereadores e o prefeito não foi suficiente para barrar a votação, e o projeto que retirava importantes direitos conquistados ao longo de anos pelos trabalhadores do serviço público municipal foi aprovado por 12 votos contra 11 votos. Enquanto a votação acontecia, do lado de fora a Guarda Municipal e a Polícia Militar reprimiam a manifestação com spray de pimenta, bombas de gás lacrimogênio, tiros de balas de borrachas, e batendo com cassetetes. Os trabalhadores presentes reagiram à violência, atirando cadeiras sobre os policiais e os colegas guardas municipais.
A assembleia seguinte foi marcada para o dia 26 de janeiro, e além da continuidade da greve tinha entre os encaminhamentos a suspensão da greve por tempo determinado, até o dia 6 de fevereiro, quando os trabalhadores do magistério retornariam de suas férias, e se unificariam aos trabalhadores de todos os setores na greve. Tanto a direção do sindicato quanto o conselho deliberativo defenderam esta posição, pois estavam preocupados com a reação dos trabalhadores diante da ameaça de corte do salário no final do mês de janeiro. Mas a assembleia rejeitou a suspensão da greve por tempo determinado por ampla maioria, indicando que aqueles trabalhadores estavam dispostos a enfrentar todas as adversidades que encontrassem pela frente.
A partir daí teve início uma nova fase da greve. A mobilização foi descentralizada, e diversas atividades foram realizadas em diferentes bairros da cidade, incluindo panfletagem de cartas abertas. Desta forma a população compreendeu as mentiras que estavam sendo ditas pelo prefeito. O movimento ganhou fôlego, e o prefeito recém-empossado teve sua imagem ainda mais desgastada.
No dia 07 de fevereiro foi realizada uma assembleia que pode ser considerada uma das maiores já realizadas pelos servidores municipais de Florianópolis. Cerca de 9 mil trabalhadores votaram unanimemente pela continuidade da greve e pela adesão do magistério no movimento. Pela primeira vez o ano letivo não foi iniciado nas unidades educativas municipais. E a cidade parou para acompanhar a passeata de quase três horas de duração, que ocupou a Avenida Beiramar Norte e ficará para sempre marcada na memória de quem a viu e de quem a vivenciou.
O Prefeito Gean Loureiro, guiado pela política de austeridade do PMDB, atacou os trabalhadores do serviço público municipal de todas as formas. Entrou com ação na justiça pedindo a ilegalidade da greve. O TJ decidiu que a greve era ilegal e que os grevistas deveriam voltar ao trabalho, e, em caso de descumprimento desta determinação, o sindicato receberia multa de 30 mil reais por dia. Como a greve continuou o Procurador Geral do Município, Diogo Nicolau Pitsíca, ingressou na Justiça com pedido de prisão e destituição da diretoria do SINTRASEM e intervenção da justiça no sindicato. Um verdadeiro absurdo! A Esquerda Marxista e a Corrente Marxista Internacional (CMI) deram início a uma campanha internacional em defesa das liberdades democráticas e pelo atendimento das reivindicações do sindicato. Mais de 500 entidades enviaram moções para os e-mails do Prefeito, do Procurador e da Desembargadora.
Essa campanha fortaleceu a mobilização, pois mostrou à nossa categoria solidariedade de trabalhadores e trabalhadoras de vários cantos do Brasil, e do mundo, como Rússia, EUA, Paquistão, França, Itália, Grécia, Iraque, Venezuela, Alemanha, México, El Salvador, Argentina, Bélgica, entre outros. Além das moções, no dia 16 de fevereiro mais de 25 entidades sindicais, movimentos sociais e organizações de juventude, além da direção nacional da CUT e Luciana Genro, liderança do PSOL, se uniram aos trabalhadores municipais, participando de um grande ato que parou o centro de Florianópolis. Foi sob essa pressão que a Desembargadora Vera Lúcia Copetti do TJ recusou o pedido de prisão dos dirigentes e intervenção no sindicato. Contudo, aumentou a multa pelo descumprimento da liminar para 100 mil reais por dia.
A entrada dos trabalhadores do magistério na greve elevou a qualidade do movimento, e não foi apenas pelo maior número de pessoas participando das assembleias. A presença desses trabalhadores na greve permitiu a realização de mais de 50 reuniões em diversos bairros da cidade, estabelecendo diálogos entre os servidores e os usuários do serviço público. Foi explicado à população que o Prefeito Gean Loureiro estava governando para os ricos da cidade, contrariando seu próprio discurso de campanha. A população pôde entender que Gean estava atacando o serviço público e os direitos dos servidores públicos com o objetivo de privatizar os serviços e repassar mais dinheiro público para os empresários da cidade. O prefeito chegou a receber o apoio público de trinta entidades patronais que pagaram matérias de duas páginas inteiras nos principais jornais do estado de Santa Catarina, defendendo as suas medidas e criticando duramente a greve dos trabalhadores municipais.
A resposta foi o desenvolvimento de uma campanha que se espalhou pela cidade: #Fora Gean! Nenhum direito a menos! Estas eram as palavras de ordem que os trabalhadores e a juventude da cidade de Florianópolis entoavam em várias ocasiões. O Prefeito já estava tendo dificuldades de transitar pela cidade sem ser hostilizado por transeuntes.
A greve radicalizou! Negociações nas quais o Prefeito tentava impor a retirada de direitos eram rechaçadas pelos grevistas. A OAB tentou intervir, agendando uma reunião entre o Sintrasem e o prefeito, e a direção do sindicato se recusou a participar desta reunião, que aconteceria na sede da própria OAB. O movimento dos trabalhadores da PMF tinha uma Comissão de Negociação, eleita em assembleia e formada por seis representantes de organizações políticas que intervém na base da categoria, como Esquerda Marxista, CSP/Conlutas, Intersindical, Tribuna Classista, Unidade Classista e O Trabalho. Foi deixado claro que era diretamente com esta comissão que o prefeito deveria se reunir, sem intermediários. No mesmo dia a Comissão foi convidada para uma reunião no Gabinete do Prefeito. Estes representantes tiveram a oportunidade de apresentar todos os pontos das leis aprovadas, mostrando os prejuízos para os trabalhadores e os riscos de acabar com o serviço público.
O que ficou claro nessa reunião é que o Prefeito Gean Loureiro estava antecipando as medidas que Michel Temer, também do PMDB, está propondo junto ao Congresso Nacional: as reformas da previdência e trabalhista. Continuamos firmes e resolutos em nossa posição política: a greve continua pela revogação do pacote de maldades!
No dia 21 de fevereiro fomos surpreendidos com a intimação da Desembargadora Vera Lúcia Copetti que, a pedido do Prefeito Municipal, abriu uma mesa de negociações entre as duas partes, agendada para o dia 22 de fevereiro.
O resultado da forte mobilização, com uma greve massificada e o diálogo direto com a população, foi a revogação da maioria absoluta das medidas que atacavam os trabalhadores do serviço público municipal. O apoio das mídias independentes, como Desacato, Maruim, Catarinas, Diário do Centro do Mundo, entre outros, também foi fundamental na disputa da opinião pública com a mídia burguesa.
A proposta que surgiu na mesa do dia 22 fevereiro foi apresentada no mesmo dia para a categoria, que decidiu interromper a assembleia até o dia seguinte, dando a cada trabalhador da prefeitura o tempo necessário para entender e analisar a proposta encaminhada. No dia 23 de fevereiro a assembleia continuou, e a proposta foi avaliada pelos mais de 3 mil trabalhadores presentes. O clima era de euforia, e o sentimento era de vitória da nossa estratégia, da nossa persistência, da nossa capacidade de organização. Desde o início desta última assembleia, no dia anterior, mais de 50 perguntas foram direcionadas à mesa, que respondeu pacientemente. Foram 21 falas de avaliação da greve e da proposta. Todos unânimes pela aceitação e saída da greve. A votação expressou essa unidade. Dos presentes apenas 9 companheiros votaram contrários.
Encerramos a greve, mas permanecemos em estado de greve, estado de máximo alerta, acompanhando a tramitação até a aprovação da lei acordada. Também decidimos por aderir ao dia nacional de paralisação, convocado pela Confetam e CNTE, em 15 de março, contra as reformas da previdência e trabalhista.
O salto de qualidade na consciência política de nossa categoria parece ser uma inspiração para que outras categorias construam a unidade para enfrentarmos juntos o ajuste fiscal do Presidente ilegítimo Michel Temer.
Viva a luta de classes!
Viva a classe trabalhadora!
Viva o socialismo!
* Alex Santos é presidente do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Florianópolis (Sintrasem).