Com a vitória eleitoral de Lula, chegará ao governo uma coalizão de união nacional, composta por partidos de esquerda e representantes de diferentes frações da burguesia, revivendo a política de colaboração de classes que marcou as gestões anteriores do Partidos dos Trabalhadores (PT). O objetivo da candidatura, segundo afirmou o PT, passava por “reconstruir o Brasil, com desenvolvimento sustentável, emprego e salário decente, proteção social e com o povo no Orçamento da União”. Portanto, além do arco de alianças de colaboração de classes, a base programática permanece sendo elaborada no sentido de defesa do capitalismo e no fortalecimento da democracia burguesa. Nesse sentido, o próprio Lula afirmou no ato de lançamento da candidatura:
“Queremos unir os democratas de todas as origens e matizes, das mais variadas trajetórias políticas, de todas as classes sociais, de todos os credos religiosos para enfrentar e vencer a ameaça totalitária, o ódio, a violência, a discriminação, a exclusão que pesam sobre o nosso país. Queremos construir um movimento cada vez mais amplo de todos os partidos, organizações e pessoas de boa vontade, que desejam de volta a paz e a concórdia ao nosso país. Esse é o sentido da nossa união”.
Como em eleições anteriores, Lula e o PT se postularam como os melhores gestores do capitalismo e com o objetivo de fortalecer a democracia burguesa em crise. Observa-se essa perspectiva no Governo de Transição, que reúne amplos setores políticos e sociais, e é composto por representantes de diferentes frações da burguesia e expressa a cooptação de partidos, sindicatos e movimentos sociais. Observa-se, igualmente, na manutenção de uma prática parlamentar oportunista, como se observa nas negociações para a presidência da Câmara dos Deputados e do Senado, em que a aprovação da PEC da Transição se transformou em moeda de troca para eleger os atuais presidentes Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Diante disso, os trabalhadores assumem diferentes perspectivas, que podem passar pela desilusão ou mesmo pelo entendimento de que é necessária uma prática de negociação com os setores que rompem com o bolsonarismo. Cabe aos marxistas fazer o diálogo com o nível de consciência das massas, no sentido de avançar à revolução. Em 1917, Lenin orientava que caberia aos revolucionários, diante da política das direções reformistas, “explicar os erros da sua tática de modo paciente, sistemático, tenaz e adaptado especialmente às necessidades práticas das massas” (Lenin, “As tarefas do proletariado na presente revolução”, 7 Abril de 1917).
Muitos setores da esquerda optaram por evitar fazer qualquer crítica que pudesse questionar diferentes aspectos da candidatura Lula, se resumindo a criticar o governo Bolsonaro, e assumem a mesma postura em relação ao futuro governo. Para tanto, rememora-se, em tom nostálgico, ações dos governos do PT que teriam sido positivas. Contudo, minimizam, ou mesmo procuram esconder, ataques contra os direitos dos trabalhadores perpetrados nos governos de Lula e Dilma, como a Reforma da Previdência. Os governos capitaneados pelos petistas são narrados como um período de conquistas, estabilidade e paz social. Com isso, caberia eleger Lula a qualquer custo, independente do programa ou do arco de alianças, com objetivo de restaurar o pleno funcionamento da democracia burguesa e a estabilidade das instituições do Estado construídas na Nova República.
Os marxistas não podem se confundir com os setores que nutrem ilusões na direção petista ou nos governos do passado. Deve, pelo contrário, explicar as contradições dos governos petistas, que dava migalhas aos trabalhadores enquanto mantinham benesses bilionárias às classes dominantes. Deve-se, igualmente, explicar que a queda de Dilma não se deu como ataque a supostas ações do governo, mas principalmente pelo esgotamento do PT enquanto direção orgânica dos trabalhadores e, portanto, sem mais utilidade para a burguesia no controle das ações do movimento de massas. Deve, igualmente, mostrar que o governo Bolsonaro é produto das ações desastrosas do PT, que, diante da piora na condição das vidas, foi incapaz de se apresentar como alternativa para as lutas e mobilizações dos trabalhadores.
Os marxistas estiveram na base dos trabalhadores que levaram à vitória eleitoral de Lula. Contudo, em nenhum momento deixaram de denunciar a colaboração de classes e a defesa da união nacional e da democracia burguesa, mostrando os limites da candidatura Lula. Os marxistas entendem que é sua tarefa lutar pela construção da frente única, enquanto “expressão sincera do desejo de opor à ofensiva burguesa todas as forças da classe operária” (Internacional Comunista, “Tesis sobre la unidad del frente proletario”). Neste momento, o combate principal dos revolucionários passa pelo combate pela independência de classes dos trabalhadores e contra a entrada do PSOL no futuro governo Lula, que se expressa na carta aberta lançada pela Esquerda Marxista.