Depois da polêmica com o tema do ENEM que se baseou no texto de Simone de Beauvoir, a polêmica da vez foi o tema da redação da Fuvest 2017 que trouxe Kant e o Iluminismo.
Depois da polêmica com o tema do ENEM que se baseou no texto de Simone de Beauvoir, a polêmica da vez foi o tema da redação da Fuvest 2017 que trouxe Kant e o Iluminismo.
Mas por que Kant?
Filósofo prussiano responsável pela síntese entre o empirismo e o racionalismo, Immanuel Kant trouxe à luz de seu tempo e até os dias atuais uma forma de produzir conhecimento concebida pela sensibilidade e pelo entendimento. Sensibilidade porque recebemos os objetos de qual somos afetados de forma passiva. Porém, para compreendê-los é preciso colocá-los, a priori, no tempo (sentido interno) e no espaço (sentido externo), que por sua vez são atributos que o sujeito confere ao objeto, condições para se chegar à razão. Mas apenas se alcança uma parte da condição geral que contempla também a reunião destas sensibilidades em conceitos: quantidade, qualidade, relação, modalidade.
Kant, sustentou em ‘’Resposta à Pergunta: O que é Iluminismo? (1784)’’ que o esclarecimento era a saída da menoridade humana, incapacidade do Homem de ousar pensar e, portanto, permanecendo na condição de pupilo de uma razão alheia, e entusiasmado com os acontecimentos da Revolução Francesa de 1789, via neste momento histórico um salto para que o Homem pudesse se tornar consciente da força e da inteligência para pensar por si, tomar suas decisões e enfim se emancipar da menoridade. Por tanto, sua contribuição é peça chave para compreender o iluminismo e o século das luzes.
Mas não se trata aqui da capacidade dos estudantes de apreender estes ou outros conhecimentos. Não estamos falando das faculdades do sujeito de aplicar o método formulado por Kant para se chegar à compreensão dos objetos que nos cercam. Estamos tratando das condições em que esses conhecimentos podem ser acessados e dos métodos para isso. Se trata do ACESSO à universidade, do acesso à educação! E se trata, prioritariamente, de que tipo de acesso.
Do que estamos falando?
No contexto da crise internacional do capital, de incapacidade absoluta dos capitalistas de manterem a ‘paz social’, rasgando o véu de suas relações de exploração e partindo para ataques diretos aos direitos da classe operária e de sua juventude; em que se gesta a Reforma do Ensino Médio (MP 746) que, entre outras medidas, visa eliminar sociologia e filosofia dos currículos – requisitos fundamentais para entender o pensamento do filósofo, por exemplo -, e sucatear ainda mais o ensino público do país, exigir Kant e o Iluminismo é, sem dúvidas, colocar os filhos da burguesia e da pequena burguesia para disfrutar da universidade pública e gratuita, porém com os muros mais altos por não ser PARA TODOS.
Uma amostra clara disso é a relação de candidatos por vagas ofertadas. Em 2016 foram 142.721 inscritos para o vestibular da Fuvest (Fundação Universitária para o Vestibular) para um total de 9.568 vagas ofertadas. E em 2017 foram ofertadas 8.734 vagas (834 menos do que no ano anterior) para um total, também menor do que em 2016, de 136.736 candidatos inscritos. O sucateamento da Universidade de São Paulo é evidente, além da redução da oferta de vagas, ocorre corte de bolsas para iniciação científica, cortes nos auxílios de moradia, desvinculação do Hospital Universitário, fechamento de creches etc. São reflexos da crise internacional e nacional que agrava a situação de desmonte dos serviços públicos ofertados pelo Estado, quando não a sua privatização ou fechamento.
Tudo isso está no bojo da redução do custo da força de trabalho em que a burguesia fecha postos de trabalho (já são 12 milhões de desempregados oficiais) e reduz o custo indireto que são os direitos, a redução dos salários e a intensificação da exploração direta, a chamada ‘flexibilização/modernização da CLT’. E tudo isso tem impacto direto nas nossas vidas, desde como vamos nos alimentar, nos vestir, trabalhar, até como vamos acessar os conhecimentos que a humanidade acumulou.
Mas e as cotas?
Exigir cotas para negros e índios não é a solução, como fazem os reformistas e inconsequentes. Ora, se existe uma queda no número de vagas ofertadas, vamos incentivar a disputa entre os estudantes de cor de pele diferentes, assim como fazem os capitalistas reduzindo os postos de trabalho – exército de reserva – para fazer os trabalhadores disputarem entre si? Já estamos fartos dessa disputa. Sendo o vestibular o grande funil do acesso, vamos reivindicar por meio dele as cotas? Isso não faz sentido algum. Não para os marxistas e socialistas comprometidos. É o programa democrático popular com toda a sua expressão na ‘impossibilidade’ de fazer revolução, então, com sua lógica formal, dizem-nos: ‘‘Façamos reformas! Façamos movimento social! Peçamos cotas!’’ Peçamos migalhas, em outras palavras…
Não que exista problema em fazer movimento social, mas para nós, os movimentos sociais são amplificados quando estão conectados a um programa máximo de transformação da sociedade, a revolução socialista. Eles não passam de remendos ao capitalismo se não estiverem conectados com a luta revolucionária da classe operária para se emancipar e tendem a morrer sem o oxigênio que os tempos de crescimento econômico oferecem.
E qual é a saída?
Para nós não basta fazer um texto cheio de palavras bonitas se isso não servir em nada para organizar lutas e resistências por uma educação pública, gratuita e para todos! A educação como direito está sob duros ataques. Não podemos recuar em nem uma linha, pelo contrário, temos que avançar.
Se a quantidade de vagas é limitada, temos que exigir MAIS VAGAS! VAGAS PARA TODOS! Se o vestibular elimina a maioria, que teve acesso a uma educação de qualidade no ensino médio, temos que exigir FIM DO VESTIBULAR! Se por conta dessa eliminação a educação superior torna-se sonho para muitos, realidade para poucos, temos que exigir EDUCAÇÃO PÚBLICA, GRATUITA E PARA TODOS! Se dizem-nos que não há dinheiro para investir nisso, temos que exigir que PAREM DE PAGAR A DÍVIDA com os banqueiros! Se dizem-nos que isso não é possível, então dizem-nos que nossos sonhos serão enterrados junto com a falência do capitalismo. Não permitiremos.
Termino por usar as palavras de Pissarev, citado por Lenin em ‘Que Fazer?’
‘‘(…) Se o homem fosse, completamente desprovido da faculdade de sonhar assim, se não pudesse de vez em quando adiantar o presente e contemplar em imaginação o quadro lógico e inteiramente acabado da obra que apenas se esboça em suas mãos, eu não poderia decididamente compreender o que levaria o homem a empreender e realizar vastos e fatigantes trabalhos na arte, na ciência e na vida prática… O desacordo entre o sonho e a realidade nada tem de nocivo se, cada vez que sonha, o homem acredita seriamente em seu sonho, se observa atentamente a vida, compara suas observações com seus castelos no ar e, de uma forma geral, trabalha conscientemente para a realização de seu sonho. Quando existe contato entre o sonho e a vida, tudo vai bem”. (…)’’