Encontro entre Lula e Alckmin em dezembro de 2021. Foto: Ricardo Stuckert

A “esquerda” do PT contra Alckmin

No dia 16 de janeiro, foi publicada entrevista com Rui Falcão, deputado federal pelo PT de São Paulo. Na ocasião, Falcão se pronunciou contra a possibilidade da presença de Geraldo Alckmin na chapa presidencial com Lula, apresentando três motivos principais:

“Primeiro porque temos um programa de reconstrução e transformação do país, como a Fundação Perseu Abramo [órgão de estudos do partido] vem trabalhando. Segundo, o Alckmin é a contradição a tudo isso que fizemos e pretendemos fazer. Terceiro, dá uma sinalização muito negativa para uma campanha que tem que ser aguerrida, mobilizada e com a construção de comitês de defesa da eleição do Lula que permaneçam depois como comitês de apoio do programa de transformação”.

Na entrevista, o parlamentar petista também destaca o apoio de Alckmin ao impeachment sofrido por Dilma em 2016 e “suas posições ultraconservadoras”, criticando as políticas realizadas pelo ex-governador de São Paulo. Falcão ainda comenta que assinou um manifesto de militantes petistas contra a presença de Alckmin na chapa presidencial com Lula, levando em conta

“os atos cometidos nos governos de Alckmin contra os trabalhadores em geral, contra os servidores públicos, contra a saúde e a educação, contra a segurança pública, contra negros e negras, contra jovens e estudantes, contra os moradores da periferia, contra o meio ambiente”.

Não existe até o momento nenhuma confirmação da presença de Alckmin como candidato à vice-presidente, ainda que as tratativas tenham sido confirmadas e sejam abertamente debatidas na imprensa. “Não terei nenhum problema em fazer chapa com o Alckmin para ganhar as eleições e governar”, afirmou Lula. Essa articulação faz parte da perspectiva de garantir a governabilidade de um possível novo governo Lula, colocando como vice-presidente um nome de confiança da burguesia, como o foi a figura de José Alencar na eleição de 2002. Caso não seja Alckmin, possivelmente outra figura de confiança da burguesia será escalada para assumir este papel. Portanto, o problema a ser debatido vai muito além da figura de Alckmin.

Certamente a presença de Alckmin na chapa de uma candidatura que se pretende de esquerda é uma afronta aos interesses dos trabalhadores. Alckmin, seja como governador, seja como dirigente do PSDB, foi cúmplice ou mesmo responsável direto por ataques contra os trabalhadores, em seguidas gestões do seu partido nas esferas municipal, estadual e federal. Mesmo que hoje Alckmin tente se afastar do PSDB, chegando a fazer críticas públicas a Doria e afirmando que se empenhará na campanha de Haddad, sua trajetória pública sempre esteve marcada pela defesa da política desse partido. Uma marca comum das gestões de Alckmin, Serra, FHC, Doria e Covas foi o ataque a direitos dos trabalhadores e a repressão contra greves e manifestações.

Nesse sentido, a saída de Alckmin do PSDB, migrando para o PSB, não muda em nada a questão, afinal o ex-governador de São Paulo tem um histórico de representar os interesses da burguesia. Por outro lado, o PSB, apesar de ser apresentado como um partido de esquerda e ter a palavra socialista no nome, é um fiel defensor dos interesses da burguesia. Além de uma parte dos parlamentares do partido ter votado a favor do impeachment de Dilma, a legenda durante anos foi a casa de políticos reacionários. Em Santa Catarina, por exemplo, o partido recebeu os representantes da família Bornhausen, fiéis defensores da ditadura e dos interesses da burguesia, e até mesmo parlamentares ligados ao MBL, como Bruno Souza, atualmente deputado estadual pelo NOVO. Souza foi bastante atuante no ataque a direitos dos trabalhadores municipais de Florianópolis em seu mandato como vereador eleito pelo PSB.

Mesmo sem Alckmin ou mesmo sem ter o candidato a vice-presidente, é praticamente certa a aliança do PSB com o PT, ou seja, uma frente de colaboração de classes, que deve ter também a presença de outros partidos burgueses. Vale destacar que, na entrevista, Falcão não demonstra qualquer incômodo com esse tipo de frente:

“nós temos que ter uma política de alianças centrada nos partidos do campo democrático e popular, que pode se expandir. Ter um programa que atraia eventualmente outros setores além da esquerda, mas não rebaixá-lo para ser aceito pelo centro e pela Faria Lima”.

Nessa frente ampla de partidos, além do PSB, caberiam partidos oriundos da classe trabalhadora, como PCdoB, PSOL e UP, e, também, partidos burgueses ou setores de legendas que se coloquem como críticos ao governo Bolsonaro, como é o caso de PDT, REDE, PV e até mesmo MDB e PSDB. Os parlamentares destes partidos burgueses ou parte de suas bancadas, nos últimos anos, votaram a favor de políticas que atacavam diretamente os interesses da classe trabalhadora, como as reformas da previdência e trabalhista ou o teto de gastos proposto por Michel Temer. Esses partidos, portanto, não representam os interesses dos trabalhadores, pois se posicionam defendendo a manutenção da ordem burguesa.

Para Lula e a direção do PT, essa frente de colaboração de classes será a política a ser aplicada. Nesse debate, a presença de Alckmin não é considerada um problema pela direção PT, ainda que haja alguma resistência dentro do partido, tal como demonstra o manifesto mencionado por Rui Falcão. Até mesmo o MST, histórico aliado do PT e de suas candidaturas, manifestou não ver problemas na presença do ex-governador de São Paulo na chapa presidencial, enfatizando seu “comportamento de democrata”.

Portanto, o que se tem é um cenário no qual alguns setores questionam a figura de Alckmin, mas não a política de conciliação de classes. Essa é a mesma política de alianças com a burguesia que levou o PT a um governo de colaboração de classes a partir de 2003. A busca pela governabilidade em nome da estabilidade das instituições do Estado significou o ataque a direitos dos trabalhadores e o escoamento de dinheiro público para garantir os interesses da burguesia.

Contudo, esse processo político e a construção de alianças com a burguesia para a próxima eleição presidencial deve expressar algumas contradições. Embora seja apenas um setor do PT a se manifestar criticando a aliança com Alckmin, e ainda que esse debate esteja sendo feito de forma limitada e sem questionar a frente ampla, o manifesto de militantes petistas e a entrevista de Rui Falcão mostram para a burguesia que existe desconfiança e descontentamento entre apoiadores de Lula. Este, por outro lado, já afirmou que “não vai tolerar indisciplina”. Parece estar tentando evitar um cenário semelhante ao do primeiro ano do seu mandato, quando um grupo de parlamentares se rebelou contra a reforma da previdência, apresentada pelo governo em 2003.

Após serem expulsos por indisciplina, estes parlamentares fundaram o PSOL que, passados todos esses anos, não vem se empenhando para lançar uma candidatura própria na próxima eleição presidencial, com um programa que represente interesses dos trabalhadores e de combate ao capital.

Precisamos construir uma direção revolucionária para que grandes revoltas e mesmo revoluções não sejam conduzidas para derrotas e falsas saídas. Somente a tomada do poder pelos trabalhadores pode pôr fim ao capitalismo.