São diversas as formas que o Estado capitalista encontrou de usurpar o dinheiro do povo. Em todas elas, o mecanismo da dívida pública está para o capital assim como a água está para a vida. Vamos nos utilizar, para explicar essas questões, de dois dos programas de assistência ao trabalhador mais importantes e que têm sofrido diversos ataques: o seguro-desemprego e o abono salarial.
Esses programas recebem recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) que, por sua vez, são recolhidos via impostos do Programa de Integração Social (PIS) destinado aos trabalhadores do setor privado e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP) destinado aos trabalhadores do setor público. Ou seja, o patrimônio de R$ 283 bilhões que o FAT gere tem dono, ou melhor, são donos todos os trabalhadores. Isso precisa ficar claro para entendermos como o Estado capitalista se lambuza com o dinheiro público.
Como dito nas descrições do FAT, em seu portal:
‘‘A partir da promulgação da Constituição Federal, em 05 de outubro de 1988, nos termos do que determina o seu art. 239, os recursos provenientes da arrecadação das contribuições para o PIS e para o PASEP foram destinados ao custeio do Programa do Seguro Desemprego, do Abono Salarial e, pelo menos quarenta por cento, ao financiamento de Programas de Desenvolvimento Econômico, esses últimos a cargo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES.’’ [grifos nossos]
Pelo menos 40%, mas atualmente são 78,2% do montante de R$283 bilhões emprestados ao BNDES. E o que isso significa? Significa que quase R$226,4 bilhões estão sendo utilizados para emprestar para grandes capitalistas, quando na verdade deveriam financiar geração de empregos entre as pequenas e médias empresas, como é anunciado em suas próprias descrições. Uma contradição evidente.
Na lista encontramos então Mercedes-Benz, Fiat, Volkswagen, Gerdau etc. Enquanto isso, há previsão de déficit de R$17,9 bilhões em 2017 e de R$20,6 bilhões para 2018 no fundo. Disso resulta a intenção de acabar com o abono salarial em 2019.
Essas são situações absolutamente correlatas.
Sucedeu-se que o governo decidiu passar a conta para o BNDES e em 21/08/2017 enviou ofício para que banco começasse a devolver os empréstimos concedidos pelo FAT.
Faço aqui uma digressão. O governo assim o fez não porque esteja comprometido com a segurança econômica e com a dignidade dos trabalhadores desempregados. Seu objetivo é político, afinal alguém precisa pagar as “emendas parlamentares”, ou se preferir, compra direta de deputados e senadores, impedindo as investigações de corrupção em que Temer está metido.
Voltando à questão. Similar ao que faz o Estado com a dívida pública, o BNDES estava pagando apenas os juros e não amortizando o principal. E o FAT que era superavitário tornou-se deficitário por conta de uma política irrestrita de aporte de dinheiro público em grandes empresas privadas, fortalecendo o grande capital nacional e internacional.
Além dos empréstimos às grandes empresas, uma reportagem da Exame de junho de 2015 revela todos os grandes bilionários do país que têm participações em empresas que receberam empréstimos, com taxas abaixo das praticadas no mercado, pelo menos uma vez, providos pelo BNDES. Nessa lista estão Jorge Paulo Lemann, hoje homem mais rico do Brasil e representante do capital financeiro; Marcel Herrmann Telles, dono da Ambev; Joseph Safra, um dos maiores banqueiros do país; os irmãos Marinho, donos da Globo, entre vários outros…
O BNDES, na pessoa de seu presidente Paulo Rabello, disse que:
‘‘O banco avalia que este não é o melhor momento para devolver ao Tesouro os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) repassados ao banco de fomento, como quer o Ministério da Fazenda.’’
Não é o melhor momento? Como não? Sendo que estamos num contexto de 13,3 milhões de desempregados! É para isso que deveriam estar sendo utilizados os recursos do fundo mas, ao contrário, o governo alega falta de recursos para um programa que é tão importante e impactante na vida de milhões de brasileiros em situação de marginalidade econômica.
E como é que o governo fará o aporte para o FAT, enquanto o dinheiro dos empréstimos do BNDES não chegam? Bem simples, um velho mecanismo do estado capitalista: emissão de títulos do tesouro da dívida pública! Voilà!
Independente dessa disputa, quem paga a conta na verdade são os trabalhadores tendo o recurso que é seu, gerado pelo seu trabalho e realizado ao pagar os impostos, sendo utilizado para financiar empresas que espoliam, que exploram todos os trabalhadores. E uma vez mais sendo espoliados pelo Estado que usa o dinheiro da educação, saúde, moradia, para pagar religiosamente a dívida interna e externa.
Para concluir, Marx, quando estava desbravando os mistérios da economia capitalista no seu “O Capital”, disse-nos claramente que:
“O sistema do crédito público, isto é, da dívida do Estado, cujas origens descobrimos em Gênova e Veneza já na Idade Média, apossou-se de toda a Europa durante o período da manufactura. O sistema colonial, com o seu comércio marítimo e as suas guerras comerciais, serviu-lhe de estufa. Deste modo, fixou-se primeiramente na Holanda. A dívida pública, isto é, a alienação [Veräusserung] do Estado — tanto despótico como constitucional ou republicano — marcou com o seu selo a era capitalista. A única parte da chamada riqueza nacional que realmente está na posse colectiva dos povos modernos é — a sua dívida pública. Daí, muito consequentemente, a doutrina moderna de que um povo se torna tanto mais rico quanto mais profundamente se endividar. O crédito público torna-se credo do capital. E, com o surgir do endividamento do Estado, vai para o lugar dos pecados contra o Espírito Santo — para os quais não há qualquer perdão — o perjúrio contra a dívida do Estado.” (Gênese do capitalista industrial, Capítulo 24 de O capital, Karl Marx)?