O “Fora Bolsonaro” e a consciência de classe dos trabalhadores

O “Fora Bolsonaro” possivelmente foi mais combatido pela maioria da esquerda do que o próprio governo. Essa palavra de ordem, absorvida rapidamente pelos trabalhadores e pela juventude ao longo das lutas, tem sido tratada pelas direções reformistas e centristas, além dos grupos sectários, como um perigo a ser combatido. Por esta razão, tem gerado todo tipo de análises para justificar não apenas o porquê de não a defender, como ataques permanentes aos que a defendem. Esses setores da esquerda vêm usando os mesmos argumentos, com algumas pequenas variações, insistindo que os trabalhadores não estão preparados para essa palavra de ordem, e que não é possível propor à classe uma tarefa que ainda não pode ser concretizada. O principal entrave à luta dos trabalhadores pela derrubada do governo Bolsonaro é o freio que as direções políticas e sindicais impõem à mobilização da classe, barrando qualquer ação que ameace a estabilidade do sistema. Essas direções negam aos trabalhadores a experiência de luta que poderia contribuir para o desenvolvimento de sua consciência de classe, e que tornaria possível não apenas a derrubada do governo, mas do próprio regime.

Diante disso, cabe aos revolucionários ter total clareza acerca desta tarefa, pois os reformistas (como PT, PC do B e a direção do PSOL) se esforçarão para garantir a manutenção da ordem capitalista. O PT aguarda ansiosamente para retornar de alguma forma em um futuro governo, e voltar a oferecer seus serviços aos interesses da burguesia, como o fez na Reforma da Previdência de 2003. Para tanto, além de se mostrar confiável para a classe burguesa, o partido precisa evitar ao máximo qualquer possibilidade de instabilidade política ou mesmo que algum movimento dos trabalhadores coloque em perigo o regime. Para esses setores, o “Fora Bolsonaro”, que aponta para a derrubada do governo pela mobilização dos trabalhadores, é extremamente perigoso, na medida em abre a possibilidade de instalação de uma situação pré-revolucionária.

Os centristas, em todos os seus matizes (principalmente setores do PSOL como a Insurgência e a Resistência), entendem a necessidade urgente de derrubar o governo, mas não confiam na capacidade dos trabalhadores para levar tal tarefa adiante, classificando o chamado ao “Fora Bolsonaro” como algo muito “avançado” para os limites subjetivos da classe. Como consequência buscam subterfúgios dos mais variados, que passam principalmente pela elaboração de palavras de ordem que critiquem o governo, mas que não apontam claramente para sua derrubada. Os sectários colocam que a tarefa passa principalmente por “derrotar o governo autoritário de Bolsonaro e seu projeto”, como recentemente defendeu o PSTU no congresso da Conlutas. Essa posição mostra um claro desvio economicista, parecendo ignorar as indicações de Lenin, em Que fazer, quando afirma que “nosso pecado capital é rebaixar nossas tarefas políticas e de organização ao nível dos interesses imediatos, ‘tangíveis’, ‘concretos’ da luta econômica cotidiana”.

Os revolucionários entendem que a democracia burguesa deve ser destruída, e que isso só acontecerá por meio da luta da classe trabalhadora, e entendem que a agitação do “Fora Bolsonaro” é parte fundamental no combate aos ataques da burguesia. Cabe, portanto, aos revolucionários, explicar aos trabalhadores o sentido desta tarefa, dando à classe trabalhadora elementos para que a compreendam paulatinamente, e se mobilizem por esta luta. Tal explicação deve evidenciar que o “Fora Bolsonaro” não se limita à reivindicação de um impeachment ou de novas eleições, mas que, em última instância, deve levar à destruição da democracia burguesa. Faz parte da agitação dos revolucionários articular as reivindicações imediatas, por mais simples que sejam, com uma perspectiva de poder e de superação do capitalismo. No Programa de transição, Trotsky apontava que “é necessário ajudar as massas no processo de suas lutas cotidianas a encontrar a ponte entre suas reivindicações atuais e o programa da revolução socialista. Esta ponte deve consistir em um sistema de reivindicações transitórias, partindo das atuais condições e da consciência de amplas camadas da classe operária e conduzindo apenas a uma conclusão: a conquista do poder pelo proletariado”.

O “Fora Bolsonaro” não se trata de um ultimato aos trabalhadores para que façam algo que não estão subjetivamente preparados, mas de, a partir de um sistema coerente de palavras de ordem, relacionar as reivindicações mais imediatas à necessidade de derrubar o Estado da burguesia, representado pelo governo, e destruir o capitalismo. Trotsky apontava que os revolucionários “devem orientar-se de maneira crítica a cada nova etapa e lançar as consignas que apoiem a tendência dos operários a uma política independente, aprofundando o caráter de classe desta política, destruindo as ilusões reformistas e pacifistas, reforçando a ligação da vanguarda com as massas e preparando a tomada revolucionária do poder” (Programa de transição). Os métodos e as mentiras das direções traidoras provocaram, na classe trabalhadora, enorme dificuldade para superar suas ilusões nas instituições da democracia burguesa. Lenin afirmava que os revolucionários devem “empreender ativamente a tarefa da educação política da classe operária, do desenvolvimento de sua consciência política” (Que fazer). O “Fora Bolsonaro”, longe de se propor a fazer um chamado a novas eleições ou propor uma saída por dentro da democracia burguesa, pressupõe a mobilização dos trabalhadores contra a ordem estabelecida.

Se atualmente não apenas a direção majoritária do PT, mas também os menores grupos sectários, são contra o “Fora Bolsonaro”, torna-se evidente a natureza desses setores, muito mais preocupados, respectivamente, com sua estratégia de recuperar o capitalismo ou de se manter afastado da realidade do mundo. Trotsky dizia que são regras para os revolucionários “olhar a realidade de frente; não procurar a linha de menor resistência; chamar as coisas pelo seu nome; dizer a verdade às massas, por mais amarga que seja; não temer obstáculos; ser fiel nas pequenas e nas grandes coisas; ser audaz quando chegar a hora da ação” (Programa de transição). Portanto, na atual conjuntura, não cabe aos revolucionários esconder dos trabalhadores as tarefas que são necessárias, mas mostrar na luta os caminhos que devem ser percorridos, nesse processo ganhando para a revolução o melhor da vanguarda.

O “Fora Bolsonaro” é central para a atual conjuntura, e quem não entender isso o quanto antes será esmagado pelos jovens e trabalhadores mobilizados, quando as direções oportunistas não mais conseguirem segurar as reverberações da luta revolucionária que se espalha pelo mundo. Para os revolucionários não há outro caminho que não seja preparar a vanguarda dos trabalhadores para os embates que irão se aprofundar no próximo período.