Foto: Alex Pazuello, Semcom

A tragédia em Manaus: primeiro faltaram testes, depois faltaram leitos e agora faltam caixões

O número oficial de infectados pelo novo coronavírus no Amazonas chegou a 12.599 no último domingo, com um novo recorde de confirmações em um único dia: 1.198 casos. O recorde anterior era de 1.134, o que deixa claro que a partir de agora as transmissões confirmadas serão contabilizadas na casa dos milhares. Foram 88 mortes em apenas 24 horas e o número total já passa de mil. Os números assustam, mas não chegam nem perto da realidade.

Com a falta de testes, milhares de pessoas morrem sem ter sequer o diagnóstico adequado. O número de óbitos aumentou 108% desde o início da pandemia e o uso de valas comuns se tornou corriqueiro nos cemitérios superlotados. Um vídeo chocante mostra uma família enterrando com ferramentas improvisadas o corpo do próprio pai devido à falta de coveiros. A resposta da Prefeitura? Somente a promessa de instalar um memorial às vítimas no maior cemitério da cidade.

Manaus é a única cidade do Amazonas com leitos de UTI, que estão 90% lotados. Desde o fim de abril há relatos de pacientes que passam a noite em ambulâncias porque simplesmente não há para onde levá-los. Em outros casos, as macas que deveriam servir somente para transportar os pacientes dentro dos veículos são utilizadas como leitos nos corredores dos hospitais.

Após o colapso do sistema de saúde, agora é o sistema funerário que começa a dar sinais de já não conseguir atender a demanda. A associação de funerárias chegou a falar que se não houvesse ajuda do governo federal para transportar novos caixões até Manaus, a cidade correria o risco de ter que enterrar mortos em sacos plásticos. Diante da recusa de ajuda por parte do poder público, a própria entidade se mobilizou para garantir o fornecimento de urnas. No entanto, o transporte de mercadorias para o Amazonas depende principalmente de estradas em péssimo estado e longos dias de viagem fluvial e não se sabe quanto tempo o novo estoque irá durar.

Para piorar, o Rio Negro está no período da cheia e já se encontra próximo ao ápice do seu volume de água. Isso leva o lixo e o esgoto dos igarapés (canais que cortam a cidade) para mais perto das casas, aumentando os casos de doenças de veiculação hídrica, dengue, malária, Zika e Chikungunya. Com os hospitais sobrecarregados, é bem provável que essas doenças matem ainda mais pessoas que o normal.

Uma gestão classista da crise

 

Vítimas do coronavírus são enterradas em vala comum no cemitério do Tarumã em Manaus Foto; Twitter, via Fotos Públicas

É claro que os efeitos da pandemia não são sentidos da mesma forma por todos. Enquanto os trabalhadores que utilizam o SUS (e mesmo aqueles que têm planos de saúde mais baratos) não possuem qualquer garantia de tratamento, a burguesia contrata UTIs aéreas para levar seus doentes até os grandes centros, onde podem pagar centenas de milhares de reais por tratamento privado. O novo coronavírus pode até não conhecer barreiras de classe, mas está cada vez mais claro que a diferença entre que morre e quem vive na pandemia tem um caráter classista.

Certa de sua própria salvação, a classe dominante manauara pressiona para que as modestas medidas de contenção sejam suspensas o quanto antes pelo governo do estado. Há duas semanas, 50 mil trabalhadores do distrito industrial retornaram às fábricas sem qualquer garantia de sua própria segurança. Em uma entrevista de rádio, o presidente do Centro das Indústrias do Estado do Amazonas (Cieam), Wilson Périco, deixou claro que as férias coletivas dadas anteriormente se deviam à queda do consumo e não à pandemia e que “se o mercado estivesse consumindo, a atividade da indústria não estaria parada”.

Segundo a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM), órgão que divulga as informações, 70% dos casos por Covid-19 no estado correspondem à maior parte da população economicamente ativa. Mais uma prova de que as infecções estão diretamente ligadas à baixíssima adesão ao isolamento.

Cedendo às pressões, no dia 30 de abril o Governo do Amazonas apresentou um plano para reabertura gradual do comércio a partir de 14 de maio. Esse mesmo governo pagou R$ 2,9 milhões por 28 ventiladores pulmonares para atender as vítimas de Covid-19 no estado. Seria uma boa notícia, não fosse esse valor 316% mais caro que a média e a compra ter sido feita com dispensa de licitação. Para piorar, o Conselho Regional de Medicina do Amazonas considerou inadequados os aparelhos, que, aliás, foram comprados de uma loja de vinhos.

O governo tem sido questionado também pelo aluguel de um hospital particular pelo valor de R$ 2,6 milhões, enquanto o Hospital Delphina Aziz tem 30 leitos de UTI desativados por falta de estrutura. Ao que tudo indica, a pandemia não atrapalhou em nada os negócios escusos da burguesia.

No dia 5 de maio, o Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM) pediu à Justiça a determinação de um “lockdown” durante 10 dias em Manaus. Embora não deixe claras as ações a serem tomadas, a ação civil pública pede principalmente a restrição da circulação de pessoas e veículos nas ruas e a obrigatoriedade do uso de máscaras. O pedido do MP-AM era que as medidas entrassem em vigor nas 24 horas seguintes, mas o juiz encarregado do processo não deu parecer favorável. Segundo ele, não há nada que indique uma tendência de crescimento nos contágios e que na verdade o número de casos estaria caindo.

A luta de classes continua

Apesar da pandemia e do chamado à unidade nacional, ao qual as maiores organizações de esquerda aderiram, a luta de classes não está suspensa. As contradições do capitalismo, que já vinham se acumulando nos últimos anos e estouraram em revoltas insurrecionais no Equador e no Chile, apenas se tornaram ainda mais agudas com a Covid-19.

Da mesma forma, o ódio crescente entre a classe trabalhadora diante do desemprego, da inflação e da piora nas condições de vida será inflamado por um componente novo e poderoso: a memória dos milhares de mortos por falta de atendimento médico e, em muitos casos, sem direito sequer a um enterro digno.

No dia 27 de abril, profissionais de enfermagem do Hospital 28 de Agosto, um dos maiores da cidade, realizaram um protesto em frente à unidade pedindo equipamentos de proteção em número adequado para todos. As reivindicações dos trabalhadores incluíam ainda a redução do aumento de 3% no desconto previdenciário, pagamento de adicional de insalubridade e o fim da sobrecarga de trabalho. É assim que o governo trata aqueles a quem publicamente chama de “heróis” e que têm papel fundamental na luta contra a pandemia.

A classe trabalhadora de Manaus é numerosa e responsável pela produção de grandes empresas como a Honda, a Yamaha, a Philips e a Samsung. No entanto, décadas de conciliação de classe por parte dos partidos e sindicatos que deveriam representar os trabalhadores tornaram essa classe difusa e pouco organizada no estado.

O próximo período será de crise ainda mais profunda de todo o sistema capitalista, por isso é necessário forjar novas lideranças comprometidas com os interesses da classe trabalhadora e prontas para ir até as últimas consequências.

Convidamos todos que quiserem construir as forças do marxismo no Amazonas a se juntarem à Esquerda Marxista, comporem os comitês Fora Bolsonaro e prepararem-se para as lutas que estão por vir.

  • Fora Bolsonaro, por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais!