Há um ano, o referendo de independência catalã de 1º de outubro se converteu em um ponto de inflexão em toda a situação política da Catalunha e da Espanha. O que chamamos de “outubro republicano” se caracterizou por uma abrupta entrada das massas na arena política. Vimos uma impressionante mobilização desde as bases que desafiou o aparato do Estado e a vacilação dos dirigentes da Generalitat, convertendo-se em um dos desafios mais importantes aos que enfrentaram o regime de 1978 em 40 anos.
Um ano mais tarde, os membros do governo catalão que convocaram o referendo estão na prisão sem fiança (à espera de julgamento por rebelião) ou no exílio. Dezenas de ativistas republicanos receberam acusações que vão desde incitação ao ódio até terrorismo e alguns também foram obrigados a se exilar. Existe uma ameaça permanente de que o Estado espanhol intervenha e suspenda os poderes delegados às instituições catalãs. O governo aceita os limites estabelecidos pelo Estado espanhol.
Nem esquecer, nem perdoar
O aniversário do referendo de 1º de outubro esteve marcado com bloqueios de rodovias e ações de rua por parte dos Comitês de Defesa da República que surgiram há um ano. Os estudantes se declararam em greve e marcharam em uma sólida manifestação com 50 mil participantes pelas ruas de Barcelona. À tarde, centenas de milhares marcharam em Barcelona e outras cidade sob o lema “1º de outubro, nem esquecer, nem perdoar”. O ambiente era combativo e desafiador, mas também muito crítico aos líderes do movimento de independência no governo catalão.
Existe uma crescente frustação diante do fato de que os partidos que respaldam o atual governo em Barcelona (o PDECat[1] e ERC[2], nominalmente independentistas) falam de “fazer da República Catalã uma realidade” e de “implementar a vontade das pessoas expressada no referendo”, mas na prática fica nos limites determinados pelo Estado espanhol.
No ato ao final da manifestação, o presidente catalão, Quim Torra, foi vaiado. “O povo manda, o governo obedece”, foi a palavra de ordem ouvida. Mais tarde, a polícia catalã (os Mossos d’Esquadra) reprimiram grupos de ativistas independentistas que chegaram às portas do Parlamento catalão e também à frente da sede central da delegacia da Política Nacional, na Via Laietana. A brutalidade da repressão policial contra os partidários da independência (e sua indulgência diante dos provocadores de extrema-direita) levou a pedir a renúncia do Conselheiro do Interior catalão, Miquel Buch.
Tirar as lições
Um número crescente de pessoas no movimento de independência está dando conta de que é necessário extrair todas as lições do que aconteceu há um ano. Centenas de milhares de pessoas comuns, organizadas a partir das bases, por meio de comitês, garantiram a abertura dos centros de votação, desafiando o poder do Estado espanhol. Defenderam-nos diante da brutal intervenção policial. Sem esses esforços, não haveria referendo.
A estratégia dos líderes do governo catalão era a de convocar o referendo com a esperança de usá-lo como uma ferramenta de negociação com o Estado espanhol ou para forçar a intervenção da União Europeia se isso falhasse. A ideia de desobediência civil massiva nunca entrou em seus cálculos. O único elemento que mudou tudo foi a entrada decisiva das massas em cena, e o 1º de outubro e, depois, durante a greve geral de 3 de outubro. O movimento adquiriu características insurrecionais. O Estado espanhol se comprometeu a evitar que o referendo fosse realizado e usou o poder de seus corpos de homens armados para isso. Fracassaram. O referendo aconteceu. O povo havia ganhado.
No dia seguinte, os políticos nacionalistas e pequeno-burgueses formalmente à frente do movimento, ficaram paralisados. Vacilavam e hesitaram. Em 10 de outubro declararam a República, mas imediatamente anunciaram a suspensão de tal declaração. Pediram ao Estado espanhol que negociasse. O Estado espanhol emitiu um ultimato. O governo catalão vacilou novamente. Finalmente, em 27 de outubro, declararam a República, mas simplesmente como um gesto simbólico, sem nenhuma intenção nem nenhum plano para a defender. Alguns foram para o exílio, outros esperaram ser retirados de seus postos e logo foram presos.
O Estado espanhol não vacilou. Dissolveu o governo catalão e o Parlamento e convocou eleições antecipadas. Os partidos pró-independência voltaram a ganhar as eleições, mas a justiça espanhola vetou a formação de um novo governo catalão até que ser eleito um presidente que não estivesse sob acusação por participar no referendo. A maioria independentista do Parlamento catalão protestou, mas aceitou as limitações impostas pelo Estado espanhol.
Contra o capitalismo, pela República Catalã!
As constantes vacilações e retrocessos por parte dos nacionalistas pequeno-burgueses provocaram um sentimento de frustração, mas também uma crescente oposição contra eles entre as fileiras do movimento republicano catalão. Os Comitês de Defesa da República e a CUP[3] passaram a tomar suas próprias iniciativas separadas para mobilizar as massas, opondo-se ao governo catalão durante os eventos que comemoram o primeiro aniversário do referendo.
O referendo da independência catalã de um ano está pleno de lições. No contexto do regime de 1978 do Estado espanhol, a autodeterminação só pode ser conseguida por meios revolucionários. O povo usou meios como mobilizações de massas, organização das bases, ação direta e greves gerais. Os políticos nacionalistas pequeno-burgueses não estavam dispostos a seguir esse caminho e levaram o movimento a uma rua sem saída.
A conclusão é clara: para que o movimento avance é requerida uma direção que se baseie firmemente nos métodos que a população utilizou há um ano para garantir que acontecesse o referendo. Por meio de suas próprias experiências, milhares de ativistas estão chegando a essa conclusão.
Os Comitês de Defesa da República e a CUP têm uma enorme responsabilidade sobre seus ombros. No aniversário do referendo, as ações de protesto começaram a tomar um caráter anticapitalista, com comícios em frente aos bancos, ação direta contra os despejos e o fechamento da Bolsa de Barcelona. Este é o caminho a ser seguido. A luta por uma República Catalã e contra o regime de 1978 só pode ter êxito se usar métodos revolucionários e adotar um perfil anticapitalista, que atraia a solidariedade e o apoio do restante da Espanha.
[1] Parti Demòcrata Europeu Català – Partido Democrata Europeu Catalão, partido burguês da Catalunha (Nota do Tradutor – N.T.).
[2] Esquerra Republicana de Catalunya – Esquerda Republicana da Catalunha, fundado em 1931 (N.T.).
[3] Candidatura d’Unitat Popular – Candidatura da Unidade Popular, partido político catalão fundado em 1986 (N.T.).
Artigo publicado na página do Lucha de Clases, seção espanhola da Corrente Marxista Internacional, sob o título “Catalunya: Manifestaciones de masas marcan el aniversario del referéndum de independencia”, em 4 de outubro de 2018.
Tradução de Nathan Belcavello de Oliveira