Continuação da análise marxista de Alan Woods sobre os desdobramentos revolucionários na Espanha, agora à luz dos resultados eleitorais desse fim de semana, onde o PSOE perdeu mais de 4 milhões de votos.
Eles saltam fronteiras, desafiando todos os obstáculos; eles riem das ameaças e xingamentos da classe dominante e varrem para o lado as forças do Estado. Não podem ser detidos. Os protestos em massa que estão se espalhando de um país a outro pegaram de surpresa as forças da velha sociedade, que não sabem como reagir. Se nada fizerem, o movimento crescerá, mas se tentarem esmagá-lo irá crescer muito mais rapidamente.
Na Espanha, dezenas de milhares de pessoas tomaram as ruas na última semana. Em suas manifestações, que pareciam vir do nada, os jovens ocuparam praças de cidades em toda a Espanha, em uma onda de indignação com as políticas governamentais de austeridade e com as altas taxas de desemprego. Os “peritos” foram pegos totalmente desprevenidos. De onde veio este movimento? A juventude é apolítica e apática, disseram eles.
Durante anos as pessoas têm sido pacientes, sofrendo em silêncio as imposições de diferentes governos. Isso criou a ilusão de que as pessoas, sobretudo as jovens, eram “apáticas” e indiferentes à política. Mas esta suposta indiferença era apenas em relação aos partidos existentes e não para a política propriamente dita.
Foi necessária uma severa recessão econômica para trazer à superfície este sentimento de raiva. Os levianos comentaristas burgueses não veem isto porque se limitam à observação superficial. Eles veem somente a superfície, mas são cegos para as contradições e processos que estão se desenvolvendo sob ela.
Da noite para o dia, esta suposta indiferença se transformou em seu contrário. Um novo tipo de política nasce: a política das ruas. Isto é visto com horror pelas senhoras e senhores que, sentados em suas cadeiras parlamentares, se consideram como os supremos – de fato, os únicos – representantes da nação. Mas a verdadeira nação não se encontra no Parlamento. A verdadeira nação é a classe trabalhadora e a juventude da Espanha.
Conflito de gerações?
Os protestos explodiram em mais de 150 cidades e vilas. É um grito exigindo mudança, uma onda de indignação das pessoas que sentem que ninguém os representa e que ninguém os ouve. As multidões acampadas em Madri e em toda a Espanha não estão protestando contra este governo, mas contra o sistema e toda a classe política que o mantém.
Os jovens revolucionários querem manter a ordem na Puerta del Sol, para evitar as acusações de “anarquia” e de “vandalismo”. Há uma creche, uma área reservada à cozinha e mesmo, pelo que parece, uma horta. Os organizadores do protesto pediram aos participantes para não entrar em confronto com a polícia e tentaram evitar a distribuição de bebidas alcoólicas. “Isto é uma revolução, não uma festa de bêbados”, diz um cartaz. Fornecidas pelos que apoiam o movimento, vassouras são usadas para manter limpa a praça. Mas uma vassoura bem maior será necessária para limpar o estábulo de Augias [a merda gigantescamente acumulada – Nota do Tradutor] do regime político burguês.
O movimento começou na Espanha com os jovens. Naturalmente! Pois é o jovem que carrega sobre seus ombros o maior peso da crise do capitalismo. É a juventude, cujo futuro está sendo destruído por um sistema decrépito e paralítico. É a juventude que nada tem a perder e um mundo a ganhar com a luta. E é a juventude que está preparada para lutar.
Mas tudo isto é muito mais que um movimento da juventude. Isto não é, como alguns cínicos tentaram afirmar, um “conflito de gerações”. Não é uma luta do jovem contra o velho. É um reflexo do sentimento geral de descontentamento na sociedade, tanto dos jovens quanto dos mais velhos. Eles se sentem frustrados com o desemprego em massa, estão irritados com o controle da política do governo pelos mercados financeiros e indignados com a gigantesca escala da corrupção:
“Estou feliz porque finalmente estamos protestando. Já estava na hora”, disse Maria, uma mulher idosa, à BBC, quando visitou seu neto na Puerta del Sol. “Eles querem nos deixar sem saúde e educação pública”, disse outro manifestante. “Metade dos nossos jovens está desempregada e aumentaram a idade da aposentadoria”, acrescenta outra pessoa. E todos dizem: “Estamos sendo obrigados a pagar por uma crise econômica que não provocamos, mas que foi provocada pelos bancos”.
“A Espanha não é um negócio. Nós não somos escravos”, podia-se ler em um dos milhares de cartazes de protesto colados nas paredes da estação do metrô de Puerta del Sol. Esta é a autêntica voz do povo espanhol. Este é um movimento que contém dentro de si mesmo tudo o que é vivo, tudo o que é saudável, tudo que representa uma esperança para o futuro. É uma luta das forças vivas da sociedade contra as forças da morte e o apodrecimento da velha ordem. É o surgimento de um novo mundo que está lutando para nascer.
A revolta se espalha
O movimento não se limita à Espanha. O jornal The Guardian adverte que “uma rebelião liderada pela juventude está se espalhando por toda a Europa do Sul com uma nova geração de manifestantes apossando-se de praças e parques nas cidades em toda a Espanha, unidos pela rejeição aos políticos tradicionais e furiosos com os cortes de gastos”.
Muitos jovens foram forçados a deixar a Espanha, precisamente devido à situação. E eles também querem protestar. As manifestações foram organizadas na frente da embaixada espanhola em Lisboa e em outras cidades europeias. O exemplo espanhol está sendo seguido por protestos na Itália, onde também estão previstos em Florença e em outras cidades italianas, incluindo Roma e Milão.
A Itália, até agora, não foi forçada a entrar no tipo de medidas de austeridade imposta à Espanha, Portugal, Grécia e Irlanda. Mas sua economia praticamente não cresceu nos últimos 10 anos e há evidências crescentes de irritação em relação ao seu primeiro-ministro bilionário, Silvio Berlusconi. O tag #italianrevolution já apareceu no Twitter.
Esta agitação não está confinada aos países do sul da Europa. Nos últimos dias, alguns dos sinais do descontentamento e da raiva popular estão emergindo de um país a outro. Na Geórgia, milhares de partidários da oposição foram despejados das ruas de Tiflis para exigir a renúncia do presidente Mikhail Saakashvili. Os manifestantes se reuniram fora do parlamento, antes de marchar ao palácio presidencial, onde planejam realizar protestos contínuos.
Correspondentes de imprensa dizem que o comparecimento está caindo e que a oposição parece cada vez mais incerta sobre como continuar a campanha. Depois de uma breve pausa no domingo, mais de 20 mil partidários da oposição retornaram ao prédio do parlamento georgiano pelo quinto dia, cantando “Misha, vá embora!” Eles voltaram a bloquear a principal rua da capital, aclamando os principais líderes da oposição e começaram a marchar sobre o palácio presidencial.
O movimento se espalhou à República Checa, onde os sindicatos realizaram uma grande manifestação na Praça Wenceslau, de Praga. De acordo com os organizadores e a polícia mais de 40 mil pessoas compareceram ao protesto contra os planos de reforma governamentais. Os manifestantes protestavam contra as reformas de grande envergadura do governo na assistência à saúde, nos impostos, na seguridade social e no sistema de pensões e aposentadorias, que vão atingir os trabalhadores checos, os aposentados e os inválidos.
No Iraque ocupado, na sexta-feira 20 de maio, aconteceu mais uma jornada de protestos na Praça Tahir de Bagdá. As pessoas estão exigindo empregos e serviços, mas agora estão concentrando sua raiva sobre o governo de Nouri al-Maliki. Foi vista uma faixa com os dizeres “Título da Peça: Governo Corrupto”. Outra faixa exigia o fim das prisões arbitrárias por parte das forças de segurança. Protestos ainda maiores são esperados em junho.
Por último, mas não menos importante, há duas semanas, milhares de professores, assistentes sociais, sindicalistas e outros tomaram as ruas de Nova Iorque, em uma marcha contra os planos do prefeito Michael Bloomberg para cortes amplos no orçamento e contra os banqueiros de Wall Street, a quem culpam pelo déficit do orçamento da cidade.
Ativistas informaram que a polícia de Nova Iorque deteve vários manifestantes, mas a manifestação continuou animada, com cartazes coloridos e cantos estridentes. A manifestação convocada pela Coalizão 12 de Maio, reuniu pelo menos 10 mil seguidores. Milhares de pessoas eram da United Federation of Teachers (UFT) [Federação Unida dos Professores – UFT, em suas siglas em inglês], que enfrenta mais de quatro mil cortes de professores se o orçamento de Bloomberg for promulgado.
Michael Mulgrew, presidente da UFT, colocou a culpa dos cortes orçamentários diretamente em Bloomberg e em Wall Street: “Wall Street se recuperou, fundos de hedge foram estimulados e, agora, querem demitir os professores e fechar creches”, disse Mulgrew. “Estamos indo para onde eles mandaram o dinheiro”, disse ele sobre a marcha.
Os organizadores afirmaram que a cidade poderia evitar os cortes orçamentários restabelecendo a “taxação aos milionários”, terminando com os subsídios às grandes empresas que fracassaram na criação de empregos. Este evento foi uma demonstração não somente contra o plano orçamentário de Bloomberg, como também um esforço para “fazer os bancos pagar”.
Esta manifestação se seguiu ao movimento militante dos trabalhadores de Wisconsin, que se inspirou diretamente na Revolução Egípcia. Randi Weingarten, presidente da organização-mãe da UFT, a American Federation of Teachers (AFT) [Federação Americana de Professores – AFT em suas siglas em inglês], lembrou que ela viajou pelo país nos últimos meses lutando contra os cortes de professores em todos os estados do país. “Nunca esperei voltar para casa para ver Nova Iorque agir como Wisconsin”, disse ela à multidão.
Desafio à proibição
Pelo menos 30 mil pessoas lotaram a Puerta del Sol, no coração de Madri na sexta-feira à noite. Esta foi a resposta à tentativa do governo de proibir as manifestações, alegando uma lei contra “eventos políticos” às vésperas das eleições. A lei entrou em vigor à meia-noite da sexta-feira, mas os manifestantes permaneceram desafiadores e as autoridades nada puderam fazer. A legislação espanhola proíbe comícios na véspera das eleições para permitir um “dia de reflexão”. Mas o povo espanhol está refletindo mais do que nunca sobre a situação da sociedade. Não está apenas refletindo – ele está agindo para mudar uma situação intolerável.
Mas quando a proibição entrou em vigor, a multidão não se moveu do lugar e a polícia não tentou dispersá-la. A Junta Eleitoral ordenou-lhes sair antes das eleições locais no domingo. Mas, embora a legislação tenha sido confirmada pelos tribunais superiores e constitucionais, a polícia não foi capaz de reprimir as manifestações. Ela ficou à margem, como mera observadora dos acontecimentos que se desenrolavam perante seus olhos. Por suas ações, os manifestantes mostraram que nenhuma lei escrita pode resistir ao poder das massas, uma vez mobilizadas para a ação.
No início da semana, as autoridades eleitorais da região de Madri negaram um pedido oficial dos organizadores para a realização de um comício na Puerta del Sol às oito horas da noite da quarta-feira. As autoridades eleitorais indeferiram o pedido, escondendo-se por trás da desculpa de que não teria sido apresentado com uma antecedência de 24 horas, conforme exigido pela lei, e de que a manifestação “poderia afetar a campanha eleitoral e a liberdade dos cidadãos com direito ao voto”. O fato de que esta decisão tenha negado o direito dos cidadãos a se manifestarem foi convenientemente ignorado.
Parecia que o governo iria autorizar a polícia a dissolver as multidões das praças públicas de todo o país depois de definir uma data final para as pessoas dispersarem até a meia-noite da sexta-feira. Mas, enquanto a data final se aproximava, o vice-presidente Alfredo Perez Rubalcaba mostrava crescente indecisão sobre como o governo devia lidar com os manifestantes. Inicialmente, ele disse que o governo iria “cumprir a lei”, mas, em seguida, atenuou esta posição, dizendo: “A polícia não vai resolver um problema criando outro”.
Qual era o “outro problema” que fez Rubalcaba hesitar? Foi o medo de que qualquer tentativa de romper o protesto pela força pudesse provocar uma explosão social. Quando bateu a meia-noite, os policiais guardaram uma distância discreta à margem dos protestos em Madri. Cerca de 15 veículos da polícia tomaram posição em torno da Praça na quarta-feira à noite, mas a polícia não tomou nenhuma atitude sendo que sua presença diminuiu mais tarde. Os manifestantes ficaram quietos enquanto os relógios da cidade anunciavam o início de um novo dia, muitos deles com adesivos na boca como um gesto simbólico para dizer ao mundo que eles tinham algo a dizer, mas que foram amordaçados pelo Estado.
Uma volta à direita?
O resultado das eleições foi um completo desastre para o PSOE. A votação socialista experimentou uma queda abrupta em suas duas bases mais poderosas: Andaluzia, onde perdeu em todas as cidades e na Catalunha, onde o PSC (Partido Socialista da Catalunha) perdeu em Barcelona, onde governava desde 1979. O PSOE também perdeu em Castela-La Mancha, que governava desde 1983. Eles também podem perder em Astúrias se o Foro de Partidos das Astúrias (FPA) chegar a um pacto com o PP (Partido Popular).
Os pessimistas de plantão dirão que as eleições espanholas indicam uma “virada à direita”. Eles vão lamentar o “baixo nível de consciência das massas”. Essas pessoas estão sempre prontas a culpar a classe trabalhadora por sua própria impotência. Elas entendem menos que nada dos processos reais que ocorrem na sociedade.
A verdade é que os resultados das eleições eram totalmente previsíveis. As políticas do reformismo não podem sobreviver à crise do capitalismo. A burguesia estala os dedos e os socialdemocratas saltam imediatamente para atendê-la. Na pressa para salvar o sistema, eles esquecem tudo sobre reformas e passam às contrarreformas.
Reformismo com reformas reais até faz sentido para os trabalhadores. Mas reformismo sem reformas – reformismo com contrarreformas, cortes e austeridade, não faz nenhum sentido. Isto causa frustração e desilusão entre os trabalhadores, que punem o governo retendo seus votos. Tal fato também tem a vantagem adicional de desacreditar a idéia de “socialismo” aos olhos da classe média.
Temos salientado várias vezes que a situação atual será caracterizada por acentuadas oscilações da opinião pública, tanto para a esquerda quanto para a direita. Quando os socialdemocratas se encontram no poder, a oposição de direita acusa aos “socialistas” pela queda dos níveis de vida, pelo aumento dos preços e dos impostos e pelo desemprego. A direita argumenta demagogicamente: “Vocês estão vendo o que estes vermelhos fizeram? Deixaram o país de joelhos”.
Os trabalhadores da Espanha deram um voto esmagador de censura a um governo que segue o programa dos banqueiros e dos capitalistas. Contudo, isto não pode ser caracterizado como uma vitória da direita. Embora o conservador PP tenha obtido a vitória nas eleições municipais e regionais ontem, praticamente não aumentou sua votação – apenas dois pontos a mais do que em 2007. Estas eleições não foram ganhas pelo PP, mas perdidas pelo PSOE, cuja votação caiu em 4,5 milhões.
A direita utiliza-se do descontentamento da classe média para suscitar o sentimento reacionário sobre a imigração, o terrorismo e outras questões. Isto explica o aumento dos votos ao PP. A surpresa não é que tenha aumentado sua votação. Em Madri, onde o PP se encontra no poder há anos, sua votação verdadeiramente afundou.
O resultado foi decidido pelos milhões que não votaram ou votaram “em branco”: os trabalhadores e jovens que se sentiram traídos pelo governo de Zapatero e que ficaram em casa – ou foram para a Puerta del Sol. Os “indignados e indecisos” refletiram o sentimento geral de descontentamento com os partidos e as instituições existentes. Em Euskadi [País Basco, no norte da Espanha], Bildu, a frente eleitoral da esquerda radical basca, obteve um forte resultado e deslocou o PSOE para o segundo lugar, conseguindo o primeiro lugar na província de Guipúscoa, e também conseguiu um resultado notável em Navarra. Os abertzales [frente nacionalista basca] são vistos por muitos como a alternativa mais radical e à esquerda das políticas reformistas do PSOE.
Qual o caminho para a esquerda?
O mesmo fenômeno está ocorrendo em toda a União Europeia (UE). Desde o início, todos os governos foram punidos nas urnas, mas a esquerda não ganhou na mesma proporção. Devemos nos perguntar o porquê disto. Por que os partidos comunistas que, no passado, foram os beneficiários do colapso do voto socialdemocrata, agora não o foram?
Deve-se creditar ao líder da Izquierda Unida (IU), Caio Lara, o fato de ele ter se juntado aos manifestantes e os apoiado. Também é verdade que a IU aumentou sua votação em 200 mil votos nestas eleições. Isto revela que há um potencial para a recuperação do voto da esquerda. Mas a pergunta que deve ser respondida é: por que a esquerda não ganhou mais assentos no Parlamento?
Nestas eleições o PSOE viu sua votação descer ao nível de 1979. Nessa altura, o Partido Comunista Espanhol (PCE) ainda disputava a hegemonia da esquerda com o PSOE e foi responsável por grande parte dos votos. Mas depois de décadas de políticas oportunistas, o PCE perdeu sua ligação com as massas. A coligação eleitoral a que ele pertence, a IU, só foi capaz de registrar um ligeiro aumento – apenas um ponto percentual – apesar do descalabro socialista, e ainda perdeu seu bastião em Córdoba.
Em uma situação em que a combinação do “voto em branco” e o voto nulo ascendeu a quase um milhão, por que os candidatos da IU não tiveram êxito em atrair estes votos? Os líderes dos partidos comunistas tentaram ser “respeitáveis”. Eles repudiaram toda menção ao socialismo, à luta de classes e à revolução. Em muitos casos, eles abandonaram o próprio título de Comunistas. Eles se esforçaram o que era possível para imitar os socialdemocratas e para serem semelhantes a eles.
Eles tanto se enredaram na “política institucional” que, nas mentes de muitos trabalhadores e da juventude, são quase indistinguíveis dos outros. Vimos isto com muita clareza nas áreas em que a IU foi sócia minoritária em coligações com o PSOE. Nestes domínios, a IU foi severamente castigada pelos eleitores.
Esta é a punição por décadas de oportunismo e reformismo. Os trabalhadores e a juventude podem compreender um pequeno partido comunista que participe das eleições, lutando por políticas claramente comunistas. Mas os trabalhadores são pessoas práticas. Se houver dois partidos de “esquerda”, irão votar pelo maior dos dois (o chamado “voto útil”) e o menor tenderá a desaparecer.
Já vimos isto acontecer em um país após outro: na Itália, na França e na Espanha. É uma suprema ironia da história que, justamente no momento histórico em que o capitalismo se encontra em profunda crise, em que a socialdemocracia se encontra a ponto de perder apoio, devido às suas políticas pró-capitalistas, e em que um grande número de jovens está chegando às ruas para combater o capitalismo, os partidos comunistas não serem vistos como alternativa revolucionária, mas somente como a quinta roda do carro do reformismo.
A verdade deve ser dita. A esquerda tem se mostrado completamente despreparada para esses acontecimentos. Muitos de seus líderes permitiram-se infectar pelo bacilo do ceticismo. Eles perderam toda a fé na capacidade das pessoas comuns da classe trabalhadora de mudar a sociedade. Eles abandonaram qualquer perspectiva do socialismo e reconciliaram-se com a politicagem da “mudança gradual”, o “realismo” e o “pragmatismo”. Ou seja, eles se acostumaram com a manutenção da ordem existente.
Muitos dos membros da chamada “vanguarda” se convenceram de que a revolução socialista é impossível. Eles tentam convencer aos jovens de que o comunismo é uma utopia impossível, que devemos manter a cautela e não ir longe demais, e assim por diante. Eles imaginam que sabem mais que os jovens porque perderam o antigo ardor. Como podem essas pessoas inspirar alguma confiança e entusiasmo nos jovens que estão procurando uma saída revolucionária?
A única forma de se encontrar um caminho para as novas camadas de militantes que buscam o caminho revolucionário é apresentar-lhes uma perspectiva real para a revolução social. É necessária a volta às genuínas ideias do comunismo de Marx e Lênin. Com base nisto, e apenas nesta base, os comunistas podem encontrar um terreno comum e uma língua comum com as novas gerações que estão dispostas a lutar contra o capitalismo, mas que necessitam para isto de um programa, uma política e uma estratégia clara.
E agora?
Os resultados das eleições espanholas serão um choque para muitas pessoas, incluindo as pessoas que se encontram na Puerta del Sol. O movimento de rebelião nas ruas quase certamente irá morrer por um tempo. O que os organizadores consideram ser o seu ponto forte – o seu caráter espontâneo – é também o seu ponto mais fraco. Para ir mais longe, ele necessita ser organizado e armado com um programa revolucionário e uma perspectiva científica. Acima de tudo, ele necessita ser firmemente ligado ao movimento dos trabalhadores, a única força que pode proporcionar uma mudança fundamental na sociedade.
As eleições indicaram a rejeição massiva das políticas econômicas implementadas pelo governo socialista. José Luis Rodriguez Zapatero explicou que ele “pagou um preço muito alto” por essas políticas. Mas um preço ainda mais alto foi pago por milhões de espanhóis que se encontram sem emprego. Na noite passada, ele descartou as eleições antecipadas e disse que vai “trabalhar para fortalecer a recuperação”. Isto significa mais do mesmo.
Esta é a receita pronta e acabada para a derrota nas eleições gerais de 2012. A manchete de hoje do jornal espanhol Publico é: “O PSOE colapsa como resultado de sua virada à direita”. E o subtítulo do jornal El Pais é: “O PSOE pavimenta o caminho para Rajoy ao Moncloa com uma derrota sem precedentes”. Esta avaliação está correta. Parece provável que o PP formará o próximo governo. Mas isto acontecerá em condições de profunda crise social e econômica.
São incertas as perspectivas para o conjunto da Europa. Depois da Grécia, da Irlanda e de Portugal, a Espanha está exposta como o elo fraco da corrente. O Fundo Monetário Internacional alertou que a crise da dívida da zona do euro pode se espalhar por toda a região, a menos que os países europeus intensifiquem os esforços para “corrigir seus bancos”. Em sua mais recente perspectiva econômica para a Europa, o FMI disse que a crise da dívida na Grécia, em Portugal e na Irlanda poderia afetar toda a zona euro produzindo uma crise de confiança, apesar dos “pacotes de resgate” que já estão em vigor:
“As ligações financeiras entre os países com problemas de dívida soberana e o restante da Europa poderiam representar mais riscos para as perspectivas”, disse o FMI, na quinta-feira. “Restaurar a saúde fiscal, abordar diretamente os bancos fracos e realizar as reformas estruturais para restaurar a competitividade são essenciais”.
Em português claro isto significa: devem-se derramar mais bilhões nos bancos e financiar tudo isto cortando o “desperdício de gastos públicos” em coisas hospitais, escolas e aposentadorias. O PSOE tentou evitar isto, mas finalmente foi forçado a realizar os ditames do grande capital. Mas um governo do PP vai realizar essas políticas com entusiasmo desde o primeiro momento.
A demagogia do PP em breve ficará exposta enquanto a crise da economia espanhola vai de mal a pior. A classe média logo descobrirá que sua situação se encontrará ainda pior com o PP do que esteve com os socialistas. A agitação da juventude se intensificará. E os trabalhadores que estavam relutantes em confrontar o governo do PSOE não terão escrúpulos de consciência sobre lutar contra o PP.
Os mais perspicazes representantes do Capital olham para o futuro com maus pressentimentos. Na Espanha, a classe dominante está pressionando para Zapatero permanecer no poder. Ela percebe que um governo do PP irá levar a um confronto aberto entre as classes que ela está ansiosa por adiar, enquanto espreme Zapatero como a um limão. Contudo, a liderança do PP está ávida pelo poder e pressiona por eleições antecipadas. Cinco Dias, o diário dos capitalistas espanhóis, alertou ao PP para não se aproveitar de sua vitória nas eleições locais para revelar as dívidas podres dos conselhos locais, com receio de causar pânico nos mercados monetários.
A perspectiva é de uma intensificação da luta de classes. Hans Jörg Sinn, um dos principais analistas econômicos da burguesia na Alemanha, está advertindo sobre uma guerra civil na Grécia. O mesmo pode ser verdadeiro na Espanha e em outros países do sul da Europa. Através da experiência amarga os trabalhadores redescobrirão as tradições revolucionárias do passado. O movimento nas ruas da Espanha durante a última semana é apenas um ensaio para ainda mais dramáticos acontecimentos que irão transformar toda a situação.
Londres, 23 de maio de 2011.