Analisando a história do Brasil e pegando em particular a questão agrária, vemos sempre o direito à terra tratado como mercadoria, poder e prestígio social. Em pleno século XIX, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, houveram discussões entorno da questão agrária. Duas concepções de trabalho e terra tomavam o Brasil e os Estados Unidos.
Analisando a história do Brasil e pegando em particular a questão agrária, vemos sempre o direito à terra tratado como mercadoria, poder e prestígio social.
Em pleno século XIX, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, houveram discussões entorno da questão agrária. Duas concepções de trabalho e terra tomavam o Brasil e os Estados Unidos.
E é a partir da análise da história que podemos ver os desdobramentos nos dias atuais, problematiza-los e apresentar uma alternativa a situação que está posta, como é o caso da concentração de terras no Brasil.
No Brasil, a propriedade da terra era de domínio da Coroa e poderia ser doada, segundo critérios da própria Coroa, a quem solicitasse, de acordo com o a condição econômica que tal sujeito detinha e também segundo serviços que o mesmo tinha prestado à Coroa. O contexto encontramos na citação abaixo em que a autora aborda a situação:
“No começo da colonização, a terra era vista como parte do patrimônio pessoal do rei. A fim de adquirir um lote de terra, tinha-se que solicitar uma doação pessoal. A decisão do rei para a concessão do privilégio era baseada na avaliação do pretendente, o que implicava considerar seu status social, suas qualidades pessoais e seus serviços prestados à Coroa. Desta forma, a aquisição de terras, apesar de regulamentada pela lei, derivava do arbitrium real e não de um direito inerente ao pretendente.” (VIOTTI DA COSTA, E. p. 174).
O projeto da “Lei de Terras” de 1850, que esteve em discussão na câmara dos deputados, regulamentava o acesso à terra. Tal projeto proibia a aquisição de terras públicas por outro meio que não fosse a compra. O valor era altíssimo e ainda havia um Imposto Territorial, que era para garantir que o proprietário nela produzisse, mas ainda assim o proprietário tinha a autonomia para decidir de que forma utilizaria a terra. Com tais métodos vemos o acesso à terra sendo trato como mercadoria, fonte de poder e prestígio social, pois somente tinha acesso à mesma quem pudesse compra-la e explora-la lucrativamente.
Sob o ponto de vista do trabalho, quem defendia a posse da terra sobre domínio da Coroa, defendia também a escravidão e o sistema de “plantation” e representavam setores conservadores. Os que defendiam a “Lei de Terras”, eram favoráveis ao trabalho livre, pois o tráfico de negros e o regime de escravidão estavam ameaçados. Tal projeto de regulamentação das terras dificultava aos colonos e aos migrantes a posse da terra, para assim exercerem trabalho livre e para não correr o risco de tais serem proprietários rurais. O conflito existente na época é relatado na sequência pela autora:
“Uma leitura dos debates parlamentares revela um conflito entre duas diferentes concepções de propriedade da terra e de política de terras e de trabalho – concepções estas que representavam uma maneira moderna e outra tradicional de encarar o problema. O conflito entre esses dois diferentes pontos de vista reflete a transição, iniciada no século XVI mas concluída apenas no século XX, de um período no qual a terra era concebida como domínio da Coroa, para um período no qual a terra tornou-se de domínio público; de um período no qual a terra era doada principalmente como recompensa por serviços prestados à Coroa, para um período no qual a terra é acessível apenas àqueles que podem explorá-la lucrativamente; de um período no qual a terra era vista como uma doação em si mesma, para um período no qual ela representa uma mercadoria; de um período no qual a propriedade da terra significava essencialmente prestígio social, para um período no qual ela representa essencialmente poder econômico.” (VIOTTI DA COSTA, E. p. 173 e 174).
No Brasil é aprovada a “Lei de Terras”, dando a posse a quem tinha poder econômico e concentrando-a nas mãos de poucos, tal medida tem seu desdobramento e influência nos dias de hoje.
Nos Estados Unidos, o debate foi entorno do “Homestead Act”, no ano de 1862. Onde tal projeto doava terras a todos os que nelas quisessem se instalar. O projeto foi criado pensando nas condições de industrialização, migração e do inchaço urbano e também como forma de fomentar a expansão e em direção ao Oeste, atingindo assim áreas inexploradas.
O projeto foi defendido por deputados do Sul, do Norte e do Oeste, mas os sulistas se opuseram ao projeto a partir do momento em que notaram a inseparabilidade da concepção de terra livre e trabalho livre.
O conflito instaurado se deve a mentalidade senhorial dos sulistas, da visão do grande proprietário de terra, do capitalismo comercial, do sistema de “plantation” e do modo de produção escravocrata. Enquanto os deputados do Norte tinham a concepção de trabalho livre, do capitalismo industrial e empresarial. Tal conflito é retratado:
“O projeto foi inicialmente (1842) defendido por deputados sulistas interessados na expansão para o Oeste. Estes retiraram seu apoio quando se tornou claro que a expansão em direção ao Oeste implicaria trabalho livre. Para os representantes do Norte e do Oeste, que defendiam o projeto, terra livre e trabalho livre eram conceitos inseparáveis.
O conflito entre os que defendiam e os que se opunham ao “Homestead Act” pode ser visto como um conflito entre diferentes concepções de terra e de trabalho, mas também como um conflito entre o Norte e o Sul, entre o empresário e o grande proprietário rural, entre o capitalismo industrial e o capitalismo comercial.” (VIOTTI DA COSTA, E. p. 183).
O “Homestead Act” colocaria o fim da concentração de terras nas mãos de poucos, ocupando assim cada espaço de terra, pois a grande propriedade não permite a exploração do solo, combatendo a especulação agrária e as porções de terras ociosas. As pequenas propriedades seriam grandes descentralizadoras das riquezas da nação e assim dariam estabilidade ao país. É o que defende abaixo o um deputado do Norte:
“Dez anos depois, outro congressista disse, em linguagem quase idêntica: “Ao invés de possessões baroniais, deixem-nos facilitar a proliferação das propriedades independentes. Deixem-nos manter a enxada nas mãos do proprietário”. Acrescentando: “Na minha opinião, a política de distribuir as terras públicas de maneira a aumentar o número de agricultores independentes, de propriedades seguras e independentes, descentralizando e difundindo a riqueza da nação, é, realmente, de importância primordial, vital para a estabilidade básica da República”.” (VIOTTI DA COSTA, E. p. 183).
A pequena propriedade permite desenvolvimento econômico, a concentração gera a revolta social.
O “Homestead Act”, também atrairia imigrantes vindos da Europa, pessoas moradoras de favelas urbanas, que precisavam garantir sua subsistência e não poderiam comprar uma pequena porção de terras, por tanto estariam contentes em receber um pequeno lote, desta forma estariam ajudando na ocupação do oeste, no desenvolvimento e estabilidade econômica do país, na valorização do solo e também no aumento da produção e consumo.
A questão nos dias atuais.
Nos EUA o que se pretendia com o “Homestead Act”, era a democratização do acesso à terra, e que de forma alguma entraria em choque com o sistema capitalista, muito pelo contrário, o fortaleceria na medida em que gera produção, consumo e expansão territorial.
No Brasil a questão agrária se deu de forma diferente. O que fez foi concentrar terra na mão de poucas famílias, ocasionando assim a não expansão do território para outras áreas, terras ociosas e especulação agrária.
Segundo o IBGE, o Brasil possui uma das estruturas fundiárias mais desiguais do mundo. Enquanto pequenos lotes com menos de 10 hectares ocupam 2,7% da soma de propriedades rurais, grandes fazendas com mais de mil hectares concentram 43% do total.
Não resta dúvidas que a situação apresentada é o reflexo da política agrária adotada no século XIX. Tal concentração, a especulação agrária, o avanço do agronegócio e a tecnologia, são causadores de tantos desempregos no campo, e do inchaço das cidades com a migração de pobres rurais para as áreas periféricas da cidade.
Na perspectiva de combater tais problemas, a questão que deve ser pautada é, sem dúvidas, a reforma agrária, como meio de subsistência para os trabalhadores que nos lotes de terra queiram se instalar, permitindo assim retira-los de uma situação de vulnerabilidade social, como um fator de integração social e econômica.
“A reforma agrária assegura ao trabalhador rural pobre uma possibilidade de integração social e econômica: é falso dizer que essa possibilidade de integração resultará automaticamente na transformação deste trabalhador rural pobre em pequeno empresário agrícola bem-sucedido. No entanto, está provado que que a reforma agrária permitiu a centenas de milhares de homens e mulheres superar, em curto prazo, a situação de extrema vulnerabilidade que caracteriza as condições de vida dos pobres rurais no nosso país.” (LINS, M. p.327)
A reforma agrária é algo que cabe aos atores públicos, porém é uma questão que não se encontra na agenda da presidente. O governo está sob o comando do Partido dos Trabalhadores, o qual durante muitos anos combateu em defesa de tal pauta. O partido seduzido pela conquista do poder, fez e faz concessões com a burguesia nacional, industrial e agrária, principalmente com alianças partidárias no campo destes setores. É impossível que o governo, que em sua base aliada tem representantes do agronegócio, faça a reforma agrária. Por isso é que os trabalhadores rurais sem-terra devem com seus métodos de luta, exigir o fim de tais alianças e obrigar o partido mais uma vez colocar uma pauta histórica da classe trabalhadora, como é esta, na ordem do dia. Nos moldes atuais, na democracia burguesa resta aos trabalhadores a organização e a luta para a conquista de suas pautas.
Nenhuma medida do Estado sob a égide do capitalismo será suficiente para resolver a questão agrária brasileira.
Por isso acreditamos e combatemos pelo Socialismo, pois este modo de produção econômico baseado em métodos de análise científicas, quais sejam, o materialismo histórico e dialético, farão destravar as amarras das forças produtivas mediante a planificação do que produzir, quando produzir e como distribuir a produção, eliminará a fome e as doenças no mundo e por extensão todas as mazelas que assolam a humanidade.
BIBLIOGRAFIA
COSTA, Emilia Viotti da. Da monarquia à República: Momentos decisivos. 8ª edição. São Paulo: Editora UNESP, 2007.
LINS, M. Uma agenda atual das políticas públicas. In: BUAINAIN, António Marcio (coord.) et al. Luta pela terra, reforma agrária e gestão de conflitos no Brasil. 1ª edição. Caminas-SP: Editora da Unicamp, 2008.