Em 3 de fevereiro de 1962, o presidente norte-americano Kennedy assinou a proclamação 3447, decretando um embargo para todo comércio com Cuba, que entraria em vigor em 7 de fevereiro. Isso marcou o início oficial de um bloqueio de 60 anos (embora a violação imperialista tenha começado antes), que foi progressivamente fortalecido e enrijecido.
Os objetivos desta campanha de intimidação imperialista foram amplamente declarados em um memorando secreto de abril de 1960 pelo Subsecretário de Estado para Assuntos Interamericanos Lestor Mallory. O memorando, otimistamente intitulado “O Declínio e Queda de Castro”, começa apresentando o seguinte fato: “a maioria dos cubanos apoia Castro”. Qual é o problema, alguém poderia pensar? Há um governo em Cuba que tem o apoio esmagador da população. Por que isso deveria preocupar os EUA? Ah, mas, como Mallory aponta: “Fidel Castro e outros membros do governo cubano defendem ou toleram a influência comunista”.
Esse é o problema. “Não podemos permitir que um país se torne comunista só porque a população o apoia!”, é o que ele parece dizer. Essa linha de raciocínio resume todo o mérito do referencial de Washington na defesa norte-americana da “democracia” em suas negociações com Cuba. O povo cubano pode se dar o governo que quiser… desde que seja o governo que as corporações norte-americanas desejam.
Punindo Cuba com a fome
A propósito, no momento da redação deste memorando secreto, 6 de abril de 1960, a Revolução Cubana ainda não havia feito nenhuma declaração, nem tomado nenhuma medida que pudesse ser qualificada de socialista ou comunista. Ela implementou a reforma agrária e tomou medidas para reafirmar sua soberania nacional (ambas medidas democráticas nacionais). Só mais tarde, naquele mesmo ano, e em resposta às provocações dos EUA (a recusa de comprar uma cota de açúcar acordada e a recusa de refinar petróleo em refinarias de propriedade dos EUA) que a Revolução Cubana procedeu à expropriação de propriedades dos EUA na ilha, movendo muito rapidamente para a abolição do capitalismo. E foi só um ano depois, na véspera da invasão da Playa Girón (Baía dos Porcos), patrocinada pelos EUA, que Fidel Castro falou do caráter socialista da revolução.
Mas voltemos ao Subsecretário de Estado Mallory e seu memorando. Não só o governo de Castro é extremamente popular e tem tendências comunistas, diz ele, como também “não há oposição efetiva”. Ele, então, considera a questão da intervenção estrangeira, que parece descartar: “a oposição militante a Castro de fora de Cuba serviria apenas à sua e à causa comunista”. Esta é, naturalmente, uma compreensão perspicaz, mas também um pouco de cinismo. A essa altura, os EUA já trabalhavam em estreita colaboração com as forças reacionárias em Cuba e em Miami, patrocinando uma campanha de terrorismo, sabotagem, bombardeio aéreo e insurgência contrarrevolucionária em Cuba. Talvez o que Mallory estivesse tentando dizer fosse que esses métodos estavam se mostrando contraproducentes, o que é verdade.
Não que essa avaliação fosse impedir o imperialismo norte-americano de organizar o desembarque contrarrevolucionário em Playa Girón em abril de 1961, que foi rapidamente derrotado pelos trabalhadores e camponeses armados de Cuba.
Quais conclusões Mallory tira de suas observações? Ele escreve: “O único meio previsível de alienar o apoio interno é por meio do desencanto e do descontentamento baseados na insatisfação e em dificuldades econômicas”. Para isso, propõe então “uma linha de ação que… faz as maiores incursões negando dinheiro e suprimentos a Cuba, para diminuir os salários monetários e reais, para causar fome, desespero e a derrubada do governo” (grifo meu).
Então, aqui você tem em preto e branco, da boca do cavalo. Se o povo cubano tem a ousadia de apoiar amplamente um governo que “tolera a influência comunista”, então eles devem ser punidos, pela fome e desespero até que mudem de ideia e derrubem o governo. Este é o raciocínio por trás da política de agressão que o imperialismo norte-americano segue há 60 anos contra a Revolução Cubana. É uma política criminosa baseada em punir todo um povo por ter ousado libertar-se da dominação imperialista e abolir o capitalismo.
A recusa das refinarias de propriedade dos EUA em refinar petróleo comprado da União Soviética levou à intervenção estatal das refinarias da Texaco, Shell e Standard Oil entre 28 de junho e 1º de julho de 1960. A isso, os EUA responderam com um corte na cota de açúcar que eles haviam concordado em comprar de Cuba, no que era conhecido em Cuba como a “Ley Puñal” (“Lei da Adaga”, pois estava apunhalando a revolução pelas costas). Mas a Revolução Cubana não recuou diante da chantagem econômica. Ao contrário, respondeu nacionalizando (entre julho e outubro de 1960) todas as corporações norte-americanas na ilha. O presidente dos EUA, Eisenhower, então, impôs a proibição de todas as exportações dos EUA para Cuba, exceto alimentos e remédios.
A proclamação presidencial de Kennedy em 1962, impondo “um embargo a todo comércio com Cuba”, não foi, portanto, a primeira medida de agressão econômica contra Cuba, mas representou um ponto de virada qualitativa na campanha do imperialismo dos EUA contra a Revolução Cubana. Ele impôs uma proibição geral de todas as importações e exportações dos EUA para Cuba, que Washington havia calculado anteriormente que privaria Cuba de ganhos em moeda forte de 60 a 70 milhões de dólares americanos (cerca de 650 milhões de dólares no câmbio atual).
A decisão também foi informada pelo desastre completo da tentativa de invasão de Playa Girón no ano anterior e fez parte de um programa mais amplo de sabotagem e ataques paramilitares lançados pelos Estados Unidos, organizado e coordenado pela CIA, visando a mudança de regime. Essas atividades, sob o nome de Operação Mongoose, incluíram a infiltração de contrarrevolucionários armados na ilha, receberam financiamento de vários milhões de dólares, foram coordenadas no mais alto nível pela autoridade presidencial e deveriam culminar na derrubada e assassinato de Fidel Castro em outubro de 1962.
Kennedy queria que a ação econômica contra Cuba fosse tomada conjuntamente pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Em janeiro de 1962, na cúpula da OEA, em Punta del Este – Uruguai, Washington pressionou todos os países a expulsar Cuba do órgão e sujeitá-lo a um bloqueio econômico, mas não obteve unanimidade. Quando percebeu que não obteria unanimidade, contentou-se então com uma maioria de dois terços de 14 votos e uma resolução diluída. A fim de atingir os 14 votos necessários, Washington concordou em retomar a ajuda ao Haiti, então governado pelo brutal ditador François Duvalier, em troca de um voto favorável na OEA. Toda a operação, claramente, não tinha nada a ver com “democracia”, nem com “direitos humanos”, mas em conter o “comunismo” e a revolução em todo o continente. Não havia nem mesmo a dissimulação de que fosse sobre qualquer outra coisa.
Sob instruções de seus senhores em Washington, os países da OEA expulsaram Cuba, e 14 deles também concordaram com diferentes medidas de sanções econômicas. Foi, apenas em 1964 que a OEA como um todo, sob pressão dos EUA e com a desculpa do apoio de Cuba à luta de guerrilha na Venezuela, concordou com um bloqueio comercial contra Cuba, com apenas o México votando contra. A resolução fala que Cuba se colocou fora das “tradições cristãs e democráticas dos povos americanos” (!!), mas, claramente, nenhuma ação foi tomada pela OEA contra as impiedosas ditaduras da Argentina, Chile, Uruguai, República Dominicana, Guatemala, Nicarágua (que era governada por Somoza no momento do acordo de bloqueio a Cuba) etc. Talvez essas ditaduras não violassem os “princípios cristãos dos povos americanos”…
Embora os países europeus não tenham aderido formalmente ao bloqueio dos EUA, eles também reduziram drasticamente o comércio com Cuba.
É significativo notar que o bloqueio foi originalmente colocado em lei sob a administração democrata de Kennedy [membro do Partido Democrata]. A fracassada invasão militar de Playa Girón também foi realizada sob sua tutela. Isso deve ser suficiente para dissipar quaisquer ilusões de que os democratas no poder têm uma política externa de alguma forma mais “humana”. A política externa imperialista dos EUA é bipartidária, com ambas as partes defendem os interesses da classe dominante.
A revolução cubana respondeu ao bloqueio de Kennedy em 4 de abril de 1962, com um comício em que Fidel Castro proclamou a Segunda Declaração de Havana, expressando um desafio contínuo ao imperialismo dos EUA e pedindo uma revolução em toda a América Latina.
A resiliência da revolução à medida que o embargo enrijece
É uma prova da resiliência da Revolução Cubana que o bloqueio não tenha conseguido destrui-la. Houve um curto período, na década de 1970, em que houve uma tentativa de normalização das relações entre Cuba e os EUA, e houve uma flexibilização parcial das medidas econômicas, mas não deu em nada, e sob o governo Reagan na década de 1980, o bloqueio foi enrijecido novamente.
Por todo um período, a estreita aliança com a URSS apoiou a economia cubana, embora isso viesse com amarras. Mas após o colapso do stalinismo na União Soviética, a Revolução Cubana foi deixada por conta própria, sofrendo um colapso econômico maciço.
Foi justamente nessa época que novas propostas de leis foram introduzidas pelo imperialismo norte-americano, ampliando o alcance do bloqueio. A Lei Torricelli de 1992, patrocinada por um democrata, apoiada por Bill Clinton e assinada por George W. Bush, reintroduziu o bloqueio a subsidiárias de empresas sediadas nos Estados Unidos e impediu que navios que atracavam em portos cubanos atracassem em portos norte-americanos por 180 dias.
Depois veio a ainda pior Lei Helms-Burton de 1996, instaurada por representantes republicanos e assinada por Bill Clinton, que tornou extraterritorial o bloqueio dos EUA ao ameaçar empresas não-americanas com sanções legais nos EUA se negociassem ou investissem em ativos cubanos confiscados pela revolução.
Mais tarde, particularmente entre 2002 e 2014, a Revolução Venezuelana forneceu uma salvaguarda política e econômica para Cuba, provando que, em última análise, o destino da Revolução Cubana será resolvido na arena da luta de classes internacional. Mas a crise econômica na Venezuela também teve um efeito negativo sobre Cuba.
60 anos depois, uma parte da classe dominante dos EUA admitiu que essa política não funcionou e não atingiu seus objetivos. O abrandamento de Obama representava uma tentativa de perseguir os mesmos objetivos (esmagar a revolução) por meios diferentes (por meio do aríete do capitalismo mundial).
Trump pôs fim a essa política e instaurou 243 medidas separadas para enrijecer o bloqueio, em meio à pandemia de Covid-19, incluindo a ativação do Título III da Lei Helms-Burton, que havia sido suspensa. Estes tiveram um impacto catastrófico sobre Cuba. Calcula-se que, somente em 2020, o bloqueio tenha causado danos no valor de 9 bilhões de dólares. Deve-se notar que nenhuma dessas medidas foi revogada por Biden.
O bloqueio estadunidense é uma política criminosa, que visa, como bem explica o memorando de 1960, punir com a fome o povo cubano por ter ousado desafiar o imperialismo e ter abolido o capitalismo.
O bloqueio tem sido consistentemente condenado pela Assembleia Geral das Nações Unidas nos últimos 30 anos. Em 2020, apenas dois países votaram contra uma moção condenando o bloqueio, os EUA e Israel. Em seu relatório às Nações Unidas, Cuba estimou o custo acumulado do embargo, ao longo de seis décadas, de 148 bilhões de dólares.
No entanto, 30 anos de votos na ONU não mudaram a posição dos EUA em nem uma polegada. Esta é uma demonstração do quanto esta é uma organização figurativa. A ONU pode aprovar as resoluções que quiser. Se o imperialismo dos EUA não concordar, nada será feito. Por outro lado, se o imperialismo norte-americano pensa que pode usar a ONU como um artifício para a intervenção imperialista, então o fará; como no caso do Congo na década de 1960, a primeira Guerra do Golfo em 1991, ou mais recentemente a intervenção da ONU no Haiti.
Nem todos os problemas que a Revolução Cubana enfrenta derivam do bloqueio. O isolamento da revolução em uma pequena ilha com recursos econômicos limitados e a existência de uma burocracia no Estado são sérios obstáculos à construção do socialismo. Mas certamente, o bloqueio é um fator de primeira ordem.
É dever de todos os revolucionários, mas também de todos os democratas consistentes, travar uma luta consistente contra este bloqueio imperialista criminoso e defender incondicionalmente a Revolução Cubana.
TRADUZIDO POR MICHELLE VASCONCELLOS
PUBLICADO EM MARXIST.COM