Foto: Alex Pazuello, Semcom

Volta às aulas, circulação e cadáveres: a acumulação de capital não pode parar

No dia 8 de fevereiro houve o retorno das aulas presenciais nas escolas públicas estaduais no estado de São Paulo e, no dia 15 de fevereiro, o retorno de parte das escolas públicas municipais da cidade de São Paulo. Nem todas as unidades voltaram, pois 580 escolas não puderam abrir devido à impossibilidade de seguir os protocolos de segurança, por problemas na contratação de profissionais de limpeza pela própria prefeitura ou devido a reformas inconclusas.

Estamos diante de um quadro em que se revela a inviabilidade dos protocolos – que por si já não garantem a segurança frente ao vírus. São mais de 57.500 mortes ocorridas só no estado de São Paulo pela Covid-19. Então, o que leva o governo Doria e Covas a obrigar o retorno às aulas?

A escola cumpre diversos papéis sociais. Ao mesmo tempo que objetiva o aprendizado do conhecimento historicamente acumulado e o desenvolvimento social dos estudantes, trata-se também do espaço onde as famílias trabalhadoras deixam seus filhos enquanto têm sua força de trabalho explorada por aqueles que detém os meios de produção. Essa é a base para o sistema capitalista manter-se em vigor, dada a manutenção da extração da mais-valia. A escola, dessa forma, torna-se parte do alicerce da estrutura de exploração do trabalho.

Base da sociedade capitalista, a mais-valia configura-se como o valor monetário gerado pelo trabalhador e que é expropriado dele, servindo de lucro para os patrões e para acumulação de capital. Tomando a produção de bens por parâmetro, o “trabalho necessário” realizado pelo operário é correspondente ao tempo de trabalho realizado para gerar um valor equivalente entre a quantidade de produto e sua remuneração (alimentação, vestuário, moradia, reprodução etc.).

No entanto, apartado do conhecimento de todo o processo de confecção do produto, tendo uma jornada de trabalho pré-estabelecida, o trabalhador é alienado do valor de sua produção, que gera também “trabalho excedente” (além do necessário para sua manutenção e reprodução), cujos valores destinam-se aos bolsos dos empregadores. Esse valor produzido pela força de trabalho e que não se dirige ao trabalhador é a mais-valia.

Os governos, seja em âmbito nacional (Bolsonaro), estadual (Doria) ou municipal (Covas), têm por objetivo atender aos interesses da classe dominante, a qual acumula todo esse trabalho excedente na forma de capital. Realizar um lockdown, com garantia de subsistência ao trabalhador, acesso à tecnologia aos estudantes em isolamento, propiciando o direito à saúde e à vida, interrompe a extração da mais-valia. Essa é a questão central de toda a catástrofe sanitária que vivemos no Brasil, e que agora enfrentam os trabalhadores em educação de todo o país.

Como parar a circulação de pessoas devido à pandemia, uma vez que isso significa parar a acumulação de mais-valia em um sistema econômico baseado justamente nisso? O que é ainda mais complicado: como fazer isso diante de um sistema baseado em uma enorme bolha financeira de crédito que apenas foi aumentada em proporções inéditas desde 2008?

E para piorar: em um contexto em que os Estados nacionais estão absurdamente endividados depois de terem destinado rios de dinheiro público e de crédito para empresas que nunca irão devolver esse dinheiro, pois o usaram para salvar suas próprias ações podres nas bolsas de valores, além do insistente pagamento da dívida interna e externa.

Por isso, vemos uma determinação tão grande, uma postura aparentemente irracional, que se curva à anticiência e ao negacionismo, tanto por parte do “reacionário” Bolsonaro, quanto do “ponderado” João Doria. Ambos estão aplicando a mesma abertura econômica e incentivo à circulação social e funcionamento pleno da economia. Isso porque a perspectiva política de ambos reflete os interesses objetivos e necessários da classe de capitalistas nacionais e internacionais. São agentes políticos dos interesses econômicos dos investidores imperialistas no Brasil, assim como dos intermediadores da Fiesp e outras associações patronais de maior ou menor relevo.

Em meio a diversas perdas de direitos da classe trabalhadora, com reformas trabalhistas e da previdência, que escancaram a luta de classes, não é de se estranhar as falas e medidas governamentais em defesa da economia, ainda que às custas das vidas dos trabalhadores. E com ao menos 14 milhões de pessoas desempregadas no país, segundo os dados oficiais, as vidas perdidas em nome do mercado são rapidamente substituídas por outras. São vidas precarizadas, que não deixarão a economia parar, continuando a enriquecer a burguesia. Trata-se de um enorme exército industrial de reserva, artificialmente mantido para cumprir o papel de reposição da parte ativa.

A volta às aulas orquestrada por todo o país corresponde a esse intuito: liberar a força de trabalho para mais plenamente ser explorada na extração de mais-valia. Em uma situação em que os problemas econômicos alavancam os políticos, e em que os políticos influenciam os econômicos.

Toda a disputa por protagonismo entre Bolsonaro e Doria se inscreve num quadro econômico de aguda crise econômica, onde a taxa de acumulação de capital vem caindo, com as empresas à beira de entrar em falência no mercado financeiro, com as ações se mantendo apenas com a intervenção dos Estados dando crédito sem lastro e o Brasil com seu orçamento comprometido com dívidas e mais dívidas.

Para os governos burgueses, o sistema de exploração do trabalhador não pode paralisar para não impactar a classe dominante. Nesse quadro, as escolas precisam retornar à normalidade para que outros setores se reestruturem e o acúmulo de capital pelos patrões se mantenha, ainda que sobre os corpos de 230 mil pessoas, ainda que colocando professores, alunos, familiares e conjunto da sociedade em risco de contágio e morte.

O choro e a perda de 244 mil entes queridos não sensibilizam o capital e seus governos. Esse é o sentido profundo por trás da proposta de retorno às aulas por parte dos governos em todo o Brasil. Esse é o quadro que precisa ser compreendido pelos trabalhadores da Educação, assim como pelos trabalhadores em geral, e pelos seus filhos. No que depender dos capitalistas e de seus representantes políticos, os trabalhadores podem ser sacrificados aos milhares desde que se garanta a acumulação de capital.

Assim, a única saída possível frente a esse sistema que prioriza a economia à vida dos trabalhadores e suas famílias é a luta organizada. A greve dos trabalhadores da educação, iniciada dia 8 pelos profissionais da rede estadual, e dia 10 pelos profissionais da rede municipal, é resposta a todos os ataques à categoria e à sociedade neste momento pandêmico e anterior a ele e, por isso, a necessidade de unir as lutas com a população e outros sindicatos em defesa da vida dos trabalhadores.