Bolsonaro obteve 58 milhões de votos no 2º turno. No entanto, além de sair derrotado, seria um erro avaliar que todos estes eleitores são defensores das pautas da extrema-direita. Há entre eles uma pequena-burguesia assustada com a crise que viu em Bolsonaro seu salvador, e mesmo parcelas menos conscientes da classe trabalhadora iludidas com discursos demagógicos e medidas eleitoreiras do governo. Minoria entre os próprios eleitores de Bolsonaro estão os radicais que, inconformados com a derrota, fecham rodovias, acampam em frente a quartéis e partem para a violência contra os apoiadores do presidente eleito. Ainda mais minoritários na sociedade estão os que apoiam o nazismo ou o fascismo. Mas o fato é que existem tanto ações violentas de bolsonaristas, quanto demonstrações de apoio ao nazismo e ao fascismo. O movimento operário e da juventude não pode assistir passivamente a estas ações, é preciso dar uma resposta com unidade e mobilização.
Alguns exemplos do que estes grupos têm realizado. Antes do resultado das urnas empossar Luiz Inácio Lula da Silva como o novo presidente do país, um setor do bolsonarismo iniciou a prática de atos de violência contra militantes petistas, das coligações do PT, da esquerda em geral e sobrou até para pesquisadores do DataFolha. Os casos mais emblemáticos: o homicídio do Tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu no Paraná, Marcelo Arruda, assassinado durante sua festa de aniversário com tema do PT; uma bomba caseira jogada no comício da pré-candidatura de Lula na Cinelândia no Rio de Janeiro; ataque com líquido de mal cheiro jogado com drone no lançamento da pré-candidatura de Alexandre Kalil (PSD) que tinha Lula como convidado em Uberlândia, Minas Gerais.[1]
Após o resultado das urnas no dia 30 de outubro, um setor do bolsonarismo se radicalizou em práticas de violência, covardemente contra adolescentes e crianças, como nos casos de estudantes agredidos em Jundiaí-SP[2] e em Belém-PA[3], manifestações e no bloqueio golpista de 421 pontos das rodovias, exigindo intervenção militar. Outro componente dessa situação é que, desde a eleição de Bolsonaro, grupelhos neonazistas se sentiram mais confortáveis para colocar a cabeça para fora dos bueiros onde habitam, como foi o caso dos estudantes que ameaçaram a vida da Prof.ª Mara[4] em Franco da Rocha-SP sob falas de que ela “desperta o Hitler interior” em 2019.
Mais recentemente, nesse contexto das eleições e da derrota eleitoral de Bolsonaro, algumas expressões de orientação neonazista começaram a reaparecer, como pixações da suástica nazista e ameaçada terrorista na Etec Parque da Juventude em São Paulo[5], ameaça de massacre seguida de pixação da suástica nazista no campus Pirituba do Instituto Federal de São Paulo. Uma professora, no Paraná, faz saudação nazista dentro da sala de aula.[6]
No colégio Visconde de Porto Seguro, um colégio de elite em Valinhos-SP, estudantes criaram um grupo com cerca de 32 participantes chamado “Fundação Antipetismo”, onde espalhavam mensagens de ódio e racismo e que tinham a proposta de organizar uma manifestação contra o resultado das urnas. O teor das mensagens era do tipo “quero que estes nordestinos morram de sede”, “quero sua mãe, aquela negrinha”, “sou pró-reescravização do Nordeste”, “quero ver podre se foder ainda mais agora”, e “ai como pobre é burro”.[7] No grupo, também havia menções a suástica nazista e outras referências ao nazismo.
Na última semana de novembro, quando fechávamos esse artigo, ocorreram dois ataques armados no Espírito Santo e em Minas Gerais, em duas escolas em Aracruz-ES e uma em Contagem-MG. No primeiro, o atirador tem 16 anos e cometeu o crime, que levou a morte de uma menina e 11 feridos, usava uma braçadeira com a suástica nazista, era filho de PM apoiador de Bolsonaro.[8] No segundo, pichações com suástica nazista e menções a Hitler foram feitas e uma exposição sobre o Dia da Consciência Negra foi destruída.[9]
Nas universidades públicas, três situações chamaram atenção. Na UFABC[10] um estudante foi expulso por utilizar moletom com um dos símbolos nazistas – o Sol Negro – que estava presente em um dos salões principais do castelo de Wewelsburg, sede da SS, a tropa de assalto nazista. Na UFSC, uma pixação com ameaça de morte a estudante judeu da enfermagem e suástica nazista foi encontrada na porta do banheiro. Essa pixação circulou nas redes com um tipo de carta anônima com diversas ofensas machistas, racistas e homofóbicas. Ao final dizem “Bolsonaro vai ganhar novamente e vai ser o fim de vocês nas federais. (…) A polícia não nos intimida”.
É verdade que o governo Bolsonaro estimulou um núcleo duro de apoiadores que se identificam com as ideias conservadoras e da extrema-direita. Também é verdade que uma pequena-burguesia com mais condições econômicas teve a possibilidade de se armar com o aval das políticas que Bolsonaro impulsionou. Mas, como já dissemos, muito longe de implementar um regime fascista, Bolsonaro sai do pleito eleitoral derrotado e abatido, e a escória neonazista que sobe do esgoto para cima é ainda ultraminoritária.
Não, o fascismo não está em cada esquina e é preciso, em primeiro lugar, saber identificar sua real força. Não têm base de massas, não se constituem como uma força predominante e influente e não conseguem se organizar em um partido.
A burguesia, principalmente, o capital financeiro segue apostando na via de unidade nacional representada por Lula-Alckimin e não têm interesse em incentivar ações da extrema-direita de maneira organizada. E, como são ultraminoritários entre a maioria da população, suas ações são vistas repugnância e são por vezes combatidas pela juventude e trabalhadores. Por isso, vários desses casos citados acima tiveram um desfecho que serve de exemplo para os demais: o estudante da UFABC expulso a partir da mobilização dos estudantes, a professora do Paraná demitida, a pixação da UFSC investigada e estudantes presos, as agressões bolsonaristas em Jundiaí-SP foram respondidas com ato dos estudantes secundaristas junto à comunidade escolar e os estaleiros de Santos-SP e munícipes de São Mateus no ES e as torcidas organizadas de diferentes estados desbloquearam as rodovias.
Em Joinville-SC, nossos camaradas impulsionaram um ato de frente única contra manifestações nazistas que apareceram na biblioteca e banheiro.[11]
Ao mesmo tempo, a violência bolsonarista existe, indivíduos e pequenos grupos de nazistas existem e precisam ser, a cada demonstração, combatidos de maneira exemplar pela juventude e pelo movimento operário através da Frente Única.
Mas muitos militantes e ativistas podem se perguntar como fazer isso. E o primeiro passo é conhecer a tática da Frente Única. Em 2018, escrevi um artigo que aprofunda as lições de Trotsky na lua contra o nazismo na Alemanha na década de 1930, presentes no livro Revolução e Contrarrevolução na Alemanha, e que mostra também o enfrentamento da Frente Única Antifascista contra os Integralistas no que que ficou conhecido como a Batalha da Praça da Sé, a partir do livro A revoada dos galinhas verdes, de Fúlvio Abramo:
“A tática da frente única decorre do fato de que, em sua luta contra os patrões, contra a classe capitalista, os trabalhadores se inclinam para a unidade de ação, uma unidade defensiva contra um adversário. Ao mesmo tempo, sob as diversas divisões em que se encontra o movimento operário, a frente única garante a possibilidade de enfrentar o inimigo em suas lutas e avançar em conquistas.
O partido, sendo um órgão de propaganda e um órgão de ação massas, passa por divisões, separações que são inevitáveis para se tornar o partido da revolução e que aprenda com isso a dirigir ações coletivas do proletariado.
Nesse sentido, o uso da tática da frente única coloca os reformistas na parede para que entrem em movimento em luta ao lado dos comunistas. Assim, com uma política resoluta e acertada, as vacilações dos reformistas logo serão percebidas pelos indivíduos de sua base, pelos demais operários que se sentiram mais confiantes sob a direção comunista. Entretanto, mesmo sob a disciplina da unidade na ação, o partido revolucionário deve conservar toda a sua independência programática e de agitação, considerar os erros de seus aliados momentâneos e apontá-los sem tergiversar.
Temer tal aproximação ou mesmo encará-la como adaptação é um erro de quem, mesmo compreendendo as necessidades, não está disposto a encará-las na prática. Assume-se assim uma postura vacilante que nada ajuda na construção da organização revolucionária.
Assim Trotsky retoma as suas considerações sobre a frente única para o terceiro e quarto congresso da Internacional Comunista, assim como as dos documentos aprovados pelos primeiros congressos, que ainda conservavam toda a validade.” Quem tem medo de fascistas?
Um trecho da Tese sobre a Tática, do terceiro congresso da Internacional Comunista, de 1921 diz o seguinte:
“A Internacional Comunista deve opor sua estratégia a estratégia da burguesia mundial. Contra o dinheiro do capital mundial que opõe ao proletariado organizando seus bandos armados, a Internacional Comunista dispõe de uma arma infalível: as massas do proletariado, a frente única
e firme do proletariado. Os estratagemas e a violência da burguesia não terão sucesso se milhares de operários avançarem em fileiras cerradas para o combate. Os caminhos de ferro sobre os quais a burguesia transporta suas tropas brancas estarão parados; o terror branco se apoderará então de uma parte das próprias guardas-brancas e o proletariado tirará suas armas para a luta contra as outras formações de guardas-brancas. Se conseguirmos levar o proletariado à luta, unido numa frente única, o capital e a burguesia mundial, perderão as chances de vitória, a fé na vitória que só podem lhe dar a traição da social-democracia, a divisão da classe operária. A vitória sobre o capital mundial ou melhor o caminho para esta vitória é a conquista dos corações da maioria da classe operária.”
A tática da frente única não é um acordo de cúpulas, de direções autoproclamadas revolucionárias, também não é uma tática que perde de vista a independência política do proletariado em relação a burguesia. A tática da frente única permite agrupar a classe trabalhadora e a juventude contra um inimigo comum, portanto, diz respeito a unidade da classe, ao mesmo tempo que conserva a total independência da burguesia. A tática da frente única diz respeito a ganhar a maioria das massas para a luta revolucionária e, portanto, diz respeito à luta pela tomada do poder.
Em segundo lugar é preciso compreender o papel das direções majoritárias do movimento operário que, hoje, atuam para promover a consciência de que as instituições burguesas e a polícia que devem resolver as ameaças, intimidações e agressões bolsonaristas e de orientação nazista. Nada mais falso e errado. Essa linha, a linha das ilusões nas instituições podres do capitalismo é um verdadeiro desserviço para a classe trabalhadora, pois não inspira nos trabalhadores e juventude a confiança necessária para enfrentar segundo suas próprias forças qualquer ato de intimidação da direita. Não ensina os trabalhadores a conhecerem seus próprios e históricos métodos de luta e combate. Delega aqueles que nos atacam a tarefa de combater as ameaças que recebemos. Essa linha deve ser denunciada, criticada, enfrentada e certamente encontraremos nos elementos mais dispostos da classe o apoio para isso.
Nossa tarefa consiste em cobrar a responsabilidade das atuais direções do movimento para o enfrentamento do bolsonarismo radical e da extrema direita. A CUT, PT, PCdoB, PSOL, UNE, UBES devem ser sempre chamados à responsabilidade que têm como direção majoritária dos movimentos da classe operária e juventude mobilizar suas bases para o enfrentamento. Na esfera local, as direções das entidades de representação estudantil e operária são responsáveis por convocar os atos, assembleias, manifestações, atividades e reuniões com o mesmo sentido e nossa tarefa é explicar isso aos estudantes e trabalhadores.
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Mas mesmo uma organização revolucionária minoritária no movimento pode e deve lutar pela frente única. Foi o caso dos trotskistas em São Paulo no início dos anos 1930, que não eram mais que 50 militantes, cuja ação foi central para a formação da Frente Única Antifascista (FUA). A partir de sua posição na União dos Trabalhadores Gráficos (UTG) os trotskistas fizeram um chamado que conseguiu agrupar outros sindicatos, partidos e organizações antifascistas para combater os Integralistas. Na época, a direção do movimento era o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Contudo, a direção do PCB não concordava com a tática da frente única e defendia as frentes populares, de colaboração com a burguesia.
É a partir da iniciativa dos trotskistas de buscar a mais ampla unidade da classe operária e de suas entidades de representação, inclusive dos stalinistas que perseguiam internacionalmente Trotsky e a Oposição de Esquerda, que Herminio Sacchetta, então dirigente do Comitê Regional de São Paulo do PCB, vai aderir ao chamado da FUA para a contramanifestação de 7 de outubro de 1934 que botou “os galinhas verdes” para correr pelas ruas de São Paulo, e posteriormente, aderir ao trotskismo.
Esse episódio mostra que a tática da frente única pode ser impulsionada por organizações pequenas para agir na luta de classes e promover a unidade do movimento operário para vencer seus inimigos comuns. Também mostra que é possível arrastar militantes e agrupamentos que hoje estão ligados aos aparatos reformistas e contrarrevolucionários para a organização revolucionária.
Em qualquer situação de intimidação, agressão ou perseguição bolsonarista ou da extrema-direita nossa primeira tarefa é denunciar a situação e chamar à responsabilidade das direções do movimento.
Onde temos posições no movimento estudantil e operário como direção, e houver qualquer situação de intimidação, a responsabilidade é nossa por organizar e mobilizar a base com faixas, reuniões, manifestações sobre o tema, buscando agrupar outras entidades e organizações. Também é preciso detalhar um Serviço de Ordem, para garantir a segurança da ação e de todos os envolvidos. Ao mesmo tempo, continua a necessidade de chamar à responsabilidade da CUT, UNE, UBES, PT, PSOL etc.
Nossa batalha fundamental é para ganhar a maioria do movimento para as nossas posições e por isso a necessidade de cobrar das atuais direções do movimento que saiam da inanição política e passem à ação.
Nossa tarefa enquanto revolucionários é enfrentar as tendências de ação direta, de aventuras vanguardistas, para resolver as coisas com as nossas próprias mãos os problemas gerais do movimento. Temos que reconhecer nossa atual posição, entender nossas forças e principalmente não substituir a classe trabalhadora e as massas com ações individuais e pretensamente heroicas. Nesse sentido, cada militante revolucionário está chamado a estudar, a aprender com a história, ler “Revolução e contrarrevolução na Alemanha” e “Aonde vai a França?” de Leon Trotsky; “A revoada dos galinhas verdes” de Fúlvio Abramo; “Tese sobre a Tática” do terceiro congresso da Internacional Comunista, 1921. Entender como surgiu o fascismo italiano e o nazismo na Alemanha.
Para qualquer ativista realmente interessado em combater a violência bolsonarista e a ação de grupelhos neonazistas, é necessário aumentar o nível de organização. Por isso te convidamos a se somar as fileiras da Esquerda Marxista, seção brasileira da Corrente Marxista Internacional.
[1] Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/homicidio-de-tesoureiro-do-pt-integra-serie-de-atos-violentos-nas-eleicoes-2022/
[2] Disponível em: https://www.instagram.com/p/Ckixa8vD1os/
[3] Disponível em: https://www.instagram.com/reel/CksyjmYt-4q/?igshid=MDJmNzVkMjY%3D
[4] Disponível em: https://liberdadeeluta.org/em-defesa-da-vida-da-prof-a-mara-abaixo-a-perseguicao-politica-pedagogica-e-as-ameacas-contra-sua-vida/
[5] Disponível em: https://ponte.org/escola-tecnica-e-pichada-com-suastica-nazista-e-ameaca-de-massacre-em-sp/
[6] Disponível em: https://g1.globo.com/pr/campos-gerais-sul/noticia/2022/10/11/professora-que-fez-saudacao-nazista-em-sala-de-aula-e-demitida-de-escola-no-parana.ghtml
[7] Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2022/11/02/estudante-negro-vitima-de-racismo-em-colegio-de-elite.htm
[8] Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2022/11/ataque-em-aracruz-atirador-planejava-invadir-escolas-desde-2020.ghtml
[9] Disponível em: https://www.otempo.com.br/cidades/escola-de-contagem-e-alvo-de-ataque-com-referencias-nazistas-1.2773987
[10] Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/11/03/aluno-da-ufabc-e-retirado-da-instituicao-apos-por-usar-roupa-com-simbolo-nazista-alunos-protestam.ghtml
[11] Disponível em: https://liberdadeeluta.org/combater-os-elementos-nazistas-cade-nossa-faixa-univille/