No dia 12 de julho terminou o arrastado processo de apuração dos votos das eleições presidenciais no Peru. O Juizado Nacional Eleitoral (JNE) concluiu o processo de revisão dos recursos apresentados pelo partido Força Popular, da candidata de direita Keiko Fujimori, sobre o segundo turno das eleições realizadas no dia 6 de junho. Segundo informado, todos os recursos interpostos contra o resultado, que deu vitória ao candidato de esquerda Pedro Castillo,
foram indeferidos pelo JNE. Com isso, deve ser confirmada a vitória de Castillo, candidato pelo partido Peru Libre, que venceu as eleições por uma pequena vantagem de 44 mil votos. A posse do novo presidente está marcada para o dia 28 de julho, quando o país celebra 200 anos de sua independência da Espanha.
O processo eleitoral, em especial seu segundo turno, foi marcado por uma profunda polarização política, num contexto de crise do capitalismo em âmbito internacional e de instabilidade das instituições burguesas. O Peru, além de estar marcado pelos impactos da pandemia e da situação econômica, vivenciou profundas crises nos governos que assumiram o país nos últimos anos. Cinco dos últimos presidentes do país foram
julgados por corrupção, dos quais quatro por terem recebido propina da Odebrecht. O ditador Alberto Fujimori, pai de Keiko, está preso por diversos crimes, inclusive o de corrupção.
Keiko Fujimori questionou o resultado das eleições desde o momento em que ficou clara a sua derrota, afirmando que não aceitaria o resultado, alegando, sem qualquer prova,
fraude eleitoral.
“Percebemos que houve uma estratégia por parte do Peru Livre para distorcer ou atrasar os resultados da vontade popular, e me refiro ao processo de impugnação das urnas, onde a maior parte dessas impugnações, sobretudo, buscam impedir que as urnas que têm mais votos para o Força Popular não sejam contadas”.
O coro desesperado de setores da burguesia se fez ouvir também na tinta do escritor Vargas Llosa. Ganhador do Nobel de Literatura, Llosa é conhecido tanto por sua crítica à ditadura de Fujimori como por suas
posições reacionárias contra governos como o de Hugo Chávez, na Venezuela. No recente processo eleitoral peruano, além de afirmar que Keiko representava a possibilidade de “
continuar com o sistema democrático”, Llosa também deu
vazão à ideia de uma suposta fraude:
“A minha impressão, da longínqua Madri e pelas múltiplas e contraditórias informações que me chegam, é, cada dia mais, a de que houve graves irregularidades e isto, sobretudo, não tanto a cargo do candidato Pedro Castillo, mas de muitos membros do partido que o lançou à Presidência”.
Contudo, sempre ficou evidente que se tratava de uma tentativa de manipulação do resultado eleitoral. Isso ficou mais evidente no retorno à mídia da figura de Vladimiro Montesinos, assessor de Alberto Fujimori e responsável, naquele governo, pelo serviço de inteligência. Montesinos
foi gravado falando de um telefone na penitenciária de segurança máxima onde cumpre pena.
“Se tivéssemos feito o trabalho que propusemos já não estaríamos neste problema de merda”, afirma Montesinos, se referindo à vitória de Castillo. Na conversa, Montesinos sugere procurar um intermediário para subornar com um milhão de dólares cada um dos três integrantes do JNE, que, em troca, poderiam tirar da contagem final algumas seções eleitorais onde Castillo venceu por ampla margem.
Apesar do desespero de parte da burguesia, a ponto de ressuscitar um fantasma dos tempos da ditadura de Fujimori, as tentativas de manipulação do resultado eleitoral não tiveram o apoio público do imperialismo. Segundo
relatório da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre as eleições, não houve indícios de fraude. O governo dos Estados Unidos felicitou o Peru por ter realizado eleições que serviram como
“um modelo de democracia na região”.
Em nota, Ned Price, porta-voz do Departamento de Estado da gestão Biden, descreveu as eleições peruanas como
“livres, justas, acessíveis e pacíficas”, respaldando as autoridades para que levem o tempo necessário para “divulgar os resultados de acordo com a lei peruana”.
Os problemas de Keiko se aprofundaram, quando, em meio à apuração dos votos, foi expedido
pedido prisão contra a candidata. Keiko é acusada de lavagem de dinheiro e corrupção e esteve presa preventivamente entre 2018 e 2020. O recente pedido de prisão foi negado pela Justiça.
Além disso, até mesmo a burguesia vem dando indícios de que aceitará o resultado. No dia 15 de junho, quando foi concluída a apuração dos votos, o Instituto Peruano de Administración de Empresas (IPAE) Asociación Empresarial, um dos porta-vozes da burguesia no Peru, fez
um chamado a
“respeitar as vias democráticas e atuar sempre dentro das mesmas”, cabendo
“esperar os resultados oficiais e aceitar o que determinem”. O IPAE, na mesma nota, não deixa de externar sua
“preocupação pela eventual aplicação de medidas econômicas intervencionistas”, mas enfatiza que
“estas ideias devem ser combatidas usando as vias democráticas”. Poucos dias depois, Elena Conterno, presidente do IPAE,
escreveu: “
No contexto de um país polarizado, as autoridades devem privilegiar a governabilidade futura com a maior transparência”.
O revés sofrido pela candidatura de Keiko, que teve o apoio da maior parte da burguesia e da direita peruana no segundo turno, não se deu por acaso. Castillo, que em um primeiro momento anunciou estatizações e políticas reformistas semelhantes às de Correia no Equador e de Morales na Bolívia,
recuou em suas propostas. Sobre um possível futuro governo, Pedro Francke, porta-voz econômico de Castillo, afirmou que:
“A ideia básica é que uma economia de mercado será mantida, não é uma ideia de intervenção massiva do Estado na economia”.
Francke afirmou que um governo de Castillo priorizaria o aumento de impostos sobre a mineração e lutaria contra a evasão fiscal de empresas para financiar maiores gastos com saúde e educação. Francke se juntou a Castillo como consultor econômico depois da aliança de Peru Libre com Verónika Mendoza, candidatura moderada de esquerda que concorreu no primeiro turno.
Com o término do julgamento das ações apresentadas pela candidatura Fujimori e com o anunciou oficial da vitória de Castilho, a disputa, que até então se mantinha dentro da institucionalidade, deve ir para as ruas. O próprio Llosa havia apostado nesse cenário:
“Qualquer que seja a decisão, é óbvio que, no clima exasperado que prevalece no Peru, haverá protestos e poderiam ocorrer ações violentas por parte dos partidários do candidato derrotado”.
Com a derrota, parte dos apoiadores de Fujimori devem se mobilizar, abrindo a possibilidade de um cenário de violência nas ruas. Por outro lado, os trabalhadores estão mobilizados, tanto em Lima como em outras partes do Peru, desde que ganhou força a ameaça à vitória de Castillo.
Com o resultado das urnas, os trabalhadores se veem vitoriosos, ainda que sejam evidentes os limites políticos e programáticas de Castillo e de Peru Libre. Embora neste momento a luta central passe por derrotar, em definitivo, a tentativa de setores da burguesia em impedir a posse de Castillo, é preciso considerar também que os limites de Castillo colocam a necessidade de que os trabalhadores da cidade e do campo estejam mobilizados para arrancar do novo governo as medidas de seu interesse, garantindo não apenas as moderadas reformas prometidas, mas ações que tragam efetivamente melhorias para a vida da população peruana.
A experiência com o novo governo deve fazer com se esvaia as ilusões dos trabalhadores em Castillo. Por isso, desde o começo, o conjunto de mobilizações deve ter a marca da independência das organizações dos trabalhadores em relação ao governo e seu partido, ainda que possam apoiar eventuais medidas de interesse da classe. Essa luta independente e o fortalecimento das organizações dos trabalhadores são o caminho que pode levar à luta pela derrubada do capitalismo e à vitória do socialismo.