As promessas de Dilma e porque a burguesia está atacando seu governo

Com a queda nas pesquisas Dilma anuncia a manutenção da política de reajuste do salário mínimo, reajuste de 10% no Bolsa Família e correção de 4,5% na tabela do Imposto de Renda – propostas que fizeram analistas burgueses e seus jornais pularem de raiva. Por que?!

Quando as pesquisas de opinião mostram uma queda da sua intenção de voto[i], Dilma abandona a forma de comunicação adotada nas jornadas de junho, quando explicitou de forma direta o seu programa de governo, calcado na manutenção do superávit primário, ou seja pelo pagamento de juros aos bancos e apresentou três “novas” propostas  – manutenção da política de reajuste do salário mínimo, reajuste de 10% no Bolsa Família e correção de 4,5% na tabela do Imposto de Renda – propostas que fizeram analistas burgueses e seus jornais pularem de raiva.

Mas, serão estes pulos de raiva suficientes para que possamos aplaudir tais medidas e dizer que o Governo Dilma mudou seu sentido, de um governo privatizante e que não atende os trabalhadores para um governo que pretende conceder reformas que melhorem a vida dos mais oprimidos?

Nós vamos analisar nestas breves linhas as promessas de Dilma e seu significado, assim como vamos analisar um pouco do que leva a burguesia a atacar Dilma e a querer substitui-la diretamente por um burguês.

Emprego e salário

Dilma declara logo na abertura do seu discurso:

“Vocês que estão nas fábricas, nos campos, nas lojas e nos escritórios sabem bem que estamos vencendo a luta mais difícil e mais importante: a luta do emprego e do salário.”

O problema é que exatamente nas duas ultimas semanas a indústria do automóvel está demitindo, colocando empregados em lay-off (manter o emprego com horário de trabalho reduzido por seis meses, sendo parte do salário pago pelo seguro desemprego) ou em férias coletivas. Mais que isso, a resposta do governo que está sendo examinada para este problema é manter o emprego, com um lay-off prolongado no qual o empregado reduz o seu horário de trabalho e também reduz o salário (e o governo continua pagando uma parte deste salário reduzido).

Então, qual é exatamente a luta que “estamos vencendo”? Ao que parece é que na luta entre o capital e o trabalho, o capital vem vencendo e o trabalho perdendo, tanto na forma de redução salarial como na forma de demissão!

E Dilma recusa-se a adotar a forma mais simples que existe: decretar a estabilidade no emprego, proibir as demissões e aprovar a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução de salário! Que os patrões paguem pela crise.

Dilma continua mais adiante: “Anuncio ainda que assumo o compromisso de continuar a política de valorização do salário-mínimo, que tantos benefícios vem trazendo para milhões de trabalhadores e trabalhadoras.”

A fórmula atual de cálculo do salário mínimo, inflação do ano anterior medida pelo INPC, mais o crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes, foi benéfica quando o PIB aumentava, mas atualmente encontra problemas e o valor do Salário Mínimo atual (724 reais) está bem abaixo do Salário Mínimo calculado pelo DIEESE (Salário necessário para sustentar uma família de quatro pessoas, hoje estimado em 2.992 reais). Para se ter uma ideia sobre o assunto, compare o salário mínimo do DIEESE e o Salário Mínimo produzido por esta fórmula desde o início do governo Dilma até hoje:


Fonte:http://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html

Olhando a tabela com cuidado, verificamos que a formula só ajuda quando a inflação é baixa. Mas como o Salário Mínimo se mantém fixo durante o ano inteiro, ele começa a perder da inflação logo depois de sua instituição. O ganho aparente com a “produtividade” (reajuste pelo aumento do PIB) é logo devolvido. Neste ano, em que há uma aceleração da inflação, o ganho já foi todo comido e hoje verificamos que o Salário Mínimo real tem uma correção menor que a correção do salário mínimo necessário (calculado pelo DIEESE). Em outras palavras, o trabalhador já está perdendo dinheiro. Se Dilma estivesse ao lado do trabalho, contra o capital, ele deveria decretar uma “escala móvel de salários” em que todo salário fosse corrigido mensalmente de acordo com a inflação, ao invés de deixar que a inflação leve mais lucro para o bolso do patrão, que vende suas mercadorias por mais reais e paga um salário congelado.

E qualquer trabalhador sabe a diferença entre ter no bolso R184,00 e R$797,43, que é exatamente a variação entre o SM nominal de 2011 e o de 2014, e a variação entre o SM DIEESE de 2011 e o de 2014.  

Bolsa Família e os mais pobres

Todos os jornais noticiaram: desde o ultimo reajuste, a inflação aumentou 19% e só agora Dilma corrige a Bolsa Família em 10%. É evidente que a política de Bolsa Família (preconizada pelo Banco Mundial desde 2001) é ruim enquanto política permanente e somente uma escala móvel de horas de trabalho, garantindo emprego para todo mundo sem cortes nos salários poderia resolver o problema de forma mais definitiva. Assim como a adoção de políticas públicas que garantissem a educação pública e gratuita, saúde pública e gratuita.

O Senador Cristovam Buarque tem razão ao defender a necessidade de federalizar toda a educação de primeiro grau como condição para melhorar a educação e garantir o fim do analfabetismo. Podemos agregar a isso a necessidade de federalizar a educação do ensino médio e também a educação superior. Difícil?

Para um País que gasta a maior parte da sua arrecadação no pagamento da dívida, de seus juros e serviços, o fim deste pagamento e a cobrança de impostos da burguesia, diminuindo seus lucros, poderia ajudar bastante. Mas, Dilma prefere manter o Bolsa Família, uma “solução” saída dos laboratórios do Banco Mundial apresentada por Lula como uma política transitória e que hoje se transformou em política permanente de “mantenha os pobres quietos e no seu lugar”. E, claro, nem corrigir o seu valor de acordo com a inflação a Presidente faz.

Imposto de Renda ou Imposto sobre Salários?

Desde quando foi instituído no Brasil (1924) o Imposto de Renda considera como “rendimentos” aqueles valores que provem do trabalho. Ou seja, o salário é equiparado, para efeitos de tributação, ao lucro dos patrões, seja este proveniente de qualquer atividade ou simplesmente uma “renda” vinda do recebimento de alugueis ou juros sobre o capital.

Sem que queiramos fazer um estudo geral da tributação, lembramos que no Brasil, a arrecadação federal é composta (aproximadamente) por um terço de impostos sobre consumo, um terço por impostos sobre renda (ai incluído o trabalho) e um terço de contribuições previdenciárias. Os impostos sobre patrimônio são residuais.

A questão é que o imposto sobre consumo é pago majoritariamente pela classe trabalhadora. Além destes, aproximadamente 7,5% do “Imposto de Renda” é imposto sobre os salários. Então, em outras palavras, os trabalhadores pagam aproximadamente 40% dos impostos, enquanto os capitalistas pagam 36%, excluídos a receita previdenciária (vejam os dados no site da Receita Federal, http://www.receita.fazenda.gov.br/arrecadacao/).

Ressalte-se que neste cálculo não estão incluídos dois impostos que pesam muito sobre a classe trabalhadora – o ICMS, que é responsabilidade dos Estados e o ISS que é responsabilidade dos municípios. Em outras palavras, os impostos gravam sobretudo os trabalhadores. E o Ministro da Fazenda diz que uma das opções para “resolver” a questão tributária é aumentar ainda mais os impostos sobre o consumo que, lembramos, recaem majoritariamente sobre os trabalhadores.

Dilma, nos últimos anos, vem concedendo isenções tributárias para “melhorar setores econômicos”. Dentre estes, o principal é a isenção tributária sobre a receita previdenciária, que atingiu algo em torno de 30 bilhões de reais ou aproximadamente 3% da arrecadação total e 10% da arrecadação previdenciária. Agora, para os trabalhadores propõe corrigir a tabela do Imposto de Renda na Fonte em …4,5% e somente no ano que vem! Mais ainda, este valor está abaixo da inflação prevista! E foi esta a correção dos dois últimos anos, sempre abaixo da inflação. Em outras palavras, ele promete manter a mesma política que vem diminuindo os tributos da burguesia e gravando mais a classe trabalhadora e, ainda assim, é atacada pelos jornais?

Afinal, o que está acontecendo?

A crise mundial e a luta de classes

Já analisamos em vários artigos que em 2008 iniciou uma crise mundial cuja origem é a superprodução de mercadorias. Em outras palavras, temos uma produção maior que o mercado capitalista pode suportar. O “mundo” produz mais carros, mais comida, mais trens, mais computadores, mais telefones, mais roupas, mais máquinas, mais navios, mais aviões, mais tudo que pode ser consumido.

Desde as mercadorias destinadas ao mercado mundial de massas, como a produção de máquinas e equipamentos, existe mais que o mercado pode comprar. Esta crise vinha sendo adiada há varias dezenas de anos. A queda da URSS, a reintrodução do capitalismo na China, abriram temporariamente novos mercados que permitiram um novo adiamento da crise. Depois, no início do século XXI, o aumento brutal do crédito permitiu manter o consumo, tanto de mercadorias para os consumidores como de máquinas e equipamentos, em alta. Até que chegamos a um limite e a crise estoura em 2.008. Inicialmente ela aparece como uma crise bancária, depois uma queda na bolsa, depois empresas inteiras ameaçam quebrar, a produção cai, o desemprego mundial aumenta, nada fica como antes.

Se olharmos o gráfico da relação entre o Salário Mínimo e o Salário Mínimo necessário calculado pelo DIEESE vamos ver que existe neste período uma queda do valor do SM em relação ao calculado pelo DIEESE. No Brasil inclusive houve uma queda do emprego. E se no resto do mundo o crédito já era muito alto e não podia ser mais elevado, no Brasil esta foi a solução aplicada no início do século XXI.

E, enquanto o desemprego campeava na Europa e nos EUA, enquanto direitos sociais eram e estão sendo questionados, no Brasil o governo aplicava uma política “pseudo keynesiana[ii], o PAC (Programa de Aceleração de Crescimento) que na realidade se limitava a duas grandes linhas:

a)      Aumentar a infraestrutura rodoviária e ferroviária para favorecer a exportação de comodities, vale dizer, de minérios e produtos agrícolas em bruto ou semi-industrializados.

b)      Aumentar o crédito para a compra tanto de eletrodomésticos como de casa própria e de carros.

Esta política, entretanto, começa a mostrar seus limites quando o crédito parece ter encontrado o seu máximo. Assim, cai à venda de carros, a construção e venda de casas já não cresce como antes e as obras para a Copa tem prazo limitado. E as eleições são neste ano.

Mas, afinal, o que tem a ver isto com a situação atual de Dilma e os ataques furiosos da imprensa para o governo de coalizão do PT com a burguesia, um governo que favorece mais a burguesia que os trabalhadores?

Para entender isso, fizemos primeiro o seguinte gráfico – A relação entre o Salário Mínimo e o Salário Mínimo calculado pelo DIEESE:

Como se pode notar, desde a posse de Lula que esta relação vem aumentando, tendo caído durante a crise de 2008 e atingido o máximo em 2012, com a aplicação da lei que garante o reajuste do SM de acordo com variação do PIB de dois anos antes mais inflação. Embora a relação não tenha voltado a cair tanto, observemos que é nos meses de Maio e Junho do ano passado que ela volta a atingir um valor muito baixo. Sobe depois com a queda do valor dos preços de transporte (resultado das jornadas de junho), cai com a inflação que volta a subir, tem um pico com o reajuste de janeiro de 2014 e tende agora a cair com a manutenção da inflação.

Assim a burguesia teve que pagar um preço para que o PT dirigisse o governo em beneficio desta mesma burguesia. O preço foi o aumento do SM e ela o paga desde o início do governo Lula. E recebeu de volta com a Reforma da Previdência, com as privatizações de estradas, portos, aeroportos, com a venda de ações do BB, com créditos privilegiados do BNDES, com os benefícios fiscais, com a desoneração da folha de pagamento.

E, principalmente, garantiu quase que 10 anos de tranquilidade sem grandes greves e manifestações que marcaram o País desde o final dos anos 70 – as greves que deram origem ao PT em 1979/80, o Movimento das Diretas Já e a quase eleição de Lula em 89, o Fora Collor no início dos anos 1990/99, as grandes greves contra as privatizações feitas por Itamar e FHC. Sim, foram 10 anos de tranquilidade aonde nunca antes foram feitos tantos negócios, tanta tranquilidade que permitisse a burguesia auferir seus lucros.

E, inclusive durante a crise de 2008, quando o mundo é marcado por greves, manifestações e revoltas operárias, o Brasil segue sendo um mar de tranquilidade, aonde greves e manifestações existem, mas convivem pacificamente no marco do “governo de coalizão” do PT com os grandes empresários.

E tudo muda em 2013. As manifestações sacodem o País de cima a baixo. E no início de 2014 a greve dos garis do Rio mostra que o controle das burocracias sindicais sobre o movimento dos trabalhadores cai muito mais rápido do que poderiam supor os burocratas.

O ato da CUT do primeiro de maio em SP foi a melhor mostra disso. Convocado sob o bandeira da “controle social da imprensa” o ato não conseguiu reunir trabalhadores em massa e, pior que isso, os que lá foram queriam apenas assistir aos shows e vaiavam os discursos. Sim, o PT passa por sua pior fase de relação com as massas, que deixam progressivamente de nele votar (pesquisas de intenção de voto) sem que com isso colem em Aécio ou Campos. Mas, se as massas começam a descolar-se do PT, se ele já não garante o “mar de tranquilidade” de antes, porque manter o apoio ao PT?

A raiva da burguesia com os trabalhadores, que nunca deixou de existir, apenas disfarçada sobre um signo de paz quando nada podia tocar Lula e o PT, vem à tona e as máscaras caem rapidamente. Os dirigentes do PMDB e outros partidos burgueses sorriem e dão tapinhas nas costas de Lula e Dilma e no dia seguinte vão se encontrar com Aécio e Campos.

Claro, existe uma parcela da burguesia que sonha com o retorno dos anos dourados e pede “volta Lula”. Mas, todos tem mais medo das massas que o diabo da cruz e muitos também imaginam que a volta de Lula possa significar um preço a pagar muito mais alto que um mero aumento do Salário Mínimo.

Assim, tudo fica com dantes no quartel de Abrantes e Dilma começa a ser sacrificada no altar da mídia, impiedosamente crucificada sem que seus defensores nada possam fazer. Afinal, quando no Primeiro de Maio ela não consegue recuperar nada para a maioria, nem um aumento já do Salário Mínimo, aumento da Bolsa Família abaixo da inflação acumulada desde o ultimo reajuste e reajuste da tabela do Imposto de Renda somente no ano que vem e por valores abaixo da inflação, o que sobra?

Sobra o ódio da burguesia por ter que pagar mais uns míseros trocados para continuar a farsa de hoje. Sobra a indiferença dos trabalhadores e da juventude que não vem nenhuma de suas reivindicações atendidas.

Melhores salários, garantia de emprego, fim do fator previdenciário, aposentadoria digna, saúde, educação e transporte público e gratuito, fim das perseguições contra líderes sindicais e militantes dos movimentos sociais e de esquerda, nada disso é sequer lembrado por Dilma. A Copa vem aí e depois da Copa, eleições mornas em que Dilma fará de tudo para manter o que tem hoje, com os cacos de sua “grande coligação” esvoaçando como mariposas arrependidas em busca do novo ídolo burguês.

Dilma pode vencer? Provavelmente vencerá, mas sob o olhar indiferente da juventude e da classe trabalhadora. Como pode vencer um burguês dependendo dos acontecimentos até lá. Resta à classe operária e à juventude a tarefa de organizar-se e proclamar como o fizeram os operários que construíram a I Internacional, 150 anos atrás: A emancipação da classe operária é tarefa dos próprios operários.

 



[i] É preciso excluir destas pesquisas a última pesquisa da Sensus (divulgada em 3/5/14) que foi realizada com métodos que privilegiam o candidato Aécio e prejudicam Dilma (ver OESP de 3/5/14 ou então no site do jornal http://blogs.estadao.com.br/vox-publica/2014/05/02/aecio-aparece-primeiro-na-cartela-do-sensus/).

[ii] A política keynesiana clássica implica num investimento em produção e também no emprego, por parte do Estado, que assume uma dívida crescente, com a finalidade de “relançar” a produção. Esta é uma política que vem sendo tentada, a nível muito rudimentar, nos EUA. Mas se a produção volta a crescer em algum nível, não é verdade que se recuperem os empregos e salários que a teoria preconiza. A queda do desemprego nos EUA deve-se mais a que contingentes inteiros de trabalhadores desistem de procurar emprego e a desigualdade entre os 1% e os 99% (mais ricos e mais pobres) sobe constantemente.