A guerra na Ucrânia, iniciada com a invasão russa em 24 de fevereiro deste ano, vem mostrando a incapacidade política e teórica da maior parte da esquerda em analisar a realidade concreta. Por meio dos mais variados argumentos, normalmente enfatizando elementos restritos à superfície da realidade, os diferentes grupos de esquerda se deixam levar pelo nacionalismo de um lado ou de outro. Com isso, deixam de lado uma perspectiva marxista, para a qual as determinações de qualquer processo passam pela análise da dinâmica econômica. Para os marxistas, a guerra é, em última instância, uma das expressões da luta de classes em âmbito internacional. Nesse sentido, para os marxistas, a explicação da guerra não pode ser encontrada na retórica hipócrita de Biden, Putin ou Zelensky, mas na crise econômica que assola o capitalismo, fazendo com que, nessa guerra, não haja lados progressistas. Esta é uma guerra reacionária, em que as burguesias dos países envolvidos – inclusive a dos Estados Unidos – procuram superar a crise por meio da movimentação da máquina de guerra e da defesa de seus interesses econômicos.
Em outro artigo analisamos os erros da organização pseudo-trotskysta Secretariado Unificado (SU), que no Brasil tem como porta-vozes o Movimento Esquerda Socialista e a Resistência. Agora vamos continuar nossa polêmica com outra das organizações de esquerda que têm mostrado total incompreensão em relação à guerra: a Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT), representada no Brasil pelo PSTU. Sua posição é apoio ao que chama de “resistência ucraniana”. No debate sobre a guerra em curso, uma das posições da LIT que mais chama a atenção é a defesa do envio de armas para a Ucrânia:
“Acreditamos que é totalmente correto mobilizar-se para exigir que os governos (especialmente os dos países imperialistas) entreguem armas e todos os materiais necessários (munições, alimentos, remédios) à resistência ucraniana diretamente e sem quaisquer condições. Somos totalmente contra a entrada da OTAN no conflito e exigimos sua dissolução. Chamamos também a combater as medidas de “fortalecimento” dos exércitos que a compõem (como acaba de anunciar o governo alemão), porque são uma ameaça para todos os povos do mundo. O que estamos dizendo é que esses governos devem ser obrigados a entregar as armas à resistência ucraniana direta e incondicionalmente” (Liga Internacional dos Trabalhadores, Por uma grande campanha internacional de apoio e solidariedade à resistência ucraniana. Pela derrota da invasão do exército russo! Não à OTAN!, Correio Internacional, nº 25, abril 2022, p. 4).
Essa posição é justificada pela necessidade de participação no movimento político interno da Ucrânia que chama de “resistência”, dirigida pela burguesia ucraniana com o apoio do imperialismo, como se apenas assim fosse possível dialogar com “o povo ucraniano”, ou seja, segundo a LIT, “apenas tomando partido do lado da resistência ucraniana poderemos desmascarar as mentiras e a hipocrisia da OTAN e seus governos. Não há outra maneira” (Felipe Alegria, Somente apoiando a resistência ucraniana é possível combater a OTAN, os EUA e a UE!, Correio Internacional, nº 25, abril 2022, p. 29). O raciocínio é assim complementado:
“Do mesmo modo que não podemos desmascarar a OTAN sem nos colocar no campo ucraniano, também não podemos combater politicamente Zelensky e os oligarcas ucranianos sem nos comprometermos plenamente com a defesa da Ucrânia diante da agressão russa” (Felipe Alegria, Somente apoiando a resistência ucraniana é possível combater a OTAN, os EUA e a UE!, Correio Internacional, nº 25, abril 2022, p. 29).
Essa ação tática permitiria, segundo a lógica da LIT, um avanço na consciência dos trabalhadores, que em algum momento iriam desenvolver a vontade de derrubar seus governos:
“Esta ação irá educar as massas que, para derrubar seus próprios governos, devem participar na luta militar, mesmo que um período sob suas ordens, já que, infelizmente, são eles que têm o comando na guerra pela independência ou pela autodeterminação. Enquanto isso, os revolucionários devem preparar politicamente a derrubada destes governos” (Américo Gomes. Armas para a resistência ucraniana!, Correio Internacional, nº 25, abril 2022, p. 11).
Esses textos, publicados na edição de abril do Correio Internacional, órgão teórico internacional da LIT, expressam diversos aspectos das posições da internacional e, inclusive, alguns dos principais problemas políticos. Fundada em 1982, a LIT teve como seu principal dirigente Nahuel Moreno. Produto de uma cisão com o SU, depois que seus militantes foram perseguidos e presos na Nicarágua, a LIT teve como seu principal partido o Movimento ao Socialismo (MAS), da Argentina, que chegou a obter importantes resultados eleitorais, em uma frente com o Partido Comunista, no final da década de 1980. Contudo, diante do colapso da União Soviética e do balanço do fim dos Estados do Leste Europeu, a LIT interpretou que abria-se uma época de revoluções em que as massas superariam seus grandes aparatos e o trotskismo poderia construir partidos de massas. Contudo, com o esfacelamento do partido argentino e da própria internacional, dando origem a inúmeras cisões, o PSTU brasileiro passou a ser a principal seção da LIT.
No debate sobre a guerra, um primeiro problema na posição da LIT passa pelo debate em torno dos “campos progressistas”. Em textos publicados na mesma edição do Correio Internacional, a LIT critica as correntes stalinistas que, ao aderirem a um dos campos burgueses em luta, optam pelo lado russo. Segundo a LIT, a teoria dos “campos progressistas”, usada por essas correntes, ignora “as classes sociais, para justificar a repressão de ditaduras burguesas como a síria, venezuelana, nicaraguense” (Eduardo Almeida. O stalinismo, a crise da ordem mundial e a invasão russa, Correio Internacional, nº 25, abril 2022, p. 12). Contudo, contraditoriamente, ao assumir uma posição na guerra, a LIT parte da ideia de “campos progressistas”, por eles mesmo criticada, para apoiar um dos campos burgueses, no caso, o lado ucraniano. Para justificar essa escolha de um “campo”, a LIT explica que a Ucrânia é um país “oprimido” pelos russos, ainda que não identifique como imperialista a Rússia. Nesse sentido, segundo a lógica da LIT, “uma vitória da resistência ucraniana enfraqueceria um dos polos da contrarrevolução mundial, no caso, os invasores. Mais do que isso, seria uma vitória de um povo que pegou em armas” (Eduardo Almeida. O stalinismo, a crise da ordem mundial e a invasão russa, Correio Internacional, nº 25, abril 2022, p. 17). O que parece escapar a essa lógica binária é o fato de que fortaleceria o outro lado, o do imperialismo, portanto, em ambos os casos, os trabalhadores sofrem profundas derrotas.
Um segundo problema que pode ser depreendido das posições da LIT passa pela questão de aceitar a direção burguesa no processo de luta, inclusive do ponto de vista da disciplina militar. Uma das imagens que fica é uma organização socialista que eventualmente aceite a disciplina militar de um batalhão controlado pela burguesia e, em alguns casos, com a presença de bandos fascistas que atuam na Ucrânia. Certamente um fascista, antes de atirar em um russo, optaria por “limpar” sua trincheira de qualquer presença socialista, comunista ou mesmo genericamente de esquerda. Para a burguesia e seus lacaios fascistas está claro quem é o inimigo mais perigoso, e certamente não são os russos. O que propõe a LIT é algo semelhante ao que fez o stalinismo na China, quando indicou a entrada dos militantes comunistas no Kuomintang, partido representante do nacionalismo burguês. Essa política levou à destruição, inclusive física, do Partido Comunista, em 1927. Pudemos ver o desastre prático desse erro teórico do PSTU e da LIT com a proibição decretada no começo de julho das atividades do Partido Comunista Ucraniano e com a confiscação de seus bens. Esse, na verdade, foi mais um passo na escalada de proibições de várias outras organizações e órgãos de comunicação que se opõem à política do governo e sua condução da guerra.
Além disso, mesmo o debate sobre a direção política do processo é algo que chama atenção nas posições da LIT, afinal há um arsenal teórico infindável dos marxistas sobre a atuação, as desconfianças políticas e os cuidados na aliança pontual com a burguesia. Por exemplo, no século XIX, Marx e Engels, em um momento no qual a burguesia ainda não havia passado completamente para o lado da contrarrevolução, apontavam que os trabalhadores devem “exacerbar as propostas dos democratas, que de qualquer modo não agirão de modo revolucionário, mas meramente reformista, e transformá-las em ataques diretos à propriedade privada” (Karl Marx e Friedrich Engels. Mensagem do comitê central à Liga dos Comunistas. In: Luta de classes na Alemanha. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 74). Um elemento fundamental em todas as elaborações marxistas passa pela necessidade de, mesmo quando houver a necessidade de uma frente em comum, os trabalhadores construírem suas organizações de forma independente. Não há na Ucrânia organização socialista ou comunista legalizada de massas para se colocar como uma direção política de massas da “resistência”, não sendo possível aos trabalhadores construir milícias ou qualquer outro organismo próprio de autodefesa.
Um outro problema nas posições da LIT passa pela postura em relação ao imperialismo, que é difícil de saber se é por cinismo ou por inocência, afinal sua posição pressupõe que haja algum interesse em comum entre o “povo” e os governantes. Pelo contrário, o governo e a burguesia ucranianos estão alinhados com a OTAN, ou seja, ainda que não haja a participação direta de exércitos estrangeiros na guerra, o imperialismo tem seu fiel representante no combate. Não precisa de uma formalidade diplomática para que se saiba que a Ucrânia representa os interesses da OTAN. Além disso, outro problema na posição da LIT passa por desconsiderar que o envio de armas será para a burguesia ucraniana e seus representantes políticos. Nesse sentido, apesar das distorções textuais da LIT, não cabe comparação com outros processos, como a Guerra Civil Espanhola ou mesmo a resistência iugoslava à ocupação nazista, afinal, nesses processos, havia milícias ou outras organizações de trabalhadores independentes do Estado. Não há nada disso nesta guerra. Como explicamos:
“O único caminho para a classe trabalhadora ucraniana é a derrubada da oligarquia capitalista parasitária, que governou o país como seu feudo privado nos últimos 30 anos, e a expropriação de sua riqueza. Somente sobre a base de que os trabalhadores cheguem ao poder, a Ucrânia pode realmente ser livre, com a classe trabalhadora unida de forma voluntária, acima das barreiras linguísticas e de identidade nacional” (Esquerda Marxista. Por que Putin atacou a Ucrânia?).
A posição da LIT sobre a guerra na Ucrânia é um desdobramento de sua avaliação geral sobre as lutas políticas ocorridas nas últimas décadas. No caso da Ucrânia, enxerga que houve uma “revolução democrática” em 2014, que:
“derrubou o ditador fantoche de Moscou, Yanucovich, estabelecendo uma democracia burguesa. Zelensky, eleito em 2019, é um governo burguês, pró-imperialista, a favor da entrada na União Europeia, da mesma maneira que as direções nacionalistas da Catalunha e Escócia. Antes da ocupação russa, aplicava um duro pacote do FMI – mudou a constituição permitindo a venda de terras a estrangeiros, rebaixou os salários e promoveu um brutal corte nos gastos sociais e de benefícios aos demitidos, a favor dos oligarcas ucranianos e russos que têm empresas na Ucrânia” (Américo Gomes. Armas para a resistência ucraniana!, Correio Internacional, nº 25, abril 2022, p. 6).
Em 2014, um movimento político teria levado a um processo revolucionário vitorioso, ainda que limitado à democracia burguesa. Não cabe aqui detalhar todo o processo dos últimos anos, mas vale destacar que essa “democratização” foi marcada pela impunidade a crimes cometidos por nazistas, a incorporação de milícias nazistas no exército regular e, mais recentemente, a proscrição do partido comunista ucraniano.
No arcabouço teórico do da LIT, encontra-se uma série de teorizações sobre os processos políticos de passagem das ditaduras para regimes democráticos burgueses, especialmente a partir da experiência latino-americana. Em grande medida, essa teorização visava construir uma justificativa teórica para o apoio da corrente morenista à ditadura da Argentina diante da Guerra das Malvinas. Na época, a recém-fundada LIT afirmava: “Com a mobilização pelas Malvinas, ficou para trás a etapa de retrocesso da luta das massas e começou o ascenso revolucionário do proletariado e do povo argentino” (Aquiles Lanza. Antes y después de las Malvinas, Estratégia Socialista, nº 5, janeiro de 1983, p. 9). Para os morenistas, a derrubada de uma ditadura seria uma etapa democrática dentro de um processo que levaria a uma revolução operária. Essa nova formulação da revolução por etapas foi apresentada pelo próprio Moreno:
“O que Trotsky não colocou, apesar do paralelo que fez entre o stalinismo e o fascismo, foi que também nos países capitalistas era necessário fazer uma revolução no regime político: destruir o fascismo para reconquistar as liberdades da democracia burguesa, ainda que fosse no terreno dos regimes políticos da burguesia, do Estado burguês. Concretamente, não colocou que era necessária uma revolução democrática que liquidasse o regime totalitário fascista, como parte ou primeiro passo do processo até a revolução socialista, e deixou pendente este grave problema teórico” (Nahuel Moreno. As Revoluções do Século XX, Nahuel Moreno, 1984).
Embora não faça uma menção direta, possivelmente Moreno está criticando um texto de Trotsky sobre a situação da Itália fascista, em que afirma-se categoricamente que o retorno a um regime parlamentar
“não seria fruto de uma revolução burguesa, mas sim o aborto de uma revolução proletária insuficientemente madura e prematura. No caso de uma profunda crise revolucionária e de batalhas de massas no curso das quais a vanguarda proletária não tome o poder, possivelmente a burguesia irá restaurar seu domínio sobre bases ‘democráticas’.” (Leon Trotsky, Problemas da Revolução Italiana, 1930).
Portanto, Trotsky foi bastante claro em apontar que não se tratava de lutar por uma “etapa” do processo, mas que, qualquer regime democrático na transição entre a ditadura fascista e a democracia burguesa não era produto da vitória dos trabalhadores. Processos como o que os morenistas chamam de “revoluções democráticas” em realidade são a efetivação de manobras burguesas dentro das instituições que procuram garantir seu funcionamento. Essas manobras podem ter várias manifestações, como mudança de governo, nova constituição e até mesmo transição de regimes. Contudo, todas elas têm em comum o fato de ter como objetivo reconstruir o regime político burguês, de tal forma a defender a propriedade privada, para tanto inclusive inserindo mudanças no sentido dos interesses dos trabalhadores, como a ampliação de liberdades democráticas ou mesmo de direitos, no sentido de ganhar setores dos trabalhadores para suas manobras. Essas eventuais mudanças não podem ser ignoradas pelos trabalhadores, que precisam atuar taticamente sobre elas, mas certamente isso não passa por celebrá-las como uma “etapa” da revolução proletária.
Portanto, as celebradas “revoluções democráticas” nada mais fazem do que mostrar o quanto os morenistas, por um lado, se aproximam do etapismo stalinista e, por outro, apostam em uma estratégia que se limite à ordem burguesa. Isso se evidencia ainda mais em sua comemoração do fim dos Estados operários europeus:
“A derrota do aparato stalinista é uma imensa vitória da classe operária mundial, tão grande ou mesmo maior que a derrota do fascismo durante a II Guerra. A falta de uma direção revolucionária fez com que a derrubada dos regimes stalinistas desse origem a regimes democráico-burgueses e não novas ditaduras revolucionárias do proletariado, mas esse fato não nos pode levar a dizer que, por isso, estamos frente a uma derrota. Pelo contrário, a existência dos novos regimes democrático burgueses é a expressão distorcida de uma vitória das massas” (Martín Hernandez, Veredicto da história, São Paulo, Sunderman, 2008, p. 222).
Essas palavras de um dos principais elaboradores teóricos da LIT deixariam orgulhosos os antidefensistas que Trotsky combateu no final da década de 1930. Para as formulações morenistas, a queda dos aparatos stalinistas significou uma vitória das massas, expressando-se na criação de regimes democráticos burgueses. Portanto, ao se colocar no mesmo “campo” da burguesia ucraniana e do imperialismo, a LIT nada mais faz do que tomar uma posição coerente com suas elaborações desde, pelo menos, a década de 1980.
Na atual conjuntura, a LIT acaba por enxergar qualquer movimento que se oponha a governos como algo progressista, como se qualquer coisa pudesse levar a uma “revolução democrática”. Esse otimismo esteve expresso em seus documentos elaborados no contexto do colapso da União Soviética e da crise dos países do Leste Europeu, quando enxergavam como uma espécie de etapa histórica de “revoluções de fevereiro triunfantes”, a partir da derrubada dos aparatos stalinistas. Dizia a LIT:
“O trotskismo está vivo e cresce porque a revolução mundial matou o stalinismo e colocou em marcha uma grandiosa luta de massas. (…) O capitalismo decadente esgotou seu ciclo histórico e as massas, liquidando o stalinismo e dando um golpe em todas as burocracias, infligiram uma derrota no próprio imperialismo, que ficou sem estratégia para enfrentar essas lutas revolucionárias. (….) depois da vitória da fase democrática da revolução, esta segue em frente” (A proposta do trotskismo, Correio Internacional, nº 7, julho 1990, p. 3-4).
Como se sabe, o processo político que se seguiu foi muito diferente, marcado por uma ofensiva imperialista, pela destruição de direitos dos trabalhadores e pelo aprofundamento na crise de direção dos trabalhadores. Um elemento que chama a atenção era inclusive do grande otimismo em relação à própria construção da LIT, que se tornaria um grande polo de atração para os revolucionários do mundo. Diante disso, afirmavam:
“Nossas únicas estratégias nesta época revolucionária até a tomada do poder são: empurrar as mobilizações revolucionárias do proletariado e seus aliados para fazer a revolução de outubro e fortalecer e desenvolver os nossos partidos para que possa dirigir essa revolução. Manter a luta implacável e permanente no movimento de massas contra todas as direções burocráticas, socialdemocratas, stalinistas, pequeno-burguesas” (Minuta para la discusión sobre la situación política mundial, dezembro de 1990, p. 27).
O conjunto das posições da LIT rompe com qualquer princípio básico da tradição marxista revolucionária. Para os marxistas, elementos como o internacionalismo e a independência de classe são centrais para que se possa avançar numa política. Nesse sentido, no caso da guerra da Ucrânia, a única posição correta passa por não apoiar nenhum dos governos na disputa em curso. Essa posição foi explicada por Lenin, quando afirmava
“Numa guerra reacionária, a classe revolucionária não pode deixar de desejar a derrota do seu governo, não pode deixar de ver a ligação entre os fracassos militares deste e a facilitação do seu derrubamento. Só o burguês, que acredita que uma guerra iniciada pelos governos terminará necessariamente como uma guerra entre governos, e que o deseja, acha ‘ridícula’ ou ‘absurda’ a ideia de que os socialistas de todos os países beligerantes afirmem que desejam a derrota de todos os ‘seus’ governos” (Lenin, O Socialismo e a Guerra: A atitude do POSDR em relação à guerra, 1915).
Não se trata, neste caso, de um pacifismo genérico, mas de apontar para a necessidade, por um lado, de deixar de lado a ideia de defesa da nação e, por outro, de apontar para a necessidade de organização autônoma dos trabalhadores. Nesse sentido, os trabalhadores ucranianos, seguindo as formulações de Lenin, “devem obrigatoriamente lutar pela completa unidade (incluindo organizativa) dos operários das nacionalidades oprimidas e opressoras. A ideia de separação jurídica de uma nação de outra (a chamada “autonomia nacional cultural” de Bauer e Renner) é uma ideia reacionária” (Lenin, O Socialismo e a Guerra: A atitude do POSDR em relação à guerra, 1915).
Pelo contrário, a LIT aponta que os trabalhadores devem se somar à organização política e militar nacional, sem fazer menção à necessidade de uma organização autônoma. Diante de uma eventual vitória da “resistência” ucraniana, não se terá organizações operárias de massas que possam confrontar o governo e avançar na consciência, mas o esfacelamento das organizações operárias. Os relatos, inclusive mencionados pelos próprios textos da LIT, mostram que os sindicatos vêm servindo ou para ajuda assistencial ou para o recrutamento de voluntários para o exército. Nesse processo, não haverá avanço no nível de consciência dos trabalhadores, que enxergando-se como “povo” de uma “nação” terá Zelenski como o símbolo de uma eventual vitória. Os marxistas, pelo contrário, apontam como tarefas:
“Na Rússia, a principal tarefa dos trabalhadores é se opor e combater sua própria classe dominante reacionária. O principal dever dos trabalhadores da Ucrânia é se opor e combater sua própria classe dominante, que mergulhou o país em um conflito civil. E o dever dos trabalhadores em todo o mundo é de denunciar, organizar e mobilizar contra o imperialismo em cada país, o que significa se opor e combater as classes dominantes de seu próprio país e seus governos reacionários” (Esquerda Marxista. Por que Putin atacou a Ucrânia?).
Os trabalhadores podem apenas contar com suas próprias forças e construir suas organizações de forma independente. Propor que os trabalhadores aceitem a direção política e militar da burguesia, como o faz a LIT, esperando que um dia a consciência avance, é fomentar ilusões que de nada servem. Os revolucionários devem dizer a verdade para os trabalhadores e, no caso desta guerra, que a defesa de nações somente fortalecerá as burguesias e ajudará na manutenção de seus interesses. Os trabalhadores da Ucrânia, da Rússia e dos demais países têm uma única e mesma luta, e isso não passa por se postar junto a um dos lados da guerra, mas de construir laços de solidariedade de classe e organizar a derrota da burguesia de todos os países.