Foto: Argentina Militante

O coronavírus e os limites do reformismo na América Latina

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 04, de 16 de abril de 2020. Confira a edição completa

A pandemia mundial provocada pelo coronavírus tem avançado com rapidez pela América Latina. Nos diferentes países latino-americanos, as respostas da maioria dos governos são muito parecidas, principalmente por demonstrarem uma profunda preocupação com a estabilidade econômica, seja em países governados pela direita, seja em países comandados por setores reformistas. O aprofundamento da crise do capitalismo e a redução dos lucros levam as burguesias de todos os países a pressionarem seus governos, exigindo seu salvamento por parte do Estado.

Na Venezuela, onde 189 pessoas foram confirmadas com coronavírus, das quais nove morreram, a política de quarentena completou um mês no último dia 13. O país apresenta sérias dificuldades desde, pelo menos, o ano de 2013, quando a burguesia intensificou sua política de sabotar a produção, gerando escassez crônica de bens básicos, elevando seus preços a patamares inalcançáveis para o poder de compra da população pobre daquele país. O sistema de saúde venezuelano também foi fortemente impactado, principalmente pela queda na renda do petróleo, que gerou consequências também no orçamento do governo, cada vez mais reduzido.

Na Venezuela, assim como em outros países, a pandemia atingiu diretamente trabalhadores que já vinham enfrentando as difíceis consequências provocadas pela crise econômica. Entre as medidas para mitigar os efeitos da pandemia, o governo concedeu, por meio de decreto, bônus mensais aos trabalhadores informais e autônomos. Além disso, em 22 de março, o presidente Maduro reafirmou seu decreto anterior de “imobilidade trabalhista”, proibindo demissões até dezembro. Também foi implementada, por meio de decreto presidencial, a suspensão das cobranças de aluguel residencial e comercial por um período de seis meses, além de um plano de pagamento especial para as folhas de pequenas e médias empresas. Contudo, Maduro não esclarece qual será a fonte de todos esses subsídios sem mudar radicalmente com o modelo econômico.

Na Venezuela, o coronavírus é mais um duro golpe na classe trabalhadora que já sofre com sérios problemas econômicos desde 2013 / Foto: PR VZ, Fotos Públicas

 

No México, 5.014 pessoas já foram confirmadas com coronavírus, das quais 332 vieram a óbito. No dia 5 de abril o presidente Andrés Manuel López Obrador apresentou um plano para impulsionar a economia do país, prometendo ajudar os pobres e criar empregos. Fazem parte do pacote a criação de 2 milhões de novos empregos nos próximos nove meses e a ampliação de empréstimos a famílias e pequenas empresas. Ou seja, 2 milhões de trabalhadores que deverão se expor ao vírus em seus novos postos de trabalho, e mais crédito para que as famílias trabalhadoras se afundem em dívidas que talvez atravessem gerações. Obrador prometeu ainda acirrar a austeridade sobre o setor público para evitar dívidas, o que pode significar atacar o orçamento inclusive de áreas como a saúde. No âmbito da política de saúde, em 4 de abril o governo lançou um plano para a contratação de 6.600 médicos e 12.300 profissionais de enfermagem, depois de finalmente reconhecer um déficit de especialistas para enfrentar a pandemia no país.

Na Argentina, o presidente Alberto Fernández anunciou, no dia 7 de abril, a continuidade da política de quarentena ao mesmo tempo em que admitiu que flexibilizações poderiam vir a ocorrer, sem determinar quais atividades seriam flexibilizadas, embora reforçando que as aulas continuariam suspensas no país. Fernández afirmou ainda que preferia que 10% da população ficasse pobre se isto fosse necessário para evitar que 100 mil pessoas fossem mortas pelo coronavírus na Argentina. O presidente argentino ainda acrescentou: “Os que defendem o dilema entre a economia e a saúde estão dizendo algo falso. Sei que tenho que preservar as pequenas e médias empresas, e as grandes também”. Deste modo, o governo deixa escancaradas as pressões da burguesia, preocupada com a perda de seus lucros. Na Argentina, 2.277 pessoas foram contaminadas pelo coronavírus, das quais 101 morreram.

Analisando as posturas e as posições desses governos reformistas da América Latina, pode-se dizer que nenhum governo, nem mesmo o venezuelano, apontou para a necessidade de nacionalizar ou mesmo expropriar as empresas dos principais ramos da economia dos seus respectivos países. Não foi mencionada também nenhuma palavra a respeito da suspensão do pagamento da dívida pública, que dirá do seu não pagamento. O governo da Argentina negocia inclusive o pagamento do “empréstimo” feito pelo presidente Macri. Esses governos assumem um conjunto de medidas básicas para garantir um menor impacto nos números de vítimas pelo coronavírus, mas nada têm apresentado para melhorar a vida da população para além da situação emergencial, permitindo que as pessoas continuem a sofrer com os males engendrados pelo sistema capitalista.  O que se tem é um conjunto de medidas que, apesar de garantirem uma renda básica para os trabalhadores mais pobres e em situação mais precária, provavelmente serão temporárias, sendo suspensas quando for do interesse destes governantes.

Até mesmo esses governos, como todos os demais da América Latina, se mostram incapazes de avançar em ações que garantam efetivamente emprego, saúde e a própria vida dos trabalhadores. Esses governos acabam se limitando a tentar equilibrar os impactos da crise econômica com medidas compensatórias para os trabalhadores. Garantem pequenas concessões, dentro dos limites impostos pelo Estado, mas não atacam o centro da questão, que é a superação do capitalismo. Não há saída para a crise criada pelos capitalistas sem que se derrube a ordem capitalista e os trabalhadores governem.