18 de outubro de 2023
Centenas de pessoas foram mortas ontem no bombardeio ao Hospital Al-Ahli al-Arabi (Batista), no distrito de Al-Zeitoun, na cidade de Gaza. O hospital não estava apenas cuidando dos seus próprios pacientes – muitos feridos em ataques aéreos israelenses – mas também abrigando milhares de pessoas que procuravam segurança contra o ataque das Forças de Defesa Israelenses (FDI). À medida que a notícia se espalhava, dezenas de milhares de manifestantes furiosos saíram imediatamente às ruas no Líbano, na Jordânia, na Turquia, na Tunísia e na Cisjordânia, atacando as embaixadas israelenses e os prédios dos imperialistas norte-americanos e franceses. A cimeira entre líderes árabes e Biden na Jordânia foi cancelada agora.
Como sempre, o Estado israelense foi rápido em negar qualquer responsabilidade. Primeiro, culpou um míssil do Hamas com defeito. Depois mudou a sua história para culpar a organização Jihad Islâmica Palestina (PIJ, em suas siglas inglesas). A máquina de propaganda israelense acelerou sua produção, oferecendo todo o tipo de “evidências” para se distanciar do horrível massacre. Já vimos isso antes. Na verdade, este é o modus operandi que o Estado israelense adota ao tentar minimizar as consequências quando comete um ato de brutalidade particularmente cruel contra os palestinos.
História de mentiras
Permitam-nos apenas dar um exemplo relativamente recente. Em maio de 2022, a jornalista palestina israelense Shireen Abu Akleh foi assassinada enquanto cobria um ataque do exército israelense ao campo de refugiados de Jenin, na Cisjordânia. Primeiro, Israel negou qualquer conhecimento ou envolvimento. Depois, alegou que a jornalista havia sido morta pelos tiros de um militante palestino. Isso não correspondia aos fatos e, por essa razão, mudaram a história: Shireen havia sido morta em um tiroteio cruzado entre militantes palestinos e soldados israelenses, em um “acidente trágico”. Mas não havia militantes palestinos na linha de fogo no momento em que ela foi morta. Finalmente, ficou provado, sem sombra de dúvida, que ela havia sido assassinada por um atirador israelense que a tinha deliberadamente alvejado, apesar de ela estar usando um casaco com o aviso “imprensa” muito visível. Ninguém foi levado à justiça por sua morte.
Para piorar a situação, no dia do seu funeral, as forças de segurança israelenses invadiram a casa da família da jornalista assassinada para apreender bandeiras palestinas e impedir que fossem hasteadas no funeral. Não satisfeitos com isso, atacaram os carregadores do féretro durante o cortejo fúnebre, quase forçando-os a largar o caixão.
Temos outro exemplo recente, que tem paralelos ainda mais próximos com o que aconteceu ontem. Em agosto de 2022, um ataque aéreo israelense atingiu o campo de refugiados de Jabâliyah, em Gaza, matando cinco crianças. A primeira reação do Estado israelense foi dizer… vejam só!… que haviam sido mortas por um foguete PIJ avariado! Uma semana depois, foram forçados a admitir a verdade. Não houve lançamento de foguetes PIJ na área. As cinco crianças palestinas foram mortas por um ataque da Força Aérea Israelense.
Para tomar outro exemplo da história, em 1996, Israel atingiu deliberadamente um complexo da ONU em Qana, no Líbano, com um ataque de mísseis. O complexo da ONU estava abrigando civis vítimas dos ataques de Israel. Cento e seis pessoas morreram, 52 delas crianças. Este foi o relatório de Robert Fisk:
“Desde Sabra e Chatila [quando a Falange Libanesa assassinou milhares de civis palestinos e libaneses xiitas em 1982] eu não via inocentes massacrados desta forma. As mulheres, crianças e homens refugiados libaneses jaziam amontoados, sem mãos, braços ou pernas, decapitados ou estripados. Havia bem mais de cem deles. Um bebê estava no chão, sem cabeça. Os projéteis israelenses os atingiram enquanto estavam ao abrigo das Nações Unidas, acreditando que estavam seguros sob a proteção do mundo.”
Primeiro, Israel alegou que houve um erro de seleção de alvos. Depois culpou o Hezbollah por “usar civis como escudos humanos”. Eventualmente, investigações abrangentes levadas a cabo pela ONU, pela Anistia Internacional e por jornais israelenses determinaram que o Exército Israelense tinha o complexo deliberadamente como alvo.
A história israelense sobre o bombardeamento do hospital Al-Ahli al-Arabi está cheia de brechas. Logo depois de publicarem a história sobre o “foguete PIJ com defeito”, o jornalista freelance Séamus Malekafzali assinalou que um dos vídeos que os porta-vozes israelenses usaram para respaldar sua afirmação sobre o ataque ao hospital havia sido filmado entre meia hora e uma hora após o ataque ao hospital. Isto forçou as contas oficiais de Israel a deletarem ou editarem os seus tuítes em conformidade. Eles estavam mentindo e foram pegos em flagrante.
Imediatamente após o ataque, várias fontes oficiais e semioficiais israelenses ofereceram explicações completamente diferentes, em alguns casos reivindicando a responsabilidade pelo ataque e tentando justificá-lo. Nananya Naftali, um propagandista israelense que trabalhou como conselheiro de mídia de Netanyahu, argumentou que o ataque das FDI tinha como alvo uma base do Hamas dentro do hospital. Depois, ele foi forçado a deletar a postagem e a oferecer “um pedido de desculpas”.
Ele não foi o único que tentou justificar ataques aéreos a hospitais alegando que o Hamas os utiliza como bases militares. A vice-secretária de imprensa do Pentágono, Sabrina Singh, disse que o Hamas “está colocando suas unidades de comando e controle dentro de hospitais”, uma afirmação completamente mentirosa. A BBC também publicou um artigo no dia anterior formulando a capciosa pergunta: “O Hamas constrói túneis sob hospitais e escolas?” A emissora pública do Reino Unido ofereceu uma justificativa para o bombardeamento de hospitais e escolas pelo Estado israelense.
O que realmente sabemos é isto: durante 10 dias, as FDI bombardearam Gaza incansavelmente. Na verdade, já na primeira semana tinham usado mais bombas do que a força invasora dos EUA usou no Afeganistão em um só ano. Esta é uma área densamente povoada, razão por que centenas de civis inocentes foram mortos, incluindo mais de 800 crianças na última contagem, suspeitando-se que muitas delas se encontram sob os escombros. Não há uma “orientação por precisão” nesta campanha. O seu objetivo é incutir o medo nos corações de 2,3 milhões de pessoas.
Até ontem, 17 hospitais e instalações de saúde haviam sido atingidos por ataques aéreos israelenses. No mesmo dia do ataque mortal ao hospital, uma escola da agência de refugiados da ONU, no campo de refugiados de al-Maghazi, no centro de Gaza, foi atingida por um ataque aéreo israelense, matando pelo menos seis pessoas, incluindo funcionários da UNRWA [Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados], ferindo dezenas e causando graves danos estruturais ao prédio. A escola estava sendo utilizada como abrigo para os palestinos deslocados por ataques aéreos israelenses, por pensarem que as FDI não atingiriam uma instalação da ONU, pois possui as coordenadas GPS de todos eles. Eles estavam equivocados, tragicamente equivocados.
Continua o assassinato em massa
Mesmo depois do massacre no hospital, Israel continuou a atacar Gaza e a sua população com bombardeios aéreos. Nem uma pausa, nem mesmo uma trégua. Dois foram mortos no bombardeio a uma padaria no campo de refugiados de Nuseirat, perto de Deir al-Balah. Qual é a razão por trás disso? Israel já está bloqueando Gaza, por isso nem alimentos nem suprimentos podem entrar. Destruir os meios para produzir pão forçará os habitantes de Gaza a saírem do norte da faixa, como lhes foi ordenado pelo Estado israelense.
Na manhã de hoje, 25 pessoas, homens, mulheres e crianças, foram assassinadas em um ataque aéreo à casa da família Al-Astal. Muitos deles eram membros da própria família, enquanto outros haviam se deslocado das suas casas devido a ataques aéreos anteriores.
Sabemos também que Israel ordenou que toda a população do norte de Gaza evacuasse para o sul e isso incluía instruções específicas para evacuar os hospitais. Sabemos disso porque a Organização Mundial de Saúde informou: “O hospital era um dos 20 no norte da Faixa de Gaza que recebiam ordens de evacuação dos militares israelenses. A ordem de evacuação tem sido impossível de ser executada dada a atual insegurança, dado o estado crítico de muitos pacientes e dada a falta de ambulâncias, de pessoal, de capacidade de leitos do sistema de saúde e de abrigo alternativo para os deslocados”.
Não só isto, o hospital Al-Ahli al-Arabi já havia sido atingido por um ataque aéreo israelense no sábado! De acordo com uma declaração do Anglican News Service: “O Centro de Tratamento de Diagnóstico do Câncer do Hospital Al-Ahli Arabi em Gaza foi atingido por um míssil israelense. Dois andares superiores do Centro, que abrigam as enfermarias de ultrassom e mamografia, foram gravemente danificados.”
Na manhã do ataque, o exército israelense emitiu um aviso específico aos habitantes do distrito de Al-Zeitoun, onde está localizado o hospital. O chefe das operações de mídia em língua árabe das FDI, Avichay Adree, ameaçou: “Uma mensagem aos residentes do bairro de Zeitoun. Vocês sabem que o bairro está lotado e cheio de esconderijos do Hamas. Portanto, para preservar a sua segurança e a segurança das suas famílias e entes queridos, dirijam-se para o sul de Wadi Gaza.”
Todas as provas circunstanciais apontam para a responsabilidade israelense por este terrível massacre. Esta é também a conclusão de Yolanda Álvarez, ex-correspondente para o Oriente Médio da emissora nacional espanhola RTVE:
“Sobre o massacre no hospital Al Ahli, depois de ter coberto duas guerras em Gaza (2012 e 2014): só os ataques de Israel podem matar centenas de pessoas (com bombas de uma tonelada). Os mísseis do Hamas e da Jihad também matam, mas não têm essa capacidade. Quando o exército israelense lançou o seu primeiro ataque mortal a uma escola da UNRWA em 2014, em Beit Hanoun, Gaza, recebi um SMS do seu porta-voz dizendo: ‘Foi o Hamas’. A investigação independente da ONU mostrou que todos os ataques às escolas foram perpetrados por Israel.”
Padrões duplos
É repugnante ver a hipocrisia e a duplicidade de critérios dos meios de comunicação ocidentais e das potências imperialistas quando se trata de direitos humanos e do chamado direito internacional. Se é o “nosso lado” que comete atrocidades, procuram sempre uma justificação (“O Hamas está usando civis como escudos humanos”) ou exigem um exame forense extensivo antes de determinar a culpa. Todo os tipos de raciocínio são inventados, falam de “danos colaterais” para encobrir o fato nu e cru de que o “nosso lado” está cometendo todo tipo de brutalidades contra civis inocentes na busca dos seus objetivos imperialistas.
Quão diferente isso é das denúncias histéricas de primeira página sobre crimes de guerra e atrocidades russas, reais, inventadas ou grosseiramente exageradas, na Ucrânia. O contraste não poderia ser mais impressionante. Depois, tratou-se de suavizar a opinião pública em apoio ao “nosso lado”. Agora é uma questão de moldar a opinião pública para apoiar também o “nosso lado”.
A última “narrativa” promovida pelos meios de comunicação ocidentais e pelo Estado de Israel é a seguinte: “Sim, estamos matando civis, mas isso se justifica. Não matamos muitos civis quando se tratava de derrotar os nazis?” Não há sequer uma tentativa de negar que civis inocentes estão sendo mortos por ataques aéreos, mas sim uma questão de procurar uma forma de justificar isso.
Alguns em Israel sequer se preocupam em encontrar uma justificativa. Culpam abertamente todo o povo de Gaza pelas ações do Hamas e defendem a punição coletiva. “É a nação inteira que é responsável”, disse o presidente israelense Herzog. E, para sublinhar este ponto, acrescentou: “Não é verdadeira essa retórica sobre os civis não estarem conscientes, não estarem envolvidos. Absolutamente, não é verdade. Eles poderiam se levantar. Eles poderiam lutar contra esse regime maligno que tomou Gaza em um golpe de Estado.”
As atrocidades israelenses, uma continuação de 70 anos de violência e opressão, não são apenas da responsabilidade do Estado israelense. Durante décadas, eles desfrutaram do total apoio do imperialismo ocidental e, particularmente, dos EUA. Este apoio não vacilou nos últimos 10 dias de carnificina em Gaza. Todos os líderes imperialistas ocidentais reuniram-se publicamente para apoiar o chamado “direito de Israel de se defender”. O sangue das centenas de vítimas do hospital de Gaza também está nas suas mãos.
Nos últimos dias, antes da ameaça de ofensiva terrestre em Gaza, que apenas multiplicará a carnificina, os líderes ocidentais fizeram fila para visitar Israel e sublinharam publicamente o apoio à sua campanha assassina: Scholz, von der Leyen, Macron, e agora Biden. Tanto a Alemanha como a França, em uma demonstração de quão democráticas são, proibiram as manifestações de solidariedade com a Palestina.
As massas entram em cena
O massacre no hospital de Gaza provocou uma enorme onda de repulsa em todo o Oriente Médio e no mundo árabe. Milhares de pessoas saíram às ruas de Beirute, Amã, Istambul, Túnis e outras capitais para atacar edifícios diplomáticos israelenses, mas também, e com razão, atacaram os interesses dos EUA e da França. Na Turquia, dezenas de manifestantes dirigiram-se à base de radar da OTAN de Kürecik, mantida pelos EUA, e tentaram violar o seu perímetro.
Em Hebron, Jenin, Ramallah e outras cidades e vilas da Cisjordânia, multidões enfurecidas gritavam “o povo quer a derrubada do presidente”, referindo-se ao presidente da Autoridade Palestiniana (AP), Abbas, que age como contratante de segurança local para o Estado israelense. As forças de segurança da AP entraram em confronto com os manifestantes e abriram fogo, ferindo uma jovem.
O cenário está montado para uma revolta regional contra o imperialismo israelense e ocidental. A raiva das massas também é dirigida contra seus próprios governantes, que são justamente vistos como cúmplices, pelas suas ações ou pela falta delas.
O clima é tal que o ministro das Relações Exteriores da Jordânia anunciou o cancelamento da cimeira prevista entre Biden, Abbas, Jordânia e Arábia Saudita, que aconteceria hoje. Nenhum destes líderes quer ser visto como próximo do imperialismo norte-americano por medo de ser derrubado pelo seu próprio povo. Mesmo os governos que já normalizaram as relações com Israel foram forçados a emitir fortes condenações, culpando Israel pelos bombardeios.
Por um lado, Biden e o imperialismo norte-americano pretendem que a visita sirva como uma demonstração de apoio a Israel, um aliado que não segue necessariamente as suas ordens. Por outro lado, estão tentando forçar alguns gestos por parte dos israelenses, a fim de conter o perigo de uma escalada regional do conflito. Na prática, então, a administração dos EUA vê o seu papel como sendo o de impedir que alguém mais se envolva enquanto Israel massacra os palestinos.
A situação já era complicada antes, uma vez que o governo israelense, dominado por elementos de extrema-direita, não estava nem está disposto a abrir corredores humanitários de qualquer tipo, e está determinado a exercer represálias contra os palestinos em Gaza como um todo. Após o banho de sangue no hospital, toda a estratégia de Washington está em frangalhos. As massas no Oriente Médio e no mundo árabe estão entrando em cena.
Agora é o momento de se intensificar a campanha contra a guerra assassina de Israel contra Gaza, contra o imperialismo ocidental e para a libertação nacional do povo palestino. A luta pelos direitos nacionais palestinos exige um levantamento revolucionário em toda a região. A tarefa dos comunistas no Ocidente é mostrar a nossa solidariedade e apoio e preparar as condições para a derrubada das nossas próprias classes dominantes, que são responsáveis e cúmplices do assassinato em massa que está sendo cometido atualmente.