Negros e capitalismo no Brasil
Numa folha de papel uma aristocrata assinava a libertação de todos os afrodescendentes da escravidão, dizendo que o pacto social seguinte não estaria mais marcado por esse modo de exploração, mas pela escravidão assalariada. Nesse tipo de dominação a mercadoria não é mais o próprio ser, mas a força de trabalho.
O fim da escravidão marcava também o fim de uma época. O Império terminaria no ano seguinte. A partir dali, um mercado interno deveria ser criado e estimulado. Mas quem disse que negros e negras seriam incorporados, agora como assalariados, nesse mercado? Seu destino foi constituir uma das mais poderosas alavancas de acumulação capitalista: o exército industrial de reserva. Abandonados à própria sorte serviram para pressionar os imigrantes recém chegados a um intenso regime de exploração. Uma massa de desempregados na alvorada do capitalismo no Brasil, mas úteis para a elevação da produtividade, passaram a ser os deserdados da República.
No 130º aniversário da Lei Áurea dados recentes mostram que essa condição não mudou.
‘‘Mercado Negro’’
Como reflexo da recessão internacional, o Brasil foi empurrado para um dos maiores níveis de recessão e desemprego de sua história, numa crise que ainda agoniza. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), de novembro de 2017, demonstra que dos 13 milhões de desempregados oficiais, 8,3 milhões – ou 63,7% – eram pretos ou pardos.
A taxa de subutilização da força de trabalho ficou em 23,9% no terceiro trimestre do ano passado, isso corresponde a 26,8 milhões de pessoas, sendo que destas 17,6 milhões são pretas ou pardas (Pnad – 2017).
Os negros e pardos são minoria entre os trabalhadores com carteira assinada. Como consequência, são empurrados para o trabalho informal e para setores de baixa remuneração, sendo a maioria nos setores de agricultura, construção, serviços de alojamento e alimentação, e principalmente, serviços de domésticos. Além de ser a maioria dos trabalhadores ambulantes, cerca de 1,2 milhões (67%). Sem contar que a maioria da população negra, por ser pobre, começa a trabalhar mais cedo.
Um homem branco tem um salário médio de R$ 2.507, a mulher branca de R$ 1.810. Um homem negro tem um salário médio de R$ 1.458, a mulher negra de R$ 1.071, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT). No trabalho informal, as mulheres negras representam a esmagadora maioria, como por exemplo, no trabalho doméstico que chega a 90% da categoria.
Segundo uma pesquisa da Agência Brasil também de novembro do ano passado, 18% dos adultos brancos têm curso superior, mas entre os negros isso cai para 8%. Além disso, 93% dos jovens negros nunca fizeram um curso de idiomas e 60% não receberam qualificação profissional.
Contudo, a nossa conclusão a partir desses dados não é a de oposição entre trabalhadores pretos e brancos, mas sim a quem servem essas desigualdades e como a burguesia, se utilizando de diferenças elementares, estrutura e mantém o seu domínio, enfraquecendo a organização dos trabalhadores.
Enquanto classe
A burguesia tenta de toda forma reduzir o custo do trabalho no Brasil. Para isso impôs a reforma trabalhista, sobrepondo o negociado ao legislado, fazendo com que as categorias mais frágeis e desorganizadas tenham acordos desfavoráveis para os trabalhadores; impôs a lei da terceirização, empurrando mais trabalhadores para condições de trabalho cada vez mais precárias; impôs a Reforma do Ensino Médio, que coloca o desmonte da escola pública. E tenta impor a Reforma da Previdência, que afetará os mais pobres que começam a trabalhar mais cedo para manter a família.
Vemos como esses ataques visam aumentar ainda mais a exploração sobre o conjunto da classe trabalhadora, que é majoritariamente composta por pretos e pardos (53%) e que, por serem maioria em outros ramos da produção que não a industrial, acabam mais frágeis para organizar sua resistência enquanto classe. Ao mesmo tempo, na condição de trabalhadores informais e desempregados acabam atomizados diante da grande burguesia.
Se impõe a necessidade da construção de instrumentos independentes de classe, de união e organização dos trabalhadores, pretos e brancos, homens e mulheres.
Dois séculos de desigualdade e racismo
Segundo relatório da Oxfam de setembro do ano passado, o Brasil só deve promover a equidade entre salários para pretos e brancos em 2089, exatamente 201 anos depois da abolição da escravatura. Isso não nos serve. Nós queremos uma sociedade livre da escravidão assalariada para todos. O capitalismo só pode oferecer ilusões e migalhas para um punhado de negros e negras mais bem qualificados, mas já demonstrou que é completamente incapaz de fornecer condições dignas de vida e trabalho para qualquer ser. É chegada a hora de combater pela nossa plena libertação, cujo passo inicial é o fim do sistema capitalista.