Em recente entrevista, Noam Chomsky fez comentários elogiosos sobre a posição de Donald Trump em relação à Guerra na Ucrânia. Segundo o linguista norte-americano, o ex-presidente dos Estados Unidos teria feito “uma declaração muito sensível sobre como solucionar a crise, facilitando negociações em vez de miná-las”. Trump teria sugerido uma solução parecida com a proposta de George Bush no início dos anos 1990, após o colapso da União Soviética. Na época, quando a Alemanha foi reunificada, a diplomacia ocidental teria prometido aos russos que a Otan não iria se expandir a Leste além do novo país no centro da Europa. Chomsky afirma que Trump teria defendido “avançar para negociações e diplomacia em vez de escalar a guerra”, o que “não eliminaria a Otan, mas cumpriria a promessa de não expandir para o Leste”.
Chomsky não especificou quando ou o que exatamente o ex-presidente falou. Trump vem fazendo uma série de comentários sobre a guerra. Em abril, o republicano disse não fazer “sentido que Rússia e Ucrânia não estejam se sentando e trabalhando em algum tipo de acordo”. Em fevereiro, o republiano afirmou: “O ataque russo à Ucrânia é terrível, um ultraje e uma atrocidade que nunca deveria ter ocorrido. Nós estamos rezando pelo bravo povo ucraniano, que Deus o abençoe”. Essas falas mostram o nível da demagogia de Trump, tanto assumindo a defesa da Ucrânia como defendendo propostas que não se viu em seu governo.
Chomsky, com sua fala sobre Trump, deixou muitos militantes de esquerda surpresos, afinal uma parcela de ativistas nutre ilusões nas posições políticas do linguista, devido principalmente a sua postura contra as guerras no Iraque e no Afeganistão e por sua participação em espaços de discussão como o Fórum Social Mundial. Para muitos, a surpresa também está no fato de que em outros momentos Chomsky criticou Trump, afirmando, entre outras coisas: “É difícil encontrar um presidente americano que tenha se dedicado mais a enriquecer e capacitar os ultra-ricos e o setor corporativo – e é por isso que eles ficam felizes em tolerar suas travessuras”.
Evidencia-se, assim, que as posições políticas de Chomsky oscilam de acordo com as pressões da conjuntura. Isso fica ainda mais evidente se considerar que em outro momento, o linguista demonstrou simpatia por Biden, afirmando:
“Mais à esquerda do que qualquer outro candidato democrata do qual se tenha memória, em questões como a mudança climática. Já é muito melhor do que qualquer um que o precedeu. Não é porque Biden viveu uma transformação pessoal ou porque os democratas tiveram um grande insight — mas porque estão sendo pressionados por ativistas que surgiram do movimento Sanders e outros”.
Possivelmente o único acerto de Chomsky parece ser o de identificar a eclosão de movimentos e como a pré-candidatura de Bernie Sanders assumiu o papel de porta-voz desses setores da esquerda. Contudo, Chomsky erra ao apontar um pretenso giro à esquerda por parte de Biden ou mesmo do Partido Democrata. Certamente seu maior erro, contudo, não é nem mesmo o esboço de simpatia por um demagogo burguês como Trump. Como se trata de um ativista de classe média, não surpreende a incapacidade de Chomsky de defender um projeto próprio ou de se colocar de forma firme no campo dos trabalhadores.
Chomsky, ao argumentar em favor de Trump, mostra sua própria percepção sobre a guerra, deixando claro que nutre ilusões de que uma saída diplomática seja possível. Inclusive visualiza a possibilidade de um cenário positivo mesmo sem que haja o desmantelamento da Otan, ou seja, abandona algo básico para uma posição anti-imperialista. Chomsky mostra, assim, que confia nas instituições burguesas e tem a ilusão de que seja possível alcançar uma paz em abstrato sem destruir a sociedade capitalista.
Chomsky, como qualquer intelectual sem vínculos orgânicos com o proletariado, capitula ao pacifismo burguês. Outro intelectual adorado pela esquerda do Brasil, Slavoj Žižek, também capitulou a Trump, anos atrás, se mostrando incapaz de raciocinar para além do bipartidarismo eleitoral norte-americano. Chomsky, além de ignorar o real caráter de classe da guerra em curso, mostra não confiar na organização e na luta dos trabalhadores. Não enxerga que a única solução para a guerra passa pela mobilização independente dos trabalhadores da Rússia e da Ucrânia contra suas próprias burguesias, apoiados pelo proletariado dos demais países. Qualquer outra proposta não passa de ilusão idealista.