O capitalismo e a nova onda da pandemia

Desde o começo da pandemia, em todo o mundo, a burguesia se mostrou apressada em fingir que a situação estava sob controle e que seria possível voltar a uma suposta “normalidade”, o que, na sua retórica, sempre significou expor os trabalhadores à contaminação pelo vírus e ao risco de morte.

No Brasil, em diversas regiões, se discute o avanço na flexibilização das poucas medidas que ainda restam no fake lockdown implementado em 2020. Mesmo diante do lento processo de vacinação, se avançou na política de abertura do comércio, no retorno de eventos esportivos, na volta das aulas presenciais, entre outras coisas. Com isso, o pouco que restou do debate sobre restrições passa pela flexibilização ou mesmo pelo fim da obrigatoriedade do uso de máscaras, como no caso do Rio de Janeiro.

Essas ações se baseiam na melhora dos números referentes à Covid-19. Considerando os dados divulgados no dia 23/11, o país contabilizou 613.240 óbitos e 22.038.731 casos de coronavírus desde o início da pandemia. Naquele dia foram confirmadas 398 mortes e 19.842 novos de casos. Quanto à escala móvel, a média dos últimos 7 dias foi de 245 mortes e 10.634 novos diagnósticos. Além disso, 61,15% da população havia tomado a segunda dose ou dose única de vacinas.

Esses dados mais recentes contrastam com o período anterior ao início da vacinação, quando a média móvel estava em torno de 1.030 mortes e 51.642 novos diagnósticos por dia. Outro dado levado em conta na adoção de ações por parte dos governos passa pela redução na ocupação de leitos, a partir do mês de agosto. Mesmo diante do governo Bolsonaro, dificultando ou mesmo boicotando as ações de combate à Covid-19, esses dados mostram um avanço positivo no combate à Covid-19. Contudo, não significam que a pandemia acabou ou que não seja possível a piora da situação.

Esse cenário, apesar de apresentar dados positivos, esconde contradições que não podem ser minimizadas. Uma delas passa pela forma desigual como está se dando a vacinação, a depender dos estados ou mesmo das regiões. Os estados do sul e do sudeste, onde a média móvel de mortes e de contaminação geralmente tem se mostrado em queda nas últimas semanas, estão com índices de vacinação muito superiores aos de norte e nordeste. Entre os 5 estados com maior índice de vacinação, 3 estão na região sul, 1 na região sudeste e 1 no Centro-Oeste. Em contraste, entre os 5 estados com menor índice de vacinação, 4 estão na região norte e 1 na região nordeste. O estados de Roraima, com 30%, e Amapá, com 36,1%, com menor índice de vacinados, tem menos de metade dos 73,8% da população imunizada de São Paulo.

Essa desigualdade na vacinação se dá também na comparação entre países. Enquanto alguns países têm em torno de 70% da população vacinada (por exemplo, Alemanha com 68,0%, Inglaterra com 69,2%, Itália com 73,7%, Japão com 76,9%), em outros vive-se a situação oposta. Em países mais pobres os números de vacinação são baixíssimos, como no Haiti com apenas 0,6% da população imunizada, e na Etiópia e no Iêmen com 1,2%. Outro dado relevante é que a disponibilidade de vacinas com produção interna não garantiu a imunização da população em países como Rússia (37,5%) e Estados Unidos (59%).

Essa distribuição desigual da vacinação mostra, em primeiro lugar, a concentração de doses da vacina nos países mais ricos e, em segundo lugar, aponta para o fato de que não se vislumbra uma perspectiva de superação da pandemia. Os países com baixos índices de imunização também tem uma gigantesca parte de sua população vivendo em condições precárias, sendo a exposição à Covid-19 apenas mais um dos problemas que precisam enfrentar para sobreviver. Seu cotidiano está marcado pela fome, pela insuficiência de serviços do Estados e pela circulação de outras doenças. Essa situação também pode ser pensada para o Brasil.

Portanto, o vírus seguirá circulando, desenvolvendo variantes e podendo vir a se espalhar inclusive em regiões onde supostamente a doença está controlada. Além disso, mesmo em regiões onde há índices elevados de imunização, os dados da Covid-19 voltaram a crescer, obrigando os governos a tomarem novas medidas restritivas. Na Holanda, onde 72,3% da população está imunizada, o primeiro-ministro, Mark Rutte, anunciou que o país entraria em lockdown durante três semanas para conter o avanço da Covid-19. Na Áustria, onde se tem registrado cerca de 15 mil novos casos de Covid-19 por dia, o governo decidiu impor um lockdown para pessoas não vacinadas, também aplicando uma multa de 500 euros (cerca de R$ 3.100) para quem desobedecer a orientação. Os governos de Alemanha e Grã-Bretanha também externaram preocupações com o aumento de casos, principalmente considerando a chegada do inverno na Europa.

Portanto, o que se percebe é um cenário no qual nenhum lugar do mundo, apesar dos dados de vacinação ou de uma eventual redução de novos casos da doença, pode se considerar livre da pandemia, exigindo-se a necessidade de permanecer a preocupação com todos os cuidados prescritos pelos protocolos médicos.

Não resta dúvida de que o cenário no Brasil está melhor do que o dos primeiros meses da pandemia, seja pela redução nos dados de contaminação e morte, seja pelo desenvolvimento de vacinas. Contudo, somente as vacinas não poderão fazer o milagre de salvar vidas diante da piora na condição de vida das pessoas. Além disso, a quarta onda europeia e dados de países como os EUA – onde morreram mais pessoas em 2021 do que em 2020, ano em que não havia vacina disponível ainda –  nos servem de um alerta. A baixa taxa de vacinação, o relaxamento das medidas preventivas (máscara, distanciamento etc.) e o avanço da variante Delta estão entre os fatores que explicam novos picos de mortes e contaminação. O alastramento da Covid-19 e de outras doenças é responsabilidade do capitalismo, cujo centro está na exploração da força de trabalho, sem se preocupar com quem vive ou quem morre.

As ações de flexibilização, no que se refere à circulação de pessoas, à convivência em espaços fechados ou mesmo ao uso de máscaras foram motivadas pelos interesses da burguesia, que, diante de pequenas reduções nos números de contaminação e mortes, achavam ser possível expor os trabalhadores, para poucas semanas depois retornar o fechamento, diante de novos aumentos nas estatísticas da Covid-19.

Somente a derrota do capitalismo poderá pôr fim à pandemia. Os capitalistas, buscando a manutenção de seus interesses particulares, se recusam a tomar medidas que efetivamente combatam a pandemia, suas variantes e a proliferação do vírus. Somente um Estado governado pelos trabalhadores pode apontar para ações que superem a pandemia, por meio do planejamento da produção e do controle operário. Aos trabalhadores de todo o mundo não cabe outro caminho que não seja lutar pela revolução e construir o socialismo.