Viva os 20 anos da ocupação da Cipla pelos trabalhadores!

Em outubro deste ano comemoramos 20 anos do início de um movimento histórico para a classe trabalhadora brasileira: a ocupação das fábricas Cipla e Interfibra pelos trabalhadores em Joinville e a luta em escala nacional e internacional que impulsionaram em defesa dos empregos, dos direitos, do parque industrial e da estatização sob controle operário.

Por ocasião dessa data tão especial, a Esquerda Marxista inicia uma campanha de comemorações e resgate histórico dos ensinamentos do “Movimento das Fábricas Ocupadas”, que consiste em:

A) preservar a história dos trabalhadores para que nunca caia em esquecimento e fique guardado para sempre no coração da classe operária brasileira e internacional como exemplo a ser seguido. Nesse sentido, nosso site inaugura uma seção inteiramente dedicada a (re)publicar, compilar e divulgar relatos, artigos, fotos, vídeos e calendário de atividades.

B) render homenagens e produzir análises dos grandes feitos, batalhas e ataques sofridos pelos trabalhadores que ousaram defender seus empregos e sua dignidade, como a parte mais avançada e resoluta do exército do proletariado em luta contra os exploradores. E, para tanto, nossa imprensa, como o Jornal Tempo de Revolução e a Revista América Socialista – Em Defesa do Marxismo – abarcarão, em suas páginas, textos e artigos para informar e explicar o que foi a ocupação da Cipla e toda a campanha pela estatização, as conquistas alcançadas, as barreiras impostas pelas direções sindicais e políticas reformistas e burocráticas da época, os ataques dos patrões e do aparelho do Estado burguês que culminaram na intervenção federal policial para destituir o Conselho de Fábrica etc.;

C) organizar reuniões e eventos, para apresentar e debater a história do “Movimento das Fábricas Ocupadas” para a geração atual de jovens e trabalhadores que se revoltam com tantas injustiças sociais e buscam uma saída frente à barbárie, para a qual o capitalismo arrasta a humanidade. A ideia aqui é extrair, ao máximo, as lições e ensinamentos, utilizando o legado daqueles trabalhadores para a luta pela transformação da sociedade nos dias de hoje.

Por que uma campanha sobre os 20 anos da ocupação da Cipla?

A greve e a ocupação da Cipla, como métodos de luta dos trabalhadores para evitar o fechamento da fábrica e para reivindicar o pagamento de salários atrasados e direitos sonegados, ganhou apoio popular na época e fez os patrões admitirem, na Justiça, que não tinham como pagar suas dívidas. Por isso, para não ficarem desempregados e sem receber o que lhes era devido, os trabalhadores decidiram, em assembleia, tomar o controle administrativo e operacional da Cipla. Os trabalhadores da Interfibra – fábrica que pertencia ao mesmo grupo econômico – que também estavam participando do movimento grevista, resolveram se unir aos companheiros da Cipla e adotaram a mesma decisão.

Para retomar a produção, os trabalhadores elegeram um Conselho de Fábrica, com representantes de vários setores e turnos das fábricas e, agregando nessa nova gestão operária, os militantes que ajudaram na organização da greve e na mobilização que culminou na ocupação.

Dentre os muitos problemas deixados pelos patrões, havia a questão das dívidas das empresas. Os trabalhadores não poderiam, nem deveriam ser responsabilizados por essas dívidas. Por isso descartaram, desde o início, a formação de uma cooperativa que os transformaria em novos patrões de um negócio repleto de dívidas e que os colocaria numa situação de explorarem a si mesmos e uns aos outros, para sobreviver à própria sorte, no voraz mercado capitalista. Portanto, era preciso discutir uma saída que fosse capaz de manter a produção e todos os mais de mil empregos ameaçados, e ainda buscar o pagamento dos direitos sonegados, como FGTS e INSS, que haviam sido descontados por anos, mas nunca efetivamente depositados.

O Conselho de Fábrica, então, descobriu que a maior parte das dívidas dos patrões era com o governo federal e, assim, após debater a situação com os trabalhadores, em assembleia, tomou-se a decisão de fazer uma campanha para que o recém-eleito governo Lula encampasse as fábricas. Inicia-se aí a batalha que iria se tornar o grande mote do Movimento das Fábricas Ocupadas: a luta pela estatização sob controle operário!

A bandeira da estatização das fábricas, combinada com a bandeira da reestatização das empresas privatizadas, com a da reforma agrária e outras demandas, despertou um forte movimento de solidariedade em escala nacional e internacional.

Sempre que os operários da Cipla e Interfibra e seus militantes ficavam sabendo que uma fábrica estava prestes a fechar as portas ou quando milhares de empregos estavam ameaçados, enviavam representantes para explicar sobre a ocupação e o controle operário, e prestavam apoio à luta de companheiros de outras fábricas. O exemplo dos trabalhadores da Cipla animou dezenas de outras ocupações, como a Flaskô, em Sumaré/SP, a Flakepet, em Itapevi/SP, a Ellen Metal, em Caieiras/SP, a Botões Diamantina, em Curitiba/PR, a Carrinhos Rossi, em Limeira/SP, a Fibracoco, em Pernambuco e várias outras. Também estiveram presentes em lutas contra as demissões em dezenas de outras empresas, como na Buscar, de Joinville/SC (empresa de ônibus), na Ford e na Volkswagen, em São Bernardo/SP e na Renault, em Curitiba/PR.

Os trabalhadores da Cipla também organizaram diversos encontros e marchas a Brasília para cobrar uma solução. Em 2003, o presidente Lula chegou a receber os operários, mas disse que “a estatização não estava no cardápio”, porém prometeu ajudar. Solicitou a um grupo de trabalho interministerial e de técnicos do BNDES um estudo sobre a melhor maneira de resolver a questão e a viabilidade da empresa.

A comissão técnica do BNDES concluiu que as fábricas eram viáveis se fossem encampadas pelo ente público, devido às dívidas deixadas pelos proprietários e ao fato de que a Interfibra era uma das abastecedoras da Petrobrás, ou seja, a mesma conclusão dos trabalhadores! Mas depois da elaboração desse parecer, Lula nunca mais recebeu os trabalhadores e delegava, para seus assessores e ministros, a tarefa de conversar com os representantes do movimento, sempre no intuito de persuadir os dirigentes de que a melhor alternativa seria o beco sem saída do cooperativismo ou da “auto-gestão”, ao invés do governo assumir suas responsabilidades e cumprir com as orientações do próprio BRDES/BNDES.

Ainda assim, os encontros e conferências organizadas pelos trabalhadores resultaram em uma rede internacional de irmandade de classe junto a trabalhadores de outros países que estavam em situação semelhante, como da Argentina, Venezuela, Paraguai, Uruguai, Bolívia, entre outros e conquistou, inclusive, a celebração de um acordo de cooperação entre a Cipla e o governo venezuelano, de Hugo Chavez. A fábrica brasileira ajudou na construção de casas populares utilizando material plástico especial, e o governo venezuelano retribuiu com o envio de matéria-prima para as fábricas Cipla, Interfibra e Flaskô.

Tudo isso despertou também o ódio dos patrões, que enxergavam o risco para sua classe advindo do “MST das fábricas”, como a Revista Veja assim classificou o movimento em uma matéria caluniosa, típica da imprensa burguesa. Logo após a chegada da primeira remessa de matéria-prima da então revolucionária Venezuela para as fábricas ocupadas no Brasil, uma feroz campanha foi desencadeada por associações patronais para pôr fim a esse movimento. E assim, os patrões, com o aval do governo Lula, na figura do Ministério da Previdência, e através do Judiciário, articularam uma intervenção federal policial. Em maio de 2007, destituíram o Conselho de Fábrica da Cipla e nomearam um interventor judicial.

No entanto, se por um lado, os patrões e o Estado burguês atacaram e paralisaram o coração do movimento que era a ocupação da Cipla, por outro, espalhou um legado que não se apaga e uma bandeira que permanece hasteada ainda hoje.

Por exemplo, não se pode apagar da história que aqueles militantes que ajudaram a construir o Movimento das Fábricas Ocupadas, junto aos trabalhadores mais avançados da Cipla, Interfibra e Flaskô, estão na origem do que vem a ser a atual Esquerda Marxista. E não só isso. O contato e a aproximação política e programática desses companheiros com militantes e trabalhadores de ocupações de fábrica na Venezuela estão na origem da fusão dessa corrente socialista e revolucionária brasileira com a Corrente Marxista Internacional (CMI)!

Podemos, então, afirmar, sem dúvidas, que no DNA da Esquerda Marxista, seção brasileira da CMI, encontra-se a luta dos trabalhadores da Cipla! E vice-versa: a dura e inspiradora luta dos trabalhadores da Cipla ajudou a forjar a Esquerda Marxista e sua fusão com a CMI como uma organização que luta pela vitória da classe operária, pela revolução socialista, no Brasil e internacionalmente. Temos orgulho de herdar esse passado e de nos referenciar nele para a luta revolucionária de hoje em dia.

E essa é uma questão de suma importância, porque reflete um salto na consciência política de dezenas de ativistas do Movimento das Fábricas Ocupadas, que chegaram à conclusão de que, para conquistar seus direitos, é necessário que os trabalhadores tomem o poder das mãos da burguesia e reorganizem a sociedade. A partir do exemplo da Cipla, se compreende a necessidade da luta pela revolução; da planificação da economia; de uma sociedade sem explorados e oprimidos.

Mais do que isso, aprenderam que não existe socialismo num só país, muito menos em uma só fábrica ou em um grupo delas e, por isso, buscaram generalizar a luta pelo Brasil e mundo afora. Compreenderam que não se faz nada disso sem uma organização política revolucionária e, portanto, colocaram-se na batalha pela construção de um partido revolucionário e de uma Internacional revolucionária, que é o combate atual da EM e da CMI!

Além disso, a luta dos trabalhadores da Cipla deixou inúmeros outros aprendizados para as gerações atuais de trabalhadores e jovens que, em todo o mundo, estão questionando o caos social em que vivem. Se olharmos para a realidade atual e para o horizonte do regime capitalista, só vamos enxergar guerras e ondas de milhares de migrantes despossuídos de tudo. Veremos miséria e pobreza aumentando sem parar, enquanto um punhado de bilionários (e até trilionários) ostentam uma riqueza estratosférica. Veremos os empregos, os postos de trabalho, os direitos sociais arduamente conquistados em décadas de luta de classes, virarem pó para satisfazer a necessidade de ampliação e concentração do capital financeiro internacional.

Ao contrário, se olharmos para a luta dos trabalhadores da Cipla, veremos que os trabalhadores são capazes de produzir segundo seus próprios interesses, e para sanar os problemas sociais, não para o enriquecimento privado de um patrão ou grupo de acionistas. O controle operário sobre a produção se mostrou mais efetivo do que a gestão patronal, garantindo, por exemplo, a redução da jornada de trabalho sem redução salarial de 40 para 30 horas semanais, ou até mesmo a destinação de parte do terreno da Flaskô para famílias sem teto. No lugar de uma área abandonada por anos, hoje existe um bairro em vias de regularização no local, a Vila Operária e Popular, na região do Parque Bandeirantes, em Sumaré/SP.

Isso só mostra o quanto os patrões conformam uma classe social parasitária do trabalho alheio e totalmente desnecessária para o progresso da civilização. Afinal, se os trabalhadores auto-organizados mostraram que são capazes de gerir a Cipla e outras fábricas, e produzir, significa que também são capazes de dirigir democraticamente os rumos da economia e da política de um país e do mundo, sem patrões nem generais, com o objetivo de erradicar a fome, a miséria, a pobreza e o desemprego, e garantir moradia, saúde, educação e serviços públicos gratuitos e para todos para, assim, abrir o caminho para uma era de paz e felicidade a todos os povos do planeta.

A luta dos trabalhadores da Cipla demonstra que a tomada dos meios de produção das mãos dos exploradores não tem nada de utópica, pelo contrário, é uma necessidade para a sobrevivência de nossa classe, afinal, uma fábrica fechada é um cemitério de postos de trabalho, e somente o abandono e a decadência social crescem em volta. O lema “fábrica quebrada, é fábrica ocupada e fábrica ocupada tem que ser estatizada” continua totalmente atual, basta ver a decisão de saída da Ford do Brasil e o fechamento de suas unidades, ou o anúncio recente de fechamento de uma fábrica da Caoa-Cherry em São José dos Campos, sem falar em outras empresas de menor porte, engolidas pela força de concentração de capital do imperialismo hoje.

Sem falar que, com o desemprego atingindo cerca de 10 milhões de trabalhadores no Brasil, impedir novas demissões, ocupar as empresas prestes a fechar, recuperar os postos de trabalho perdidos, gerar novos empregos e diminuir a jornada de trabalho sem redução salarial para dividir o trabalho entre todos, são tarefas urgentes para garantir uma vida digna a milhões de brasileiros!

Portanto, para homenagear o Movimento de Fábricas Ocupadas, como parte dos grandes combates da classe trabalhadora brasileira, e para conhecer com mais detalhes e profundidade toda essa história, árdua e, ao mesmo tempo, inspiradora, enfim, para tomar as lições e ensinamentos desse movimento e manter vivo o legado deixado por esses trabalhadores e militantes, é que chamamos todos a participar da campanha “Viva os 20 anos da ocupação da Cipla pelos trabalhadores”!