Foi realizado na noite desta quinta-feira (05/08) o debate sobre “História do trotskismo” como parte do evento “Trotsky em permanência”, que contou com mesas e simpósios temáticos ao longo da semana, transmitidos integralmente pelo Youtube. No debate desta quinta-feira participaram Serge Goulart, dirigente da Esquerda Marxista, Mercedes Petit, dirigente trotskista na Argentina, e o historiador José Castilho Marques Neto.
Castilho centrou sua intervenção em discussões sobre Mario Pedrosa e as origens do trotskismo no Brasil, retomando elementos de sua pesquisa de doutorado, que deu origem ao excelente livro Solidão revolucionária. Destacou, entre outros aspectos, como se deu o processo de adesão da primeira geração de trotskistas à Oposição de Esquerda, relacionando a trajetória desses militantes ao impacto político e histórico da Revolução Russa. Castilho demonstrou também a importância do internacionalismo como elemento fundamental na trajetória de Mário Pedrosa e dos militantes trotskistas nas décadas de 1920 e 1930.
Petit fez uma intervenção centrada na trajetória da sua corrente e principalmente a defesa das posições e trajetória de Nahuel Moreno. Petit demonstrou o papel cumprido pelos dirigentes Michel Pablo e Ernest Mandel, depois da Segunda Guerra Mundial, no processo que levou à fragmentação da IV Internacional. Além disso, demonstrou como o revisionismo teórico promovido por Pablo e Mandel impactou na derrota de processos políticos como a Revolução Boliviana, na década de 1950, ou no apoio de Mandel e da direção da sua organização internacional à repressão dos sandinistas contra a Brigada Simón Bolívar, dirigida pela corrente morenista, na Nicarágua, em 1979. Petit destacou também a participação de dirigentes da corrente mandelista no governo de colaboração de classes encabeçado por Lula, no Brasil.
Serge Goulart, representando a Esquerda Marxista, procurou demonstrar em sua intervenção as razões que explicam os motivos de o trotskismo provocar interesse e ainda sobreviver ao longo de cem anos. Procurou apontar as adversidades sofridas pela corrente, a começar pela repressão à Oposição de Esquerda na União Soviética e pela perseguição stalinista contra os militantes trotskistas em vários países. Serge procurou demonstrar o papel de dirigentes como Pablo e Mandel no processo de esfacelamento da IV Internacional, ao defender políticas como o entrismo sui generis, capitulando a governos burguês e se adaptando às instituições do Estado. Assim como a trajetória revisionista de Mandel que abandonou a posição de Lenin sobre o Imperialismo ser5 a fase suprema do capitalismo e inventou uma nova fase do capitalismo, o que o levou a capitular frente a todas as pressões burguesas.
Segundo Serge, ser trotskista é incompatível com governos e Estados burgueses, citando como exemplo de adaptação à institucionalidade a aceitação do fundo eleitoral e partidário por parte de correntes trotskistas no Brasil e no mundo. O que leva à integração destes partidos ao Estado e criam uma relação orgânica de dependência com o Estado burguês e abandono, portanto, da independência política, em última instância. Destacou também que um dos elementos que explica a fragmentação do trotskismo em várias pequenas organizações internacionais está ligado à fragilidade política e teórica destas direções. Demonstrou o papel nocivo cumprido por dirigentes que, por fragilidade ou incapacidade teórica e política assumem uma postura caudilhista e autoritária, cerceiam o debate interno e optam por “dar ordens” ao invés de buscar convencer. Nesse sentido, Serge destacou a importância da educação política e teórica da militância e do método de discutir a fundo e de forma respeitosa o conteúdo das divergências, a exemplo de como faziam os bolcheviques em suas numerosas discussões.
Além desses elementos, Serge destacou a necessidade da luta pela construção de uma organização operária onde os revolucionários sejam seu setor mais consciente. Para tanto, deve-se evitar posturas auto proclamatórias, como a que orienta muitas das organizações que se reivindicam trotskistas. Muitas destas se colocam, em âmbito internacional, como se fossem a própria IV Internacional. Segundo Serge, a Corrente Marxista Internacional (CMI), bem como sua seção no Brasil, a Esquerda Marxista,
“não se colocam não como uma internacional reproclamada, mas como uma corrente legítima do movimento operário internacional na luta pela construção de uma verdadeira internacional dos trabalhadores, que só pode ser construída na base do verdadeiro marxismo”.
Outros temas foram tocados ao longo do debate, em especial sobre o governo de Hugo Chávez, na Venezuela, e a situação de Cuba. Serge procurou demonstrar brevemente a importância da luta dos trabalhadores no processo revolucionário venezuelano, com base na independência em relação ao governo. Contudo, demonstrou como, apesar das limitações, Hugo Chávez assumiu posições anti-imperialistas que deveriam ser apoiadas assim como posições efetivamente avançadas como no apoio às ocupações de fábricas pelos trabalhadores assim como estatizou várias delas.
Sobre Cuba, Serge, após se solidarizar com Frank Garcia contra a repressão que sofre, procurou demonstrar como as recentes mobilizações são expressão da situação concreta vivenciada pelos trabalhadores, produto tanto das dificuldades econômicas provocadas pelo embargo imperialista e as últimas medidas de Trump, que declarou Cuba como Estado Terrorista o que impede as remessas de dólares dos cubanos que vivem nos EUA, como por ações concretas da burocracia governante. Destacou também como a direita defensora da restauração capitalista e organizada e financiada pelo imperialismo assumiu o destaque das mobilizações ocorridas em Havana. Serge destacou não ser possível identificar essas mobilizações como um bloco homogêneo e único. Mesmo em Havana havia artistas e intelectuais que reivindicam o socialismo e apenas pediam liberdade de expressão. Serge defendeu a necessidade da democracia operaria, do controle operário, para defender as conquistas da revolução e poder efetivamente enfrentar o imperialismo e a contrarrevolução interna e, assim, abrir caminho para o socialismo internacional.
No início da mesa, Flo Menezes, membro da comissão organizadora do evento, fez o lançamento de um livro que reúne algumas das intervenções realizadas na primeira edição do evento sobre Trotsky, realizado em Cuba, em maio de 2019. Entre outros textos, com temas diversos, o livro contém um capítulo escrito por Alan Woods, dirigente da CMI, sobre a importância de discutir na atualidade o trotskismo em Cuba.
Esta mesa realizada na quinta-feira, como as anteriores ao longo do evento, sobre o trotskismo na atualidade e sobre o papel do stalinismo, demonstram a vitalidade do pensamento de Trotsky. Mostram, além disso, a necessidade de conectar as contribuições políticas e teóricas de Trotsky ao conjunto de revoltas e revoluções que vem ocorrendo em todo o mundo nos últimos anos, sendo fundamental para a construção partidos que organizem e dirijam a tomada do poder pelos trabalhadores.