Um dos momentos mais marcantes da história da União Soviética remonta à voraz resistência à invasão e, consequentemente, à vitória sobre a Alemanha Nazista na Segunda Guerra Mundial. Ela abriu o caminho para a expropriação do capital em diversos países do Leste Europeu – na esteira da onda revolucionária que varreu o mundo após esse conflito – e propiciou a mudança na correlação mundial de forças. Sobretudo, garantiu que a burocracia stalinista, que se apossou do legado da Revolução de Outubro, se mantivesse no poder do Estado Operário no curso das décadas seguintes.
O discurso, que começou a ser construído, ainda no curso da guerra, pela propaganda estatal, atribui a Stalin o papel decisivo de “grande generalíssimo”, cujo brilhantismo e liderança infalível fez a balança da vitória pender a favor dos soviéticos. Uma narrativa contaminada pelo personalismo, típico da escolástica stalinista, que subverte o papel do indivíduo na história, distorce a própria atuação militar de Stalin, passa por cima de todas as condições objetivas para essa vitória e do esforço denodado do proletariado soviético em defesa das conquistas da revolução, ainda frescas em sua memória.
Entre outras falsificações históricas, o mito que transforma Stalin – homem dos bastidores e da intriga – em grande general sobreviveu às denúncias de seu sucessor, Nikita Kruschev e percorreu o longo período posterior, onde o núcleo duro stalinista liderado por Leonid Brejnev retomou as rédeas da burocracia soviética. Se manteve discreto durante a restauração do capitalismo na década de 1990, mas ressurge nos dias de hoje, quando o governo burguês de Putin agita sobre as cabeças dos russos um empoeirado patriotismo e o usa como propaganda de seu regime. Através de produções cinematográficas de gosto duvidoso, desfiles militares em datas comemorativas, peças de propaganda e séries televisivas marcadas por distorções históricas, Putin revisita memórias e símbolos que representam o pior de dois mundos: o stalinista e o czarista.
Por outro lado, dentro do movimento operário, os stalinistas, apoiando-se na desonestidade intelectual e no pseudomarxismo de elementos como o filósofo italiano Domenico Losurdo, preparam suas armadilhas aos jovens e trabalhadores, procurando vender-lhes uma “versão repaginada” de Stalin onde seus crimes hediondos são transmutados em “males necessários”, sua inaptidão e mediocridade militar em “genialidade estratégica” e sua linha política degenerada, o “socialismo em um só país”, entre outras excrescências, em “única continuação possível e real do marxismo e do bolchevismo”.
No terreno onde mentiras são repetidas até que se tornem verdades, faz-se necessário submeter as tortuosas relações entre Stalin e o Exército Vermelho ao olhar do materialismo histórico e explicar como, apesar de Stalin, os jovens, camponeses e operários soviéticos, convertidos pela necessidade extrema em soldados, derrotaram a poderosa máquina de guerra alemã sob o controle de Hitler.
Guerra Civil Revolucionária: Stalin e suas relações com a Oposição Militar
Leon Trotsky criou um novo modelo de exército, centralizado, regular e moderno, com os parcos meios dos quais dispunha. Para cumprir essa tarefa, além do estudo dos manuais militares e da guerra, também buscou inspiração e ensinamentos nas revoluções pregressas: nas experiências do Exército Revolucionário Francês, fundado em 1792, e nas duras lições da Comuna de Paris. Analisando o Novo Modelo de Exército (New Model Army)1 organizado por Oliver Cromwell durante a Revolução Inglesa de 1645, concluiu que um exército permanente, com um comando centralizado e orientado por especialistas militares, era muito superior à tática de guerrilha ou milícias dispersas. Por isso defendeu a nomeação dos oficiais do antigo exército imperial, que aceitavam combater pelos bolcheviques, mediante soldo e submetidos ao voto dos soldados.
No esforço de construir uma força militar capaz de impedir o esmagamento da Revolução de Outubro – patrocinado pelas principais potências imperialistas – e que, ao mesmo tempo, fosse o espelho da política do partido e da revolução, ou seja, a expressão máxima do povo em armas e da democracia operária, Trotsky, como ele mesmo afirmou, foi obrigado durante esse processo “a pisar em algumas dezenas de calos”.
Contra suas ideias se constituiu a Oposição Militar: um grupo de delegados ao 8º Congresso do Partido Comunista Russo que criticava a tática do centralismo militar de Trotsky, defendendo, em vez disso, o guerrilheirismo e se opondo ferozmente à contratação dos oficiais do antigo exército czarista. É verdade que nem todos os oficiais contratados eram de confiança. Muitos se converteram em traidores e sabotadores ao longo da campanha. Muitos atentaram contra a vida de Trotsky e de outros bolcheviques, mas a necessidade de especialistas em guerra para dirigir as tropas em operação era sentida. Trotsky compreendia isso perfeitamente através do que via nas frentes de combate. Por sua vez, Stalin, ainda que discretamente, sempre estava por trás dos duros embates, empurrando os opositores contra Trotsky. Ao espalhar pelos corredores e gabinetes do Kremlin e até dizendo abertamente nas instâncias do partido que a política militar de Trotsky era “arrogante e hostil aos velhos bolcheviques“, Stalin conseguiu uma primeira base de apoio dentro do partido que lhe seria muito útil, posteriormente, em sua luta pelo poder.
Entre maio e outubro de 1918, Stalin foi delegado à intendência de Tsarytsin, futura Stalingrado, atual Volgogrado, às margens do Volga. Interinamente ficou sob seu controle toda a região do Baixo Volga, onde promoveu o terror, pelas costas de Lenin, do partido e do Comitê Militar Revolucionário. A perseguição era especialmente dirigida contra os oficiais do antigo exército imperial comissionados por Trotsky. Muitos foram executados com crueldade e por motivos banais. Stalin e seu futuro ministro da Guerra, o medíocre e indisciplinado oficial Kliment Voroshilov, membro entusiasmado da Oposição Militar, levaram sua petulância ao ponto de não aceitar se subordinar ao ex-general czarista Andrei Snesarev, nomeado por Trotsky para dirigir as operações militares na região. Mais tarde retratada como ação heroica de combate à contrarrevolução pelos historiadores oficiais a serviço da burocracia, a atuação de Stalin e Voroshilov em Tsarytsin não passou de desobediência, oportunismo e rompimento dos princípios do centralismo democrático.
A campanha polonesa e o oportunismo de Stalin em Varsóvia
Mesmo com as cascas de banana atiradas por Stalin, Voroshilov e a Oposição Militar dentro e fora das instâncias do partido, Trotsky manteve firme sua tática e filosofia militar, com o apoio incondicional de Lênin e da maioria do partido. O acerto de suas posições foi provado concretamente no calor da guerra. Um após outro, os generais brancos Denikin, Yudenich, Wrangel e Kolchak, bem como os bandidos de Grigoriev e Makhno, caíram em desgraça frente às bem organizadas divisões vermelhas e debandaram.
As Legiões Polonesas (Exército Azul) – hordas de assassinos e estupradores do ditador Józef Piłsudski, treinados e patrocinados pelos franceses – foram empurradas para além das fronteiras do seu território. O 16º Exército Vermelho, comandado por Mikhail Tukhachevsky, atravessava a Polônia conquistando posições e em pouco tempo já assediava a capital Varsóvia. Ocupar a Polônia era a chance de romper o isolamento do restante da Europa, possibilitar uma revolução socialista polonesa e abrir um caminho até o proletariado revolucionário alemão.
No caso da Polônia, a questão nacional era candente. Dividido e oprimido historicamente pelas invasões russas e alemãs, era quase impossível ao proletariado polonês não enxergar o Exército Vermelho como um exército invasor. As toneladas de panfletos de propaganda atiradas desde aviões explicando a posição dos comunistas russos pela autodeterminação da Polônia e pela instauração de uma república socialista governada por poloneses não arrefeceram esse ódio secular. Lutar contra o sentimento antirrusso das massas, naquele momento, era uma tarefa que estava acima das forças dos comunistas. Ainda havia a questão agrária: a coletivização das fazendas, proposta pelo próprio PC polonês, chocou-se com os interesses dos pequenos e médios proprietários rurais, não encontrando eco entre eles.
Os ingredientes explosivos da questão nacional, a desaceleração do ritmo da ofensiva, o prolongamento das linhas, a falta de recursos, falta de apoio do proletariado polonês e focos de indisciplina nas fileiras causaram a vergonhosa capitulação do Exército Vermelho na Polônia. Segundo o historiador marxista francês Pierre Broué, em sua “História da Internacional Comunista: 1919-1943” – escrito a partir de longos anos de pesquisas e análises a documentos da época – um dos momentos decisivos do triste desfecho da campanha marcou uma das poucas, senão a única, atuação direta de Stalin em operações de guerra. Sem dúvida, uma atuação miserável.
Stalin serviu na Polônia como comissário político na divisão comandada por Aleksander Yegorov, subordinada ao 16º Exército Vermelho. No dia de um ataque crucial à capital polonesa, ambos decidiram desobedecer às ordens de Tukhachevsky, que consistiam em concentrar todas as forças no assédio a Varsóvia, e convenceram Semion Budionny a seguir para Lvov à frente de um regimento da Cavalaria Vermelha. A ideia era tomar a cidade, cortar as linhas de suprimentos e garantir assim a capitulação dos varsovianos. A manobra desastrada, incentivada pelo oportunismo de Stalin e Yegorov, obrigou a cavalaria de Tukhachevsky a recuar em socorro de Budionny, desfalcando o conjunto do exército no momento decisivo da tomada da capital polonesa2.
Ao tomar ciência do ocorrido, Lênin ficou furioso e retirou Stalin do Comitê Militar Revolucionário. Yegorov e Budionny seriam nomeados mais tarde por Stalin dois dos cinco primeiros marechais soviéticos após a restauração do carreirismo dentro do exército. A campanha ainda seria decidida na Batalha do Vístula, quando o 16º Exército Vermelho bateu em retirada forçada depois de três dias de combate contra unidades treinadas e comandadas por mais de 200 oficiais da Missão Francesa – entre eles o renomado general Ferdinand Foch e o então jovem capitão Charles De Gaulle, futuro presidente francês. O episódio ficou conhecido como “O Milagre de Varsóvia”. A derrota forçou o armistício com a Polônia de Piłsudski. O refluxo nos processos revolucionários na Europa Central, e mais tarde na China, selaram o isolamento da Rússia soviética.O exército diante do ascenso da burocracia
Ainda antes do fim da campanha na Polônia, Trotsky se retira do comando do Exército a fim de se dedicar às questões da reconstrução da infraestrutura, economia e dos transportes da jovem república, destruídos pelas guerras civil e imperialista. Ao fazê-lo, deixou homens de sua confiança no comando do exército, fundou escolas e academias militares não só para treinar os soldados, mas para formar oficiais proletários e comprometidos com a revolução.
A crise econômica e o isolamento prepararam o terreno propício para o avanço de Stalin e sua burocracia. Quando Lenin adoeceu, a burocracia foi gradualmente assumindo o poder e se instalou completamente no aparato do Estado após sua morte. Trotsky decidiu travar um combate político contra a burocracia. Frequentemente acusado pelos membros da Oposição Militar durante a Guerra Civil de usar o exército como alavanca de poder e de cultivar tendências ao bonapartismo, Trotsky jamais cogitou usar seu prestígio entre os soldados para remover os burocratas do poder com um golpe de força. Isso significaria substituir uma ditadura burocrática por uma ditadura burocrático-militar.
A opção foi pela luta política não pelo poder, mas para manter limpas as bandeiras do bolchevismo para as gerações posteriores. Por mais bem enraizadas que suas ideias e da Oposição de Esquerda estivessem no seio da militância de base, Trotsky sabia que elas não tinham qualquer eco dentro das instâncias deliberativas de um partido já totalmente burocratizado. Ele nada podia contra a força do aparato. Durante o tempo de exílio na Turquia, em 1929, Trotsky, ainda sob o fogo dos acontecimentos, escrevia:
“O grupo principal da oposição marchava para esse desfecho de olhos abertos. Compreendíamos muito claramente que, se quiséssemos fazer das nossas ideias as ideias da nova geração operária, não seria pela diplomacia ou pela argúcia, mas apenas pela luta aberta que não temesse os seus desdobramentos práticos. Marchávamos em direção à derrota certa, preparando com segurança uma vitória ideológica para um futuro mais distante”3
Em novembro de 1927 foram ratificados a expulsão de Trotsky do partido e o exílio para Alma Ata, no Cazaquistão. Na calada da noite, longe dos olhos das massas, soldados constrangidos prenderam o seu ex-comandante em chefe e o escoltaram até o trem que levou ele e sua família para o exílio. Durante todo o trajeto pela linha férrea, nenhum soldado agiu com rispidez ou truculência. Os homens se esforçaram para agir com o máximo de gentileza e cordialidade, tomando cuidado para não atrair retaliações de seus chefes contra si.
Já em Moscou, Stalin tinha todos os motivos para temer os soldados. Não seria exagero afirmar que Stalin não confiava e, sobretudo, odiava o exército. Seu aparato de repressão, a polícia política GPU (Diretório Político do Estado), era dissociado das forças armadas. O exército era imprevisível demais para o seu gosto. Naqueles anos, ainda era impossível falar do Exército Vermelho sem mencionar Trotsky.
Entretanto era necessário agir com cautela. As memórias da Revolução de Outubro, da Guerra Civil e dos homens que jogaram um papel brilhante nelas, ainda povoavam as mentes e corações do proletariado. Para além disso, muitos membros não só do alto escalão militar, mas do próprio birô político do partido burocratizado ainda representavam possíveis rivais ou obstáculos para seu projeto de poder. Era preciso eliminá-los, mas no momento propício.
Dentro do Exército Vermelho, Stalin enxergava como ameaça os oficiais formados nas academias militares fundadas por Trotsky, os veteranos da Guerra Civil e da campanha da Polônia. No seu entender, quem despontava como um potencial rival na disputa pelo controle da burocracia era Mikhail Tukhachevsky, um jovem oficial que teve uma rápida ascensão durante a Guerra Civil, atraindo a atenção de Lenin e Trotsky pela extraordinária capacidade de manejar as unidades sob seu comando. Em pouco tempo, com apenas 26 anos, foi promovido a Comandante em Chefe da Frente Sul (Ucrânia) e logo depois nomeado comandante supremo da Frente do Cáucaso.
Além de militar habilidoso, era um homem culto e ligado às artes. Foi amigo pessoal, maior entusiasta e promotor do mais renomado compositor russo do século 20, Dmitri Shostakovich. Seu brilhantismo como estrategista lhe rendeu a alcunha de “Napoleão Vermelho” imposta pela imprensa imperialista. Já na década de 1920, ele vislumbrava que um novo conflito mundial era inevitável e que seria uma guerra de movimento, moderna, lutada com tanques e aviões. Ele entendia que garantir a defesa da União Soviética dependia de uma rápida modernização do Exército Vermelho. A partir de 1924 o seu plano foi posto em prática e, para isso, teve que bater de frente, em diversas oportunidades, com Stalin e outros burocratas do Politburo.
A modernização militar sob Tukhachevsky e os Processos de Moscou
“Se a guerra vier amanhã,
Se for preciso ir ao combate amanhã,
Estaremos preparados para o combate hoje!”4
Com Tukhachevsky no comando supremo do Exército Vermelho tem início uma era de significativos avanços na tecnologia militar soviética. Alguns dos equipamentos bélicos que começaram a ser projetados e desenvolvidos nesse período são referências mundiais e alguns estão em operação até os dias de hoje. Sob Tukhachevsky estava na ordem do dia o incentivo à criação de projetos de baixo custo e de fácil produção em larga escala. Diante dessa necessidade, a engenharia militar operou verdadeiros milagres.
Em 1930, Tukhachevsky enviou um memorando ao Kremlin que exigia um colossal investimento para a produção em massa de armas: “40 mil aviões e 50 mil tanques”. Sob suas pressões, as despesas de defesa também cresceram rapidamente, de apenas 12% do produto nacional bruto em 1933 para 18%.
Para citar alguns exemplos dos avanços, a Força Aérea Soviética, fundada em 1922 com velhos aviões do exército czarista, em 1930 já contava com os modernos caças Polikarpov, primeiro modelo de avião monoplano e com trem de pouso retrátil da história da aviação. A tradição soviética na engenharia e fabricação de tanques, carros de combate e unidades de artilharia autopropulsada nasceu também nesse período, com o revolucionário projeto do tanque médio T-34, evolução do já moderno T-26. A carenagem e a esteira de rolagem desse veículo permitiam uma boa performance em qualquer tipo de terreno. Sua blindagem aerodinâmica, que lhe dava uma aparência feia e desajeitada, desviava os projéteis antitanque, por isso resistia ao mais pesado fogo de artilharia.
Outro projeto da época era o dos caminhões equipados com lançadores de foguetes. Esse projeto foi interrompido e retomado em meio à invasão nazista. Na ocasião, esses veículos receberam o nome de Katiuska, uma referência a uma canção antifascista muito popular na URSS em 1941. Essa arma de artilharia móvel, versátil, foi fundamental na vitória em Stalingrado. O equipamento pessoal dos soldados também teve significativo avanço. A metralhadora de assalto PPSh-41, cujo protótipo foi projetado nessa época, saltava aos olhos dos especialistas militares do mundo todo por seu baixo custo de fabricação e alta precisão de tiro, superando modelos ingleses, norte-americanos e alemães. Inspirou, ainda no fim da guerra, o projeto do fuzil de assalto Kalashnikov AK-47, utilizado por exércitos pelo mundo inteiro até hoje. Centenas de soldados alemães foram capturados em Stalingrado em posse da PPSh-41.
Stalin era um homem do gabinete e do conchavo, que nenhum serviço relevante prestou durante a revolução e a Guerra Civil. Com essa vergonhosa lacuna militar na sua trajetória, homens como Tukhachevsky o amedrontavam, além de lhe causarem um profundo ciúme e rancor. O momento para Stalin eliminar de vez seus desafetos finalmente chegou em 1936. A partir disso, não demorou muito para Tukhachevsky ser preso e executado sob a falsa acusação de organizar uma conspiração contra o regime em conluio com os nazistas.
Ao seu lado, durante os “Processos de Moscou”, centenas dos mais experientes oficiais e engenheiros militares foram mortos ou enviados aos gulags5, em especial os formados nas academias fundadas por Trotsky. Quando assumiu o poder após a morte de Stalin, Nikita Kruchev revelou ao mundo os documentos da NKVD6 que provaram que as acusações foram forjadas de maneira grosseira. A maioria dos inventivos projetos militares desse período foram interrompidos e retomados somente no momento da extrema urgência.
Depois da “limpeza” no exército, Stalin nomeou para o comando seus velhos companheiros de claque, Voroshilov e Budionny. Este último, homem retrógrado, acreditava que poderia enfrentar qualquer exército do mundo com piquetes de cavalaria ligeira, como fazia durante a Guerra Civil. Stalin conhecia o terreno onde pisava ao cortar a garganta de seus oficiais mais instruídos e ao nomear “soldadinhos de chumbo” para o comando das forças armadas.
Seu interesse real era eliminar as ameaças dentro do exército e convertê-lo em uma de suas alavancas no âmbito do poder estatal. Os comissários políticos, responsáveis diretos pela manutenção da moral das tropas durante a Guerra Civil, foram substituídos por alcaguetes, convertendo-se nos olhos e ouvidos de Lavrenty Beria, chefe da NKVD, e de Stalin dentro do exército. Quanto à defesa da URSS dos inimigos externos, as apostas de Stalin eram outras.
Notas e referêcias:
1 O New Model Army ou “Novo Modelo de Exército” foi formado em 1645 pelo Parlamento Inglês e organizado por Oliver Cromwell, sendo dissolvido em 1660 após a Restauração. Era diferente dos demais exércitos à época, uma vez que foi concebido como uma força responsável pelo serviço em todo o país, ao invés de estar circunscrito a uma única área ou guarnição. Como tal, era constituído por soldados em tempo integral, ao invés da milícia usual à época. Além disso, possuía militares de carreira. Com esse modelo militar Cromwell conseguiu encampar uma eficiente guerra contra os exércitos dos nobres, descentralizados e baseados nos fyrds, ou “milícias feudais” formadas a partir da circunscrição de servos.
2 “A História da Internacional Comunista: 1919-1943 ” BROUÉ Pierre – Tomo 1, Cap. 8, página 22, editora Sundermann – 2007.
3 Trotsky, sobre o desfecho da luta da Oposição de Esquerda Unificada – “Minha Vida” – TROTSKY Leon – Cap. 42, página 611 – editora Sundermann – 2017.
4 Referência à marcha militar Yesli Zavtra Voyna ou “Se a guerra vier amanhã” composta por Lebedev-Zumach durante os anos do marechalato de Tukhachevsky. A canção é uma ode a modernização do exército e às preparações das defesas da URSS contra os inimigos externos.
5 Os gulags eram sistemas de campos de trabalho forçado para onde eram enviados presos comuns e opositores do regime de Stalin, em especial, os trotskistas.
6 NKVD: Narodnyj Komissariat Vnutrennikh Diel ou “Comissariado do Povo para Assuntos Internos”. Era o comissariado que cuidava do policiamento interno, corpo de bombeiros, guarda de fronteiras e serviço secreto. Incorporou a GPU, Gosudarstvennoi Politicheskoye Upravlenie, ou “Diretório Político Unificado do Estado”, em 1934, sob o comando de Lavrenty Beria e se converteu na polícia política de Stalin. Com o tempo incorporou também assuntos de inteligência e contrainteligência, sendo renomeado, em 1953 para KGB, Komitet Gosudarstvennoi Bezopasnosti ou “Comitê de Segurança do Estado”. Extinto em 1991, é considerado pelos especialistas da área, o melhor serviço secreto, de inteligência e contrainteligência que já existiu.