Globo, Portal GGN, revista Crusoé, TV RBS e perfis de redes sociais de ativistas e políticos sofreram este ano diversas censuras diretas ou censuras prévias pelo judiciário. Os argumentos jurídicos para tais atos são pomposos: impedir a difamação do patrimônio dos acionistas do banco BTG Pactual, combate às fake news, defesa da honra de um respeitável parlamentar como Flávio Bolsonaro etc. Os contra-argumentos das empresas midiáticas são também muito bem escritos pelos redatores profissionais: houve violação da liberdade de expressão e de imprensa, dos direitos constitucionais e do sistema democrático.
Ó, grande “degradação da liberdade”, afirma o El País. Sim, as liberdades de imprensa e de expressão estão se degradando dia a dia, resultado da decadência do regime. Os comunistas as entendem como liberdades democráticas arrancadas na luta de classes, que ajudaram a derrubar as monarquias absolutistas e hoje voltam a ameaçar as classes dominantes. Entretanto, não nos comovamos com o choro da imprensa burguesa, que só pensa em liberdade na medida que convém aos seus negócios privados e da sua classe. Hoje a burguesia se vê em um momento delicado: um escândalo político amplamente divulgado pode derrubar o governo, ser o estopim para uma revolução.
A censura, que até então foi parte de uma estratégia velada e rebuscada que envolvia o controle burocrático sobre quais veículos de imprensa seriam autorizados a operar, sonegar impostos no país e receber publicidade paga do Estado, transformou-se em tática de controle direto e autocrático na divulgação da informação. Para defender a estabilidade da sua dominação econômica, a burguesia precisou atacar sua própria liberdade. No Brasil, coube ao judiciário censurar como guardião da lei e da ordem. Em uma situação econômica delicada, onde a disputa política pela opinião pública é tão central, é questão de tempo que a censura atinja a imprensa dos trabalhadores, já que nesses momentos ela adquire aumento expressivo de audiência. Por isso os comunistas se colocam contra toda forma de censura da imprensa no Estado burguês.
Com um aspirante a bonapartista na cadeira da presidência exibindo suas garras em discursos e ações inflamadas, o judiciário quer mostrar quem de fato garante a estabilidade institucional e social, botando assim a mídia no seu devido lugar na república: coadjuvante político. Acabou o lindo clima de lua de mel, no qual os telejornais e portais de notícias burgueses arrancavam suspiros de paixão do judiciário com manchetes de juízes e promotores super-heróis da Operação Lava Jato, com pressões por moralidade na política ou dedicando grande parte das manchetes a casos de polícia, cobrando um judiciário duro, intransigente, bem acima da lei, mas em nome da lei.
A mídia burguesa se esforçou para pintar o judiciário como último bastião da verdade, salvaguarda indestrutível da democracia e da ordem social. Sentia-se, inclusive, parte dessa salvaguarda como convidada de honra em um banquete sustentado pelo mais-valor produzido pela classe trabalhadora. Entretanto, o “quarto poder” do país – como é costume alguns chamarem a imprensa – no novo ambiente criado após a eleição de Bolsonaro, de quedas de braços frequentes entre os gigantes do executivo e do judiciário, está sendo colocado no seu devido lugar: no quarto lugar da república, por vezes até em um “quarto” escuro, onde as informações dos outros poderes não chegam mais de maneira tão privilegiada.
A mídia “livre” se tornou um incômodo ao judiciário, já que falar muito pode acabar significando falar demais. Os discursos de Bolsonaro passam a mensagem de que quem governa o país é quem tem a força das armas e do voto popular – e, nesse caso, as forças armadas não só apoiam o governo, como maciçamente fazem parte dele. Já o judiciário usa sua caneta para mostrar que a última instância em questões de governo é a instituição que tem sabedoria para interpretar as leis e decidir quando e como elas serão executadas.
William Bonner pode ser imponente, adorado por milhões, e visto como todos os políticos e juízes burgueses adorariam ser vistos um dia, um verdadeiro modelo do que há de mais idealizado na nossa civilização em termos de individualidade polida, oratória, erudição, estilo de vida. Seus discursos na abertura do Jornal Nacional podem fazer tremer de raiva o presidente do poder executivo ou do STF, podem mobilizar milhões de pessoas para os objetivos políticos almejados pela redação. Mas seu poder, apesar de gigante, não é constitucional. Por depender da burguesia, pode também cair rápido como um castelo de cartas. Basta executar a dívida de bilhões da Rede Globo ou não renovar sua concessão de rádio e TV – o que Bolsonaro já ameaça como quem amola seu canivete na frente de um desafeto – para ir tudo pelos ares.
Bolsonaro diz que a mídia o persegue, atrapalha, e tenta amansá-la cortando recursos e ameaçando retirar concessões. O judiciário, cansado de escândalos envolvendo seus membros e testemunhando reportagens que ganham mais audiência se o circo pegar fogo com os palhaços dentro, começa a censurar previamente certas divulgações. Ora, bendita imprensa, deixa o executivo executar quem ele bem entender e deixa o judiciário julgar a si mesmo em paz! O “povo brasileiro” agradece.
O debate sobre o povo brasileiro extrapola, e muito, Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro, que se perguntaram se vivemos em uma democracia racial ou se somos uma sociedade estratificada. Muito mais se falou em nome do povo, de cima para baixo, do que esse povo teve chances reais de construir um projeto de nação ou mesmo de mundo. O judiciário, a serviço dos latifundiários, fazendeiros e, agora, dos burgueses sempre esteve ao lado da ordem econômica, por mais injusta que ela fosse. A grande mídia, financiada pelas classes dominantes, foi permanentemente auxiliar da exploração, basta lembrar a exaltação do golpe de 1964 no editorial d’O Globo em 1º de abril de 1964 e sua covarde autocrítica recente.
Se há de fato um “povo brasileiro”, a bandeira que representa suas cores não deveriam ser o verde e o amarelo, como Bolsonaro e os oportunistas de esquerda e direita defendem. Estas cores exaltam mais a extinta monarquia portuguesa do que os trabalhadores brasileiros. A cor da nossa bandeira deveria ser cor-de-vinho, bem escura, representando as disputas por terra e o sangue derramado nas revoltas camponesas e operárias suprimidas pelas armas.
A censura do judiciário à imprensa e as reclamações da mídia burguesa só mostram como essas duas instituições estão distantes do povo, por mais que tentem falar em nome dele ou até construí-lo. Enquanto a justiça for feita por um punhado de “sábios” não eleitos, e enquanto as máquinas e insumos necessários para imprimir e manter online jornais e revistas estiverem majoritariamente na mão de grandes proprietários privados guiados pelo capital, não haverá democracia e liberdade reais.
O único poder que tem legitimidade para construir qualquer projeto de povo, exatamente por constituir a maior parte dele, é a classe trabalhadora. Construir a democracia passa muito longe de mudar tudo “de baixo para cima”, mas primeiramente de balançar o sistema e derrubar os que estão em cima, principalmente juízes e a própria mídia burguesa. É tarefa central do povo limpar o país desses pesos moribundos que puxam as engrenagens da história para trás, que acorrentam a massa da classe trabalhadora nas prisões de concreto e da ignorância.
Portanto, judiciário e mídia são na verdade os que historicamente defendem a ditadura dos proprietários de terra, da burguesia, e que sempre se esforçaram para esconder a real condição de vida do povo. Ele está apertado em presídios, escolas em ruínas, comércios, fábricas, favelas, apartamentos minúsculos. Está restrito a contemplar a vida da burguesia em telenovelas, seriados e filmes blockbusters, ou a sentir ódio de si mesmo nas manchetes policiais enquanto vangloriam “heróis” insuflados.
Está mais que na hora de botar pra correr, pela força de assembleias populares, os juízes e os burgueses hipócritas donos dos grandes meios de comunicação, que sempre foram contra a ampla liberdade de imprensa e expressão por saberem que elas atrapalhariam seu “reinado”. Somente reconstruindo as instituições de imprensa e de justiça poderemos ver brotar uma justiça que mereça o nome “justiça” e uma verdadeira educação das massas impulsionada pela mídia.
A única censura que os comunistas defenderiam “contra” a democracia e a liberdade, seria a censura que impediria um oligopólio midiático de mentir e enganar as massas a serviço da exploração de classes.
Abaixo o judiciário bonapartista, a censura e a oligarquia que controla os meios de comunicação no Brasil! Por ampla liberdade de imprensa e de expressão para o povo!