Nas últimas semanas, as tentativas de Bolsonaro em ampliar a mobilização de sua cada vez menor base política fizeram com que a esquerda voltasse a especular sobre os riscos de mais um suposto golpe. Em entrevista, a ex-presidente Dilma falou em “golpe dentro do golpe”, em referência ao AI-5, implantado durante a ditadura e usado para ampliar a repressão contra os opositores ao regime, inclusive setores da direita que tinham deixado de apoiar o governo nascido do golpe de 1964, como Carlos Lacerda. Dilma afirmou que “o golpe vem em etapas”, e ressaltou:
“Lembre que toda ditadura é um processo. Por isso que eu digo que o Golpe de 2016 é o ato zero do golpe, é o ato inaugural, mas o processo continua. É o pecado original dessa crise que o país atravessa. Foi a partir dali que se desenrolou todo o processo golpista”.
Bolsonaro, por outro lado, depois de meses falando em fraude eleitoral e defendendo o voto impresso, sem conseguir apresentar qualquer prova sobre a validade dessa reivindicação ou indício de falta de segurança das urnas eletrônicas, vislumbrou que talvez a saída seja o chamado à mobilização de seus apoiadores, como os atos convocados para o dia 07 de setembro. Que a eleição burguesa seja uma fraude, não resta dúvida, e a vitória eleitoral de Bolsonaro certamente foi uma das expressões disso. Mas o que Bolsonaro tenta fazer é jogar uma cortina de fumaça e, ao mesmo tempo, busca uma nova coesão para a base eleitoral que o elegeu, ainda que diversos setores o tenham abandonado e hoje se envergonhem disso. Parte dessa base eleitoral, com a piora nas condições de vida e com os escândalos de corrupção que aparecem toda a semana, aprofundada pela péssima gestão da pandemia, se afastou do governo, cuja rejeição hoje em dia está em torno de 60%.
Mais uma vez, Bolsonaro tenta mobilizar uma tentativa de bonapartismo, algo que sempre se mostrou infrutífero nesses mais de dois anos de governo. Procura se afastar dos demais poderes da democracia burguesa, inclusive atacando membros do Judiciário e do Legislativo. Procura, além disso, apoio entre as Forças Armadas e entre as polícias militares, não se importando nem mesmo com a hierarquia e o funcionamento desses órgãos. Em sua maioria essas ações não passam de uma agitação vazia, sem uma organicidade entre as classes dominantes, ainda que seja o suficiente para que a esquerda reformista faça alusão ao AI-5 da ditadura e para que a burguesia e o imperialismo olhem com receio para o governo.
O governo dos Estados Unidos esboçou sua opinião ainda quando o centro da agitação de Bolsonaro era questionar o sistema eleitoral e ameaçar não ter eleições em 2022. No começo de agosto, o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, visitou Bolsonaro e entregou uma mensagem do governo norte-americano: “não tumultue as eleições”. O imperialismo não tem interesse em uma ação golpista, preferindo um regime que aparente ter um funcionamento minimamente democrático.
Nesta semana, foi a própria burguesia quem se pronunciou sobre a instabilidade política. Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), é um dos articulares de manifesto, ainda não divulgado, que também envolve a Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN), se posicionando “em favor do entendimento e harmonia entre os três poderes da República”. Outro documento, elaborado por entidades ligadas ao agronegócio, entre as quais a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), afirma:
“As entidades associativas abaixo assinadas tornam pública sua preocupação com os atuais desafios à harmonia político-institucional e, como consequência, à estabilidade econômica e social em nosso país.”.
Portanto, neste momento, por um lado, Bolsonaro procura formas de fortalecer seu governo por meio da mobilização de parte dos setores que garantiram sua vitória eleitoral em 2018. Contudo, sua tentativa de bonapartismo se mostra ainda mais capenga do que antes, afinal o necessário apoio da burguesia continua a se esvair. Por outro, a burguesia teme que a instabilidade institucional e o constante embate entre os três poderes possa impedir o avanço das reformas almejadas pelas classes dominantes. Para a burguesia, em suas diversas frações, a instabilidade política existente, ampliada pela retórica de Bolsonaro, pode colocar em risco a concretização das saídas que eventualmente amenizem os efeitos da crise econômica sobre os lucros de bancos e empresas. O documento dos empresários do agronegócio fala abertamente sobre isso:
“É o Estado Democrático de Direito que nos assegura essa liberdade empreendedora essencial numa economia capitalista, o que é o inverso de aventuras radicais, greves e paralisações ilegais, de qualquer politização ou partidarização nociva que, longe de resolver nossos problemas, certamente os agravará”.
Para os trabalhadores, esses embates nas esferas institucionais e entre as classes dominantes interessam apenas na medida em que são exemplos da fragilidade da dominação burguesa e da possibilidade de derrubar esse sistema. Essa crise deixa cada vez mais clara não apenas a possibilidade, mas a necessidade urgente de um governo dos trabalhadores, sem patrões nem generais. Contudo, para tanto, as direções dos trabalhadores não devem se limitar a procurar aliados entre os críticos conjunturais de Bolsonaro, angariando políticos fisiológicos para um bloco eleitoral em torno de Lula para 2022. A esquerda também não deveria priorizar a atuação parlamentar e limitar suas reivindicações a conseguir o impeachment de Bolsonaro. A única saída possível passa pela organização na base dos trabalhadores e da juventude e pela unidade de suas organizações, para derrubar imediatamente o governo Bolsonaro e lutar pela construção do socialismo.