Os apagões em Cuba e a defesa da revolução

Na manhã do dia 18 de outubro desse ano, o sistema elétrico de Cuba sofreu uma “desconexão total” que deixou o país sem energia. O apagão ocorreu por conta de uma falha na Usina Termoelétrica Antonio Guiteras, a mais importante do país, em Matanzas. O ocorrido atingiu todo o país, incluindo a capital, Havana, onde durou quatro dias. Matanzas foi uma das cidades mais afetadas. O fornecimento foi parcialmente restaurado no sábado, dia 19, até entrar novamente em colapso.

O apagão afetou a vida cotidiana de milhões de cubanos. Os serviços públicos não essenciais foram suspensos, e as escolas foram fechadas até 21 de outubro. O país vem enfrentando, há meses, extensos apagões, cada vez mais frequentes e generalizados, chegando a um déficit de energia de 30% da cobertura nacional. A última vez que o país sofreu um apagão dessa magnitude foi depois da passagem do furacão Ian, em setembro de 2022, que deixou todo o país na escuridão por vários dias.

A situação ficou ainda mais complicada por conta da passagem do furacão Oscar. Como consequência do apagão, foi interrompida a divulgação de informações sobre o furacão, que antes atingiu as Bahamas, marcado por fortes ventos e chuvas. O furacão Oscar atingiu o leste de Cuba no domingo (20), afetando as províncias de Guantánamo, Santiago de Cuba, Holguín, Granma, Las Tunas e Camagüey.

Cuba enfrenta apagões frequentes desde a década de 1990, devido à falta de investimentos na infraestrutura energética. Em Cuba, a eletricidade é gerada por oito usinas termoelétricas. Essas instalações são muito antigas, algumas com mais de 30 anos, e devem passar por manutenção recorrente para continuar funcionando. Como essa infraestrutura é muito antiga, tende a se danificar de forma recorrente, o que significa que fica fora de serviço para reparos, causando os constantes apagões que o país sofre.

Portanto, a solução para essa situação seria a substituição e o maior investimento na infraestrutura elétrica. Contudo, a situação financeira do país é bastante complicada, afinal, devido ao bloqueio imposto pelos Estados Unidos, há décadas Cuba não consegue ter acesso a empréstimos que poderiam ser utilizadas para modernizar ou melhorar sua infraestrutura. Cuba tem recorrido à ajuda da Rússia para amenizar apagões, falta de alimentos e protestos, inclusive petróleo do país governado por Putin, na tentativa de aliviar a crise de energia.

O governo, ao longo dos anos, vem tentando minimizar o impacto das dificuldades da infraestrutura energética, investindo em fontes de energia renovável. Além disso, Cuba tem sete usinas termoelétricas flutuantes que são alugadas para empresas de propriedade turca. Essas infraestruturas precisam de combustível importado para funcionar.  Contudo, a importação de combustível também é prejudicada por bloqueio imposto pelo imperialismo. Um navio que chegue a um porto cubano é sancionado pelos Estados Unidos, o que gera um aumento extraordinário nos preços que a ilha deve pagar para importar os bens de que necessita.

Na última década, as sanções a Cuba foram ampliadas. O governo Joe Biden deixou em vigor as sanções promulgadas por Donald Trump, incluindo o “Título III de Helms-Burton”, que congela o investimento na ilha, bem como a acusação de que Cuba patrocina o terrorismo. Contudo, ainda que tenham ganhado novos contornos nos últimos governos, as sanções contra Cuba remontam à década de 1960, quando o governo cubano nacionalizou propriedades de empresas americanas, incluindo terras e refinarias de petróleo. Esse foi também um contexto de aproximação entre Cuba e União Soviética durante a chamada Guerra Fria.

Os apagões levaram a protestos a população, que reclamava da falta de energia. Houve panelaços em diversos lugares e, em outros, pessoas bloquearam ruas com pilhas de lixo, como em San Miguel del Padrón, um bairro pobre nos arredores de Havana. Essa não foi a primeira vez que a população saiu às ruas para protestar contra os apagões. Em março desse ano, centenas de pessoas participaram de protestos em Santiago, segunda maior cidade de Cuba. Os manifestantes saíram às ruas com gritos de “energia e comida”.

Cuba vive uma das maiores crises econômicas desde a revolução de 1959. O governo anunciou uma série de medidas para tentar reverter a situação, ajustando o país às condições de uma “economia de guerra”, segundo a vice-ministra da Economia e Planeamento, Mildrey Granadillo. Essas medidas incluem um corte orçamentário, que leva à suspensão de investimentos, ao estabelecimento de uma política de preços únicos e à redução da evasão fiscal, com o objetivo de, segundo o governo, “corrigir distorções”.

Diante do bloqueio norte-americano, uma das soluções buscadas pelo governo cubano foi o aprofundamento das relações com outros países, como a Rússia. Desde que Vladimir Putin chegou ao poder, Rússia e Cuba começaram a reconstruir a sua relação. Em 2014, a Rússia concordou em perdoar parte da dívida que Cuba tinha com a União Soviética, um marco na aproximação que levou os investimentos russos na ilha e os laços comerciais e militares a um crescimento. Em março desse ano, Dmitry Chernyshenko, vice-primeiro-ministro russo, afirmava que mais de 100 empresas russas iniciaram operações em Cuba no último ano. Essas empresas estão envolvidas em diversos setores, incluindo indústria, energia, bancos, agricultura, TI e turismo.

Portanto, não se trata exatamente da colaboração entre governos, mas da expansão da burguesia russa sobre a economia cubana. O governo russo assim se referia a suas pretensões em relação a Cuba, em maio de 2023:

“Mas também gostaríamos de ver novas medidas. As questões das preferências fiscais, de uma política de pessoal independente dos empregadores russos em Cuba, incluindo o direito de contratar e demitir funcionários livremente, e do acesso preferencial das empresas russas às compras públicas da República de Cuba (para uma lista separada de bens) ainda não foram resolvidas. Esperamos que em futuro próximo haja progresso nestas questões e que toda a gama de preferências seja consagrada na lei” (Jorge Martín, Cuba: restauração capitalista pela “via russa”?).

Portanto, coloca-se uma perspectiva de controle da burguesia russa sobre a economia cubana. Esse quadro se mostra ainda mais preocupante se considerar que o Estado cubano vem mediando um processo, ainda que embrionário, de restabelecimento das relações capitalistas de produção, com traços semelhantes ao processo de restauração do capitalismo na União Soviética. Em Cuba, desde a década de 1990, as relações capitalistas cresceram e se consolidaram, ainda que não constituam a forma preponderante em sua economia.

Essas ações que propiciam o crescimento das relações de produção capitalistas por parte do governo cubano passam por medidas como a autorização de modalidades de trabalho por conta própria e de pequenos negócios privados, o estabelecimento de cooperativas agrícolas e não-agrícolas, a concessão de terras agricultáveis em forma de usufruto e a legalização de grandes empresas estrangeiras e mistas. Essas medidas levaram, por exemplo, ao crescimento da quantidade de pequenos e médios empresários, chegando a cerca de meio milhão nos primeiros anos, desde a aprovação da medida, em 2011.

Portanto, o que se tem em Cuba são profundas dificuldades financeiras devido ao embargo patrocinado pelo imperialista e, ao mesmo tempo, uma burocracia que centra suas medidas na necessidade de se manter no controle do governo. Para tanto, coloca em risco até mesmo as conquistas da revolução, como a nacionalização da economia e o planejamento estatal, abrindo as portas à possibilidade de restauração capitalista.

Cabe aos trabalhadores, tanto cubanos como dos demais países, defender as conquistas da revolução. Para tanto, é urgente e necessária uma ampla campanha de combate ao embargo norte-americano, fortalecendo o internacionalismo entre os trabalhadores de todo o mundo. Em âmbito interno, a crise econômica e de infraestrutura enfrentada por Cuba serão resolvidos somente por meio de uma revolução política, que coloque o Estado sob o controle das organizações dos trabalhadores, que devem ser independentes do governo, e derrube a burocracia no poder desde 1959.