Reunião ampliada do Conselho Político da Transição. Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

O governo de transição e a colaboração de classes

No dia 3 deu-se início oficialmente ao governo de transição. Coordenado pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), a transição já mostra o caráter político do futuro governo e as perspectivas de ataques contra os trabalhadores. No governo de transição também pode-se identificar os grupos econômicos e políticos que devem intervir sobre as diferentes áreas da futura gestão e até mesmo vir a ocupar os cargos em ministérios. Escancara também o caráter de união nacional e de colaboração de classes do governo Lula, explicitando a traição das direções políticas e sindicais dos trabalhadores.

Os diferentes grupos de trabalhos mostram o peso das diferentes frações da burguesia. O conselho político, além de partidos de reformistas de esquerda, como o PT e o PCdoB, conta com os partidos da oposição burguesa ao governo Bolsonaro, como o PSB, do vice-presidente eleito, e o PDT, que no primeiro turno não fazia parte formalmente da coligação de apoio a Lula. No conselho, além de pequenas legendas que participaram da coligação, foram incorporados também partidos burgueses que sequer apoiaram formalmente a candidatura, como o PSD, e o MDB, que tiveram papel central, entre outras coisas, no impeachment de Dilma Rousseff em 2016.

Contudo, os representantes das frações burguesas não se limitam aos partidos. Entre os grupos técnicos, o de “Agricultura, pecuária e abastecimento”, por exemplo, está recheado de empresários do setor agrário, além de contar com a participação de Kátia Abreu, que foi  presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), entidade que representa grandes produtores rurais. No grupo da área de “Educação” estão representantes dos setores que abertamente defendem o escoamento de recursos públicos para o setor privado, inclusive Priscila Cruz, presidente do Todos pela Educação, e Neca Setúbal, ligada ao banco Itaú. Olhando os demais grupos técnicos, pode-se ver a presença de todo o tipo de representantes de frações burguesas, como do “Sistema S” ou de representantes de bancos e fundações privadas diversas. Essas diferentes frações da burguesia trabalham na perspectiva de garantir a estabilidade política e superar a crise econômica. 

De uma perspectiva da classe trabalhadora e da juventude, certamente o maior problema está no processo de cooptação das entidades e organizações da classe, aos moldes dos mandatos anteriores de Lula, em que a CUT, o MST e sindicatos foram totalmente integrados à colaboração com o Estado. Esse processo de cooptação mostra-se evidente também no governo de transição. Um primeiro elemento passa pela participação do PSOL no conselho político, representado pelo seu presidente nacional, Juliano Medeiros. O PSOL também participa do grupo técnico de “Cidades”, na figura de Guilherme Boulos, de “Povos Originários”, com Sônia Guajajara, e de “Cultura”, com Áurea Carolina. Essa participação aprofunda o processo de integração do PSOL, abandonando sua trajetória de partido fundado como oposição de esquerda aos governos de colaboração de classes do PT. 

No que se refere à cooptação dos sindicatos, a situação mostra-se ainda pior. No grupo “Desenvolvimento Agrário” há a cooptação de todo tipo de entidades de trabalhadores, além da integração do MAB e do MST. Na “Educação” foi incorporada uma das maiores entidades sindicais do país, na figura de Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). No grupo “Juventude”, além de lideranças jovens do PT e do PCdoB, a UNE está presente, na figura de Bruna Chaves Brelaz, atual presidenta da entidade. No grupo sobre “Trabalho”, estão presentes, além da CUT, outras centrais, como a CTB e a UGT, bem como o DIEESE. Podem ser encontradas ainda em diferentes grupos técnicos lideranças de movimentos sociais diversos, como negros, mulheres, LGBT, entre outros.

Portanto, o que se percebe é a busca da colaboração entre burguesia e trabalhadores, garantindo a presença de setores influentes das classes dominantes no futuro governo, ao mesmo tempo que atrela lideranças e entidades dos trabalhadores e da juventude ao Estado. Essas direções, em sua maioria abertamente reformistas, ajudam a criar a ilusão de que o processo de transição está em disputa e que, mesmo que não sejam garantidas vitórias agora, sua presença no futuro governo poderá levar a eventuais conquistas. Defende-se, assim, que as mobilizações dos trabalhadores se limitem a pressionar o futuro governo e o parlamento, sem se organizar com um programa próprio e de forma independente.

Essa não pode ser a perspectiva para os trabalhadores e para a juventude. O novo governo certamente não irá revogar os ataques contra os trabalhadores perpetrados desde o governo FHC, se limitando a, quando muito, propor mudanças superficiais nas reformas da previdência, trabalhista e do ensino médio, entre outras. Os trabalhadores e a juventude devem construir na base de sindicatos, universidades e escolas a mobilização contra os ataques que virão do novo governo. Neste momento é central combater a perspectiva de “união nacional” defendido por Lula e pela burguesia e fortalecer a independência de classe das organizações dos trabalhadores e da juventude.